Os conflitos modernos deram origem ao aparecimento de figuras iconográficas entre os generais, que depois se perpetuaram em reputações que raramente têm a ver com a sua real valia em termos da ciência militar ou, pelo menos, cuja superioridade para com o comportamento dos seus homólogos e dos rivais não justifica, objectivamente, o destaque que lhes é dado. Dando exemplos concretos dos Grandes Conflitos do Século XX, existem os casos de Joffre em França (abaixo) e de Hindenburg na Alemanha, durante a Primeira Guerra Mundial, do britânico Montgomery ou do norte-americano Patton, durante a Segunda.
No entanto, houve uma evolução natural na maneira como a imagem iconográfica dos ídolos evoluiu de um conflito para outro. Mais institucional com o francês e o alemão, a dos dois generais anglo-saxónicos parecia ser genuína porque parecia espontaneamente oriunda da imprensa, quando na realidade era afinal habilidosamente gerida por detrás. Tratava-se de uma habilidade característica de países onde se desfrutava de um certo nível de liberdade: durante a Segunda Guerra, nunca houve uma promoção de imagem interna de qualquer general alemão ou soviético da mesma forma de Patton ou Montgomery. Hitler ou Staline não as tolerariam…
Insira-se aqui um parágrafo como curiosidade pela forma como em Portugal, durante as Guerras em África, de 1961 para 1974, se transitou de um regime autocrático puro, ao nível das ditaduras totalitárias da Segunda Guerra Mundial (Salazar seria tão ciumento quanto à projecção pública dos seus generais quanto Hitler e Staline…) para um regime mais aberto depois da chegada de Marcello Caetano ao poder (1968), com o destaque dado na comunicação social às figuras de Spínola e os seus aspectos folclóricos do monóculo e do pingalim (acima) ou as explicações das operações de guerra em Moçambique, dadas por Kaúlza de Arriaga (abaixo).
Este extenso intróito serve para tentar colocar George S. Patton (abaixo) na devida hierarquia de mérito dos generais norte-americanos da Segunda Guerra Mundial, numa posição muito inferior à da proeminência que gozou entre jornalistas (pelas obscenidades e sound bites que caracterizavam os seus discursos) e fotógrafos (pelos adereços com que se enfeitava, especialmente um par de Colts 45, niquelados, com os punhos em marfim). De alguma maneira a imagem vingou, porque há um filme sobre si intitulado Patton (de 1970), e nenhum intitulado Eisenhower ou Bradley, e ambos foram seus superiores hierárquicos directos…
A forma como se conta o início da história da conquista de Brest é uma daquelas versões para jornalista. Não tendo participado no desembarque da Normandia, a 6 de Junho de 1944, foi só a 1 de Agosto que George Patton veio assumir o comando do recém-criado III Exército norte-americano. Ao fazê-lo, pegou nas únicas 4 Divisões operacionais que lhe atribuíram e mandou um par delas (a 4ª Blindada e a 8ª de Infantaria) para Rennes e o outro (6ª Blindada e 70ª Infantaria) para Brest, o porto que está localizado na extremidade da península da Bretanha (como se vê no mapa abaixo), que ficava precisamente no sentido oposto…
Segundo essa versão para a imprensa, ao tomar conta do cargo, Patton fizera uma aposta de 5 libras esterlinas com Montgomery (então ainda responsável por todas as Operações terrestres, até à posse de Eisenhower) em como as suas tropas estariam em Brest no Sábado seguinte (dia 9 de Agosto). E a versão continuava: ao encontrar o comandante da 6ª Divisão Blindada, Robert Grow (abaixo), num entroncamento, foi ter com ele quase casualmente e deu-lhe instruções para que conquistasse Brest até dia 9. Quando este protestou que o objectivo estava a 400 km de distância, ouviu: Não me vais fazer perder as 5 libras que apostei com Monty?!...
Teve a sua piada, deve ter feito vender bastantes mais jornais, mas é mentira que a definição dos objectivos a conquistar pelos Aliados pudesse depender assim dos caprichos e das apostas dos seus oficiais generais… Na verdade, a planificação das operações a realizar depois do desembarque em França atribuía uma alta prioridade à conquista dos portos franceses do Atlântico (abaixo) para facilitar o desembarque das tropas e do apoio logístico aos exércitos que estavam extremamente carentes de reabastecimentos como eram tradicionalmente os casos dos anglo-americanos. E Patton estava apenas a cumprir esse plano…
Insira-se aqui um parágrafo como curiosidade pela forma como em Portugal, durante as Guerras em África, de 1961 para 1974, se transitou de um regime autocrático puro, ao nível das ditaduras totalitárias da Segunda Guerra Mundial (Salazar seria tão ciumento quanto à projecção pública dos seus generais quanto Hitler e Staline…) para um regime mais aberto depois da chegada de Marcello Caetano ao poder (1968), com o destaque dado na comunicação social às figuras de Spínola e os seus aspectos folclóricos do monóculo e do pingalim (acima) ou as explicações das operações de guerra em Moçambique, dadas por Kaúlza de Arriaga (abaixo).
Este extenso intróito serve para tentar colocar George S. Patton (abaixo) na devida hierarquia de mérito dos generais norte-americanos da Segunda Guerra Mundial, numa posição muito inferior à da proeminência que gozou entre jornalistas (pelas obscenidades e sound bites que caracterizavam os seus discursos) e fotógrafos (pelos adereços com que se enfeitava, especialmente um par de Colts 45, niquelados, com os punhos em marfim). De alguma maneira a imagem vingou, porque há um filme sobre si intitulado Patton (de 1970), e nenhum intitulado Eisenhower ou Bradley, e ambos foram seus superiores hierárquicos directos…
A forma como se conta o início da história da conquista de Brest é uma daquelas versões para jornalista. Não tendo participado no desembarque da Normandia, a 6 de Junho de 1944, foi só a 1 de Agosto que George Patton veio assumir o comando do recém-criado III Exército norte-americano. Ao fazê-lo, pegou nas únicas 4 Divisões operacionais que lhe atribuíram e mandou um par delas (a 4ª Blindada e a 8ª de Infantaria) para Rennes e o outro (6ª Blindada e 70ª Infantaria) para Brest, o porto que está localizado na extremidade da península da Bretanha (como se vê no mapa abaixo), que ficava precisamente no sentido oposto…
Segundo essa versão para a imprensa, ao tomar conta do cargo, Patton fizera uma aposta de 5 libras esterlinas com Montgomery (então ainda responsável por todas as Operações terrestres, até à posse de Eisenhower) em como as suas tropas estariam em Brest no Sábado seguinte (dia 9 de Agosto). E a versão continuava: ao encontrar o comandante da 6ª Divisão Blindada, Robert Grow (abaixo), num entroncamento, foi ter com ele quase casualmente e deu-lhe instruções para que conquistasse Brest até dia 9. Quando este protestou que o objectivo estava a 400 km de distância, ouviu: Não me vais fazer perder as 5 libras que apostei com Monty?!...
Teve a sua piada, deve ter feito vender bastantes mais jornais, mas é mentira que a definição dos objectivos a conquistar pelos Aliados pudesse depender assim dos caprichos e das apostas dos seus oficiais generais… Na verdade, a planificação das operações a realizar depois do desembarque em França atribuía uma alta prioridade à conquista dos portos franceses do Atlântico (abaixo) para facilitar o desembarque das tropas e do apoio logístico aos exércitos que estavam extremamente carentes de reabastecimentos como eram tradicionalmente os casos dos anglo-americanos. E Patton estava apenas a cumprir esse plano…
Aliás, do outro lado (alemão) já se haviam apercebido da importância que esses portos representavam para os adversários e, em vez de tentar retirar, impossibilitadas de bater em velocidade as unidades aliadas que estavam motorizadas, as unidades alemãs que guarneciam a França (algumas como aquelas que faziam a clientela (abaixo) do Café do René em ´Allo! ´Allo!…) haviam recebido ordens para se reagruparem nos portos e defendê-los a todo o custo, procedendo à destruição de todas as infra-estruturas portuárias na impossibilidade de não serem bem sucedidos na sua defesa.
Regressando à aposta de Patton e Montgomery sobre a data da conquista de Brest, quando Bob Grow e a sua 6ª Divisão Blindada chegaram aos seus arredores, a 7 de Agosto, já os alemães se haviam reagrupado. Entre as unidades cercadas, num total estimado em 40.000 homens, contavam-se elementos da 2ª Divisão de Pára-quedistas, que era uma unidade de elite alemã... A Divisão sitiante não dispunha dos meios necessários para desencadear uma guerra de cerco e Patton perdeu a aposta… Foram precisas 4 Divisões norte-americanas* e 6 semanas de combates (abaixo) para conquistarem Brest mas com o seu porto totalmente destruído...
Os recursos alocados à libertação de Brest, quando comparados com as vantagens que se extraíram depois da sua conquista, alteraram as prioridades aliadas quanto à libertação dos portos marítimos franceses que ainda permaneciam em mãos alemãs. Devidamente cercados por forças aliadas (constituídas sobretudo pelos antigos resistentes franceses, agora saídos da clandestinidade), as guarnições alemãs dos portos franceses de Lorient, Saint Nazaire e La Rochelle só se vieram a render a 9 de Maio de 1945 (há precisamente 63 anos), ao receberem as notícias da Assinatura da Rendição do III Reich.
* 6ª Divisão Blindada e as 2ª, 8ª e 29ª Divisões de Infantaria, com um reforço excepcional de artilharia, para além de apoio de bombardeamento aéreo.
Regressando à aposta de Patton e Montgomery sobre a data da conquista de Brest, quando Bob Grow e a sua 6ª Divisão Blindada chegaram aos seus arredores, a 7 de Agosto, já os alemães se haviam reagrupado. Entre as unidades cercadas, num total estimado em 40.000 homens, contavam-se elementos da 2ª Divisão de Pára-quedistas, que era uma unidade de elite alemã... A Divisão sitiante não dispunha dos meios necessários para desencadear uma guerra de cerco e Patton perdeu a aposta… Foram precisas 4 Divisões norte-americanas* e 6 semanas de combates (abaixo) para conquistarem Brest mas com o seu porto totalmente destruído...
Os recursos alocados à libertação de Brest, quando comparados com as vantagens que se extraíram depois da sua conquista, alteraram as prioridades aliadas quanto à libertação dos portos marítimos franceses que ainda permaneciam em mãos alemãs. Devidamente cercados por forças aliadas (constituídas sobretudo pelos antigos resistentes franceses, agora saídos da clandestinidade), as guarnições alemãs dos portos franceses de Lorient, Saint Nazaire e La Rochelle só se vieram a render a 9 de Maio de 1945 (há precisamente 63 anos), ao receberem as notícias da Assinatura da Rendição do III Reich.
* 6ª Divisão Blindada e as 2ª, 8ª e 29ª Divisões de Infantaria, com um reforço excepcional de artilharia, para além de apoio de bombardeamento aéreo.
Está visto que já não estás com problemas com a net. Regressas mais forte que nunca e pões à prova a minha capacidade de conciliar tudo o que tenho e quero fazer com a leitura destes teus interessantíssimos postes.
ResponderEliminarMas continua que eu cá me arranjo.
O azar de Patton foi ter nascido demasiado cedo!
ResponderEliminarPodia ter ficado conhecido como o "Fittipaldi dos Sherman"...
Excelente post.
ResponderEliminarConsta que este General terá dito no decorrer da batalha das Ardenas, depois de romper o cerco de Bastogne, que estava a combater o inimigo errado.
Se calhar seria outra aposta perdida...
George S. Patton produzia uns excelentes "sound bites" antes de eles virem a ser conhecidos por esse nome:
ResponderEliminarExemplo: Os meus homens até podem comer as botas e o cinturão para que a Guerra continue; não podem é urinar uma gota do combustível necessário para que os seus meios de transporte continuem a funcionar...
É giro, deu-lhe popularidade, mas o desempenho de um general em tempo de guerra nada tem a ver com o facto de ser espirituoso. Se o fosse, Groucho Marx tinha roubado o lugar a Eisenhower...