24 maio 2008

PORTAR-SE MAL EM CASA ALHEIA

A visita que o secretário-geral da ONU, o sul-coreano Ban Ki-Moon, acabou de realizar à Birmânia (acima), fez-me lembrar uma outra, realizada por uma comitiva de compatriotas seus ao mesmo país em Outubro de 1983, faz mais de 24 anos. Encabeçada pelo presidente sul-coreano de então, Chun Doo-hwan, que ia acompanhado por uma alargada comitiva ministerial, o objectivo diplomático da visita era o de rivalizar com as boas relações que a Birmânia tinha mantido até então com a sua rival Coreia da Norte.

O episódio está hoje praticamente esquecido mas, se a visita correu mal para a Coreia do Sul por uns motivos, acabou por correr pior para a Coreia do Norte, por outros. De início, a visita parecia estar a correr bem, parecia ter-se desenvolvido uma certa empatia entre o visitante (o general Chun Doo-hwan) e o visitado (o general Ne Win), ambos dirigentes de ditaduras militares. E as propostas comerciais da, já então, muito mais evoluída economia sul-coreana pareciam interessar seriamente aos birmaneses.
Só que os norte-coreanos tinham mau perder. Durante uma cerimónia protocolar no Mausoléu dos Mártires (acima) fizeram explodir uma bomba entre os participantes que matou 17 sul-coreanos e 4 birmaneses (além de ter feito 46 feridos). O Presidente Chun Doo-hwan só terá escapado por acaso e entre os mortos sul-coreanos contavam-se os Ministros dos Negócios Estrangeiros, da Economia e do Comércio. A polícia birmanesa conseguiu identificar rapidamente os responsáveis: um comando de três norte-coreanos.

Apesar da Coreia do Norte se ter desfeito em protestos inverosímeis de inocência, o caso contra os agentes norte-coreanos era tão evidente que os dois que foram capturados foram condenados (à morte e a prisão perpétua). Foi só em Abril de 2007, que Birmânia e Coreia do Norte voltaram a restabelecer relações diplomáticas. É das normas que aos países soberanos não lhes agrade que países estrangeiros (mesmo amigos) desencadeiem destas operações no seu território à sua revelia...
Foi o que também aconteceu quando, em Julho de 1985, na sequência do afundamento do Rainbow Warrior*, um navio do movimento Greenpeace que estava ancorado em Auckland, na Nova Zelândia, dois agentes franceses acabaram por ser implicados no afundamento pela polícia neozelandesa. As provas em favor da tese de uma operação dos serviços secretos franceses também eram esmagadoras e eles foram condenados, e o governo francês acabou por confessar de forma semi-contrita a sua participação.

Uma insigne excepção a esta prática foi o assassinato em Portugal de Issam Sartawi, um dirigente moderado da OLP, assassinado em Albufeira, em Abril de 1983. O trabalho de polícia também foi bastante rápido: descobriu-se um palestiniano que se identificava por Al Awad, mas que possuía documentação em nome de Mohamed Rashid que, mesmo por coincidência, logo depois do atentado, apanhara um táxi que o trouxera desde Albufeira até ao aeroporto da Portela em Lisboa onde ia apanhar um avião…
Segundo me recordo, o réu acabou condenado a 3 anos de prisão por uso de passaporte ilegal. Foi uma coroa de louros para a defensora oficiosa, num caso em que, dadas as perspectivas, nenhum nome de vulto da advocacia portuguesa quis pegar. Poderá ter sido aquilo que se conseguiu provar judicialmente, mas também foi, numa leitura política feita pelos actores internacionais, uma maneira embaraçosamente portuguesa de querer ficar de bem com todos, mas sem conseguir o respeito de ninguém.

* Donde resultou a morte de um fotógrafo holandês de origem portuguesa.

5 comentários:

  1. Mais uma lição...bem contada...e que me reenquadrou o "episódio" passado cá em POrtugal.
    :)

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  2. Foi um episódio de que colectivamente nos saímos muito mal mas que, por não ter aproveitamento político possível (quem culpar? - O PS e o PSD então simultaneamente no poder? O sistema judicial?), poucos são os que, na comunicação social, o recordam.

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  3. E podiamos continuar com os assassinatos cometidos pela pide e outros, fora de Portugal: Delgado, Mondlane,Amilcar Cabral, etc.

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  4. JRD, com excepção do caso Delgado, em que foram os portugueses da PIDE a portarem-se mal em casa alheia, no caso espanhola, com Mondlane e Amílcar Cabral havia uma hostilidade declarada entre Portugal e os países onde os atentados tiveram lugar: Tanzânia e Guiné-Conakry.

    Além disso, competia a esses países arranjar de imediato provas inequívocas que ligassem Portugal a esses atentados, o que não foi conseguido.

    Em contrapartida, nesse período, Portugal "mostrava" um oficial cubano que fora capturado ferido na Guiné-Bissau numa base do PAIGC, e que a Embaixada cubana em Lisboa (os dois países mantinham relações diplomáticas) se esforçava olimpicamente por ignorar...

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  5. A. Teixeira,
    Independentemente da hostilidade entre Portugal e a Tanzânia e a Guiné-Conakry (cadé os outros?) isso não invalida que se tivessem verificado "maus comportamentos" em casa alheia.

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