17 maio 2008

O “VENTRE MOLE” DA EUROPA – 1

Entre 1942 e 1944 travou-se uma feroz disputa estratégica entre britânicos e norte-americanos quanto ao estabelecimento das prioridades sobre quais deveriam ser os objectivos militares da Guerra a travar na Europa. Para os norte-americanos, recem chegados ao conflito e mais sensíveis aos pedidos soviéticos (que, por esta altura, se defrontavam com a esmagadora maioria do poder militar alemão), os recursos deviam ser afectados tendo em atenção a abertura no menor espaço de tempo possível de uma segunda frente na Europa Ocidental. Para os britânicos, havia várias razões, algumas de carácter táctico para que isso não pudesse ser feito desse modo.

Eram duas escolas de pensamento estratégico, dirigidas respectivamente por George Marshall, do lado norte-americano, e por Alan Brooke, onde os argumentos dos primeiros contavam com o peso dos seus recursos materiais e humanos e os dos segundos com o peso da sua experiência. Alan Brooke chamou a atenção aos seus aliados que a abertura de uma Frente Ocidental nos moldes desejados por eles só se poderia realizar através de um desembarque anfíbio em regiões defensivamente preparadas pelo inimigo, nas costas francesas, belgas, holandesas… ou alemãs. E o desembarque tinha que ser obrigatoriamente bem sucedido, porque os custos políticos e militares de um fracasso de uma operação de tal magnitude seriam inaceitáveis.
Aí, a experiência britânica, com o episódio do Raid de Dieppe de Agosto de 1942 que acabara muito mal para aos atacantes aliados, demonstrara que, quanto a desembarques anfíbios, havia ainda muito que progredir tanto em meios como em doutrina táctica para o emprego desses meios. Convinha adquirir essa experiência em desembarques onde o inimigo fosse menos resistente. Além disso, na linha do pensamento estratégico estabelecido por Basil Liddell Hart, os militares britânicos passaram a privilegiar as abordagens indirectas aos objectivos como numa reacção traumática às mortandades dos ataques frontais da Primeira Guerra Mundial.

Foi assim que acabou por vingar o plano britânico, que começava por um desembarque na África do Norte francesa (Novembro de 1942), onde os defensores seriam as pouco empenhadas tropas francesas fiéis a Vichy. Seguir-se-iam os desembarques na Sicília e na Península italiana. À racionalidade dos argumentos de Alan Brooke, juntou-se depois a riqueza metafórica da prosa de Churchill: Estamos a fazer este vasto movimento de cerco no Mediterrâneo, (…) tendo como objectivo expor o ventre do Eixo, especialmente a Itália, a um pesado ataque. Mas não foi a retórica, e sim a prática que demonstrou aos norte-americanos que os britânicos eram capazes de ter razão...

Por falar de retórica, segundo as afirmações de Benito Mussolini, publicadas alguns dias antes do desembarque dos aliados na Sicília em Julho de 1943 (Operação Husky), se o inimigo desembarcar em Itália, será exterminado até ao último homem na linha de areia onde termina a água, onde começa a terra. Se ocupar um pedaço da Pátria, será numa posição horizontal, não vertical e para sempre! Surgiram imensos problemas aos atacantes durante a Operação Husky (valeria até a inserção de um poste destinado exclusivamente a eles) mas o empenho defensivo demonstrado pelas 10 divisões italianas que se deveriam ter oposto ao desembarque não se contarão entre os principais…

Para mencionar apenas um exemplo, a ausência de um verdadeiro serviço de meteorologia, transformou a primeira utilização de tropas pára-quedistas em campanha por parte do Aliados num enorme fiasco. Os fortes ventos que se fizeram sentir dispersaram os aviões que transportavam os pára-quedistas norte-americanos (só metade deles se chegaram a reagrupar em terra), enquanto, entre os britânicos, os mesmos ventos afectaram de tal maneira a progressão dos planadores em que eles se faziam transportar que, num caso, apenas 12 dos 127 planadores aterraram no local previsto, enquanto noutra operação, metade dos planadores nem chegaram a terra, tendo de amarar
Os combates duraram cerca de um mês (até 17 de Agosto), período onde os Aliados adquiriram uma vantagem militar esmagadora, mas não conseguiram impedir que as duas divisões alemãs inicialmente presentes na Sicília (e que foram as únicas que se mostraram dispostas a combater) fossem evacuadas para a Itália propriamente dita através do Estreito de Messina. Noutras condições, perante um inimigo mais determinado, o resultado da campanha bem poderia ter sido outro e, do ponto de vista táctico, a atitude britânica mais cautelosa, contando com a inexperiência das tropas parecia justificar-se. Depois surgiu a oportunidade de uma manobra mais ousada…

(continua)

* A citação total em inglês é: We make this wide encircling movement in the Mediterranean, having for its primary object the recovery of the command of that vital sea, but also having for its object the exposure of the underbelly of the Axis, especially Italy, to heavy attack. Mais tarde ela foi sintetizada para uma expressão que se pode traduzir por ventre mole da Europa (soft underbelly of Europe). Embora as expressões mole e Europa não tivessem sido expressamente utilizadas na citação original elas não parecem atraiçoar a intenção do autor.

3 comentários:

  1. É curiosa as gloriosas intervenções da duas potências latinas durante a guerra. Acho que aquele que os tivesse como aliados estaria sempre em desvantagem.
    Estou me a lembrar daquele episódio contado por Anthony Beavour em "Estalinegrado" em que após a rendição de um batalhão inteiro italiano o oficial soviético indagou-os pelo facto de não oferecerem resistência ao que responderam "seria um erro combater".
    Os britânicos, apesar de tudo, chegaram a estar sozinhos frente a soviéticos e alemães.

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  2. Ao contrário do que acontecia com os outros países aliados da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial (Roménia, Hungria, Finlândia, Eslováquia), faltava à participação militar italiana na Frente Leste a necessária animosidade contra a ameaça representada pelo grande vizinho russo.

    Daí (e da falta de equipamento adequado...) a paupérrima prestação militar dos italianos.

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