Segundo os relatos lendários da fundação de Roma, depois de Rómulo e dos seus companheiros terem raptado as mulheres de um dos povos vizinhos (os Sabinos), quando o conflito estava eminente porque estes últimos as vinham recuperar, a batalha não se chegou a realizar por causa da intervenção das sabinas raptadas que entretanto se haviam afeiçoado aos raptores e se interpuseram entre os contendores, apelando à razão e a um entendimento entre as duas partes.
Datada do Século VIII a.C., esta será porventura a narrativa mais antiga que conheço de uma força de interposição que saibamos que acabou por ter sido bem sucedida. Acima, podemos apreciar um quadro do pintor francês Louis David a respeito desse mesmo acontecimento – embora datado do Século XVIII… Note-se contudo como a força da força de interposição era resultado exclusivo da sua capacidade argumentativa – a diplomacia – e não da sua capacidade militar.
Episódios muito similares ao das sabinas vieram a ser recriados também durante a época medieval. Em Portugal, à Rainha Santa Isabel (1271-1336), provavelmente por causa da fama da sua santidade, atribuíram-lhe logo dois! Em 1325, quando se interpôs entre o marido (D. Dinis) e o filho, e em 1336, entre o mesmo filho (que já era o rei D. Afonso IV) e o neto. Mas foi preciso chegar ao Século XX para que aparecessem essas figuras um pouco paradoxais que são os militares pacíficos…
Cândido Rondon (acima, 1865-1958), que mais tarde se tornou Marechal brasileiro, é um excelente exemplo dessa atitude, ao dirigir as campanhas da instalação da autoridade do Estado brasileiro por toda a região amazónica durante os primórdios do Século XX, optando preferencialmente por uma abordagem pacífica no contacto com as tribos índias. Manteve-se até hoje uma certa presença militar na arbitragem dos conflitos de interesses entre índios e os particulares brasileiros.
Mas foi preciso esperar pela segunda metade do Século XX (1956) para que a prática da utilização de forças de interposição fosse reconhecida internacionalmente, numa decisão na altura patrocinada pela Organização das Nações Unidas a propósito da Crise do Suez. Uma força militar com cerca de 6.000 homens de 10 países diferentes* instalou-se na região do Sinai para supervisionar a retirada dos contendores externos (França e Reino Unido) e dissuadir os contendores locais (Egipto e Israel).
Apesar de reconhecer a utilidade da existência dessas forças de interposição, nem que seja pelo princípio da mediocridade (é melhor que elas existam do que não exista nada) a história dessa primeira força de interposição pode servir como um bom exemplo das limitações de todas: em Maio de 1967, quando o Egipto se decidiu a enfrentar militarmente Israel, deu ordem às forças militares estacionadas no Sinai que se retirassem… Estas tiveram que cumprir e seguiu-se a Guerra dos Seis Dias.
Mais de 50 anos passados sobre essa sua primeira utilização, os militares utilizados como capacetes azuis ao serviço da ONU ainda não conseguiram ultrapassar as contradições entre as realidades dos terrenos onde têm de operar e a forma como são impingidos às opiniões públicas mundiais. Porque estas, como referi recentemente a propósito dos episódios na ex-Jugoslávia (1992-95), têm enormes dificuldades em compreender a impotência dos soldados perante as tragédias que ocorrem.
No Verão de 2006, um leigo com opiniões marcadamente pró-israelitas como José Pacheco Pereira achava que uma força de interposição robusta representaria a segurança de que Israel necessitava no Sul do Líbano. Hoje, ela lá está a UNIFIL robusta, com 13.800 efectivos de 28 países diferentes. Mas só mesmo os ingénuos ou os ignorantes duvidarão que, decidam Israel ou o Hezbollah reatar as hostilidades, não são aqueles 13.800 que se poderão opor a isso…
É que militarmente, apesar de poderem proteger melhor os seus utilizadores da agressividade dos contendores, os blindados pintados de branco da ONU da fotografia de cima, valem tanto como o burrinho da fotografia de baixo, parecido com aquele em que, alegadamente, a Rainha Santa Isabel se interpôs entre os contendores no Século XIV… Nos dois casos, trataram-se essencialmente de operações diplomáticas. O armamento actual só lá está para impressionar – e não necessariamente os beligerantes…
* Brasil, Canadá, Colômbia, Dinamarca, Finlândia, Índia, Indonésia, Jugoslávia, Noruega e Suécia.
Episódios muito similares ao das sabinas vieram a ser recriados também durante a época medieval. Em Portugal, à Rainha Santa Isabel (1271-1336), provavelmente por causa da fama da sua santidade, atribuíram-lhe logo dois! Em 1325, quando se interpôs entre o marido (D. Dinis) e o filho, e em 1336, entre o mesmo filho (que já era o rei D. Afonso IV) e o neto. Mas foi preciso chegar ao Século XX para que aparecessem essas figuras um pouco paradoxais que são os militares pacíficos…
Cândido Rondon (acima, 1865-1958), que mais tarde se tornou Marechal brasileiro, é um excelente exemplo dessa atitude, ao dirigir as campanhas da instalação da autoridade do Estado brasileiro por toda a região amazónica durante os primórdios do Século XX, optando preferencialmente por uma abordagem pacífica no contacto com as tribos índias. Manteve-se até hoje uma certa presença militar na arbitragem dos conflitos de interesses entre índios e os particulares brasileiros.
Mas foi preciso esperar pela segunda metade do Século XX (1956) para que a prática da utilização de forças de interposição fosse reconhecida internacionalmente, numa decisão na altura patrocinada pela Organização das Nações Unidas a propósito da Crise do Suez. Uma força militar com cerca de 6.000 homens de 10 países diferentes* instalou-se na região do Sinai para supervisionar a retirada dos contendores externos (França e Reino Unido) e dissuadir os contendores locais (Egipto e Israel).
Apesar de reconhecer a utilidade da existência dessas forças de interposição, nem que seja pelo princípio da mediocridade (é melhor que elas existam do que não exista nada) a história dessa primeira força de interposição pode servir como um bom exemplo das limitações de todas: em Maio de 1967, quando o Egipto se decidiu a enfrentar militarmente Israel, deu ordem às forças militares estacionadas no Sinai que se retirassem… Estas tiveram que cumprir e seguiu-se a Guerra dos Seis Dias.
Mais de 50 anos passados sobre essa sua primeira utilização, os militares utilizados como capacetes azuis ao serviço da ONU ainda não conseguiram ultrapassar as contradições entre as realidades dos terrenos onde têm de operar e a forma como são impingidos às opiniões públicas mundiais. Porque estas, como referi recentemente a propósito dos episódios na ex-Jugoslávia (1992-95), têm enormes dificuldades em compreender a impotência dos soldados perante as tragédias que ocorrem.
No Verão de 2006, um leigo com opiniões marcadamente pró-israelitas como José Pacheco Pereira achava que uma força de interposição robusta representaria a segurança de que Israel necessitava no Sul do Líbano. Hoje, ela lá está a UNIFIL robusta, com 13.800 efectivos de 28 países diferentes. Mas só mesmo os ingénuos ou os ignorantes duvidarão que, decidam Israel ou o Hezbollah reatar as hostilidades, não são aqueles 13.800 que se poderão opor a isso…
É que militarmente, apesar de poderem proteger melhor os seus utilizadores da agressividade dos contendores, os blindados pintados de branco da ONU da fotografia de cima, valem tanto como o burrinho da fotografia de baixo, parecido com aquele em que, alegadamente, a Rainha Santa Isabel se interpôs entre os contendores no Século XIV… Nos dois casos, trataram-se essencialmente de operações diplomáticas. O armamento actual só lá está para impressionar – e não necessariamente os beligerantes…
* Brasil, Canadá, Colômbia, Dinamarca, Finlândia, Índia, Indonésia, Jugoslávia, Noruega e Suécia.
Conforme se deduz das tuas palavras, as forças de interposição visam especialmente evitar a ocorrência de incidentes fortuitos, que poderiam gerar uma dinâmica de escalada difícil de parar por qualquer dos contendores em presença, e não impedir operações de combate intencionais. Se assim fosse, as forças de interposição teriam de estar prontas para combater contra um dos dispositivos militares por elas separados ou mesmo contra ambos. Uma situação destas parece fortemente improvável, a não ser que os adversários face a face fossem tão fracos, que tornassem viável uma campanha sem baixas consideradas graves pelo(s) país(es) a que a(s) força(s) de interposição pertence(m).
ResponderEliminarUm abraço.
LS
O poste destina-se precisamente a realçar como a esmagadora maioria das pessoas (e, para isso, socorro-me do exemplo de uma pessoa esclarecida, mas leiga: José Pacheco Pereira) não consegue fazer essas distinções que refere nem, portanto, saber quais são os verdadeiros limites da capacidade de intervenção dessas forças de interposição.
ResponderEliminarUm efeito colateral dessa ignorância é o de poder prejudicar irremediavelmente a imagem desses militares aos olhos da opinião pública na eventualidade de uma catástrofe humanitária, como as que aconteceram na ex-Jugoslávia ou no Ruanda: então os militares estavam lá e não fizeram nada para travar o genocídio?...
Um abraço
AT
Venho por aqui hápouco tempo. Aprendo imenso consigo.
ResponderEliminar:)
Além das situações expostas, ainda existe outra: estão entre dois fogos e, no caso de uma escalada do conflito, ficam na posição de alvos perfeitos...
ResponderEliminarOs exemplos históricos são lindos!
Seria difícil recuar mais no tempo.
Gostei muito deste post. Fiquei muito mais esclarecida em relação às funções das forças de interposição pois para uma pessoa completamente ignorante acerca destes assuntos, às vezes torna-se pouco compreensível compreender até onde podem (devem)ou não actuar.
ResponderEliminarGostei especialmente de ver as sabinas como primeira força de interposição... Nunca tinha pensado nesse episódio, muito interessante, de resto, sob esse prisma.
Mas, para essas ligações argutas, só mesmo tu.
Claro que aquele "pouco compreensível compreender" do meu comentário anterior está do melhor.
ResponderEliminarÉ o que dá não ler o que escrevo. se tiveres vergonha, retira-o.
Obrigado pelos vossos elogios, Mariadosol, Impaciente e Donagata.
ResponderEliminarEntão eu ia lá atrever-me a retirar um comentário tão elogioso?