Segundo os relatos lendários da fundação de Roma, depois de Rómulo e dos seus companheiros terem raptado as mulheres de um dos povos vizinhos (os Sabinos), quando o conflito estava eminente porque estes últimos as vinham recuperar, a batalha não se chegou a realizar por causa da intervenção das sabinas raptadas que entretanto se haviam afeiçoado aos raptores e se interpuseram entre os contendores, apelando à razão e a um entendimento entre as duas partes.

Episódios muito similares ao das sabinas vieram a ser recriados também durante a época medieval. Em Portugal, à Rainha Santa Isabel (1271-1336), provavelmente por causa da fama da sua santidade, atribuíram-lhe logo dois! Em 1325, quando se interpôs entre o marido (D. Dinis) e o filho, e em 1336, entre o mesmo filho (que já era o rei D. Afonso IV) e o neto. Mas foi preciso chegar ao Século XX para que aparecessem essas figuras um pouco paradoxais que são os militares pacíficos…

Mas foi preciso esperar pela segunda metade do Século XX (1956) para que a prática da utilização de forças de interposição fosse reconhecida internacionalmente, numa decisão na altura patrocinada pela Organização das Nações Unidas a propósito da Crise do Suez. Uma força militar com cerca de 6.000 homens de 10 países diferentes* instalou-se na região do Sinai para supervisionar a retirada dos contendores externos (França e Reino Unido) e dissuadir os contendores locais (Egipto e Israel).

Mais de 50 anos passados sobre essa sua primeira utilização, os militares utilizados como capacetes azuis ao serviço da ONU ainda não conseguiram ultrapassar as contradições entre as realidades dos terrenos onde têm de operar e a forma como são impingidos às opiniões públicas mundiais. Porque estas, como referi recentemente a propósito dos episódios na ex-Jugoslávia (1992-95), têm enormes dificuldades em compreender a impotência dos soldados perante as tragédias que ocorrem.

É que militarmente, apesar de poderem proteger melhor os seus utilizadores da agressividade dos contendores, os blindados pintados de branco da ONU da fotografia de cima, valem tanto como o burrinho da fotografia de baixo, parecido com aquele em que, alegadamente, a Rainha Santa Isabel se interpôs entre os contendores no Século XIV… Nos dois casos, trataram-se essencialmente de operações diplomáticas. O armamento actual só lá está para impressionar – e não necessariamente os beligerantes…

Conforme se deduz das tuas palavras, as forças de interposição visam especialmente evitar a ocorrência de incidentes fortuitos, que poderiam gerar uma dinâmica de escalada difícil de parar por qualquer dos contendores em presença, e não impedir operações de combate intencionais. Se assim fosse, as forças de interposição teriam de estar prontas para combater contra um dos dispositivos militares por elas separados ou mesmo contra ambos. Uma situação destas parece fortemente improvável, a não ser que os adversários face a face fossem tão fracos, que tornassem viável uma campanha sem baixas consideradas graves pelo(s) país(es) a que a(s) força(s) de interposição pertence(m).
ResponderEliminarUm abraço.
LS
O poste destina-se precisamente a realçar como a esmagadora maioria das pessoas (e, para isso, socorro-me do exemplo de uma pessoa esclarecida, mas leiga: José Pacheco Pereira) não consegue fazer essas distinções que refere nem, portanto, saber quais são os verdadeiros limites da capacidade de intervenção dessas forças de interposição.
ResponderEliminarUm efeito colateral dessa ignorância é o de poder prejudicar irremediavelmente a imagem desses militares aos olhos da opinião pública na eventualidade de uma catástrofe humanitária, como as que aconteceram na ex-Jugoslávia ou no Ruanda: então os militares estavam lá e não fizeram nada para travar o genocídio?...
Um abraço
AT
Venho por aqui hápouco tempo. Aprendo imenso consigo.
ResponderEliminar:)
Além das situações expostas, ainda existe outra: estão entre dois fogos e, no caso de uma escalada do conflito, ficam na posição de alvos perfeitos...
ResponderEliminarOs exemplos históricos são lindos!
Seria difícil recuar mais no tempo.
Gostei muito deste post. Fiquei muito mais esclarecida em relação às funções das forças de interposição pois para uma pessoa completamente ignorante acerca destes assuntos, às vezes torna-se pouco compreensível compreender até onde podem (devem)ou não actuar.
ResponderEliminarGostei especialmente de ver as sabinas como primeira força de interposição... Nunca tinha pensado nesse episódio, muito interessante, de resto, sob esse prisma.
Mas, para essas ligações argutas, só mesmo tu.
Claro que aquele "pouco compreensível compreender" do meu comentário anterior está do melhor.
ResponderEliminarÉ o que dá não ler o que escrevo. se tiveres vergonha, retira-o.
Obrigado pelos vossos elogios, Mariadosol, Impaciente e Donagata.
ResponderEliminarEntão eu ia lá atrever-me a retirar um comentário tão elogioso?