Em jeito de homenagem ao recém-falecido Sidney Pollack, vou recuperar duas cenas de um filme em que Pollack foi simultaneamente realizador e actor: Tootsie (1982). É a história de uma actor conflituoso e desempregado (Dustin Hoffman) que, à revelia do seu agente (Sidney Pollack), consegue, disfarçado de mulher, obter um papel feminino numa telenovela, onde se vem a apaixonar por uma das suas colegas (Jessica Lange), mas a quem não pode dizer a verdade, sob pena de perder o emprego.
Numa daquelas ocasiões típicas de cumplicidade feminina em que os dois (as duas…) estão a ensaiar cenas para o dia seguinte, Lange confessa à amiga que um dos seus sonhos era que houvesse finalmente um homem desconhecido que a abordasse sem rodeios. E cita mesmo a sua frase ideal: - Sabes, eu podia dizer-te assim uma frase inspirada ou podíamos fazer aqui uma grande representação teatral, mas a simples verdade, é que te acho muito interessante e gostaria muito de fazer amor contigo.*
Acontece que, passados poucos dias, os dois se encontraram numa festa em que Hoffman compareceu com a sua verdadeira identidade, e aí ele aproveitou um momento a sós com Jessica Lange para lhe dizer ele aquela frase que ele fixara e que conhecia de coração… Não a chegou a acabar, porque Lange, visivelmente esquecida da conversa anterior, lhe mandou o conteúdo do copo de uísque à cara pelo atrevimento. Moral da história: há desejos que apenas se manifestam em determinadas circunstâncias precisas…
Antigamente, só os electrodomésticos vinham com manual de instruções para que os instalássemos e desfrutássemos de todas as suas potencialidades**. Hoje são os debates políticos que não dispensam a fase pós-debate, reservada para os comentadores explicarem o que devem pensar os espectadores daquilo que estiveram a assistir. Ontem, depois do debate da SIC entre os candidatos a presidentes do PSD, lá se repetiu a cena e lá se repetiram os comentadores: Inês Serra Lopes, Luís Delgado, Mário Bettencourt Resendes.
Ora uma das acusações recorrentes que estes últimos (comentadores) costumam fazer ao seu ganha-pão (os políticos) é a superficialidade da análise das consequências das promessas e das medidas que preconizam. Atento a isso, ontem, qual Dustin Hoffman ingénuo, Mário Patinha Antão parecia trazer a lição estudada: redução do IVA de 20 para 18% (custo de 600 Milhões €), do IRC de 25 para 20% (custo de 300 Milhões €), etc. Questione-se o benefício destas medidas, mas reconheça-se a transparência com que foram apresentadas...
Mas, quem esperasse ouvir Patinha Antão ser depois incensado pelos comentadores por causa da transparência das suas propostas, terá tido ocasião para sentir o mesmo uísque na cara de Hoffman. Como os desejos secretos femininos, as opiniões dos comentadores só são para levar a sério em certas circunstâncias precisas. Desmontar o que Patinha Antão ontem propôs exigiria deles estudo e fundamentação; dar o devido relevo a que a lista da sua candidatura contém o nome de um militante falecido é que já parece coisa menos exigente…
Depois, costuma dizer-se que o problema do debate político em Portugal tem sido a diminuição da qualidade dos seus protagonistas. Só?...
* You know, I could lay a big line on you and we could do a lot of role-playing, but the simple truth is, is that I find you very interesting and I'd really like to make love to you.
** Sem eles, quem imaginaria que também se podiam fazer batidos de alperce com a Varinha Mágica?
Numa daquelas ocasiões típicas de cumplicidade feminina em que os dois (as duas…) estão a ensaiar cenas para o dia seguinte, Lange confessa à amiga que um dos seus sonhos era que houvesse finalmente um homem desconhecido que a abordasse sem rodeios. E cita mesmo a sua frase ideal: - Sabes, eu podia dizer-te assim uma frase inspirada ou podíamos fazer aqui uma grande representação teatral, mas a simples verdade, é que te acho muito interessante e gostaria muito de fazer amor contigo.*
Acontece que, passados poucos dias, os dois se encontraram numa festa em que Hoffman compareceu com a sua verdadeira identidade, e aí ele aproveitou um momento a sós com Jessica Lange para lhe dizer ele aquela frase que ele fixara e que conhecia de coração… Não a chegou a acabar, porque Lange, visivelmente esquecida da conversa anterior, lhe mandou o conteúdo do copo de uísque à cara pelo atrevimento. Moral da história: há desejos que apenas se manifestam em determinadas circunstâncias precisas…
Antigamente, só os electrodomésticos vinham com manual de instruções para que os instalássemos e desfrutássemos de todas as suas potencialidades**. Hoje são os debates políticos que não dispensam a fase pós-debate, reservada para os comentadores explicarem o que devem pensar os espectadores daquilo que estiveram a assistir. Ontem, depois do debate da SIC entre os candidatos a presidentes do PSD, lá se repetiu a cena e lá se repetiram os comentadores: Inês Serra Lopes, Luís Delgado, Mário Bettencourt Resendes.
Ora uma das acusações recorrentes que estes últimos (comentadores) costumam fazer ao seu ganha-pão (os políticos) é a superficialidade da análise das consequências das promessas e das medidas que preconizam. Atento a isso, ontem, qual Dustin Hoffman ingénuo, Mário Patinha Antão parecia trazer a lição estudada: redução do IVA de 20 para 18% (custo de 600 Milhões €), do IRC de 25 para 20% (custo de 300 Milhões €), etc. Questione-se o benefício destas medidas, mas reconheça-se a transparência com que foram apresentadas...
Mas, quem esperasse ouvir Patinha Antão ser depois incensado pelos comentadores por causa da transparência das suas propostas, terá tido ocasião para sentir o mesmo uísque na cara de Hoffman. Como os desejos secretos femininos, as opiniões dos comentadores só são para levar a sério em certas circunstâncias precisas. Desmontar o que Patinha Antão ontem propôs exigiria deles estudo e fundamentação; dar o devido relevo a que a lista da sua candidatura contém o nome de um militante falecido é que já parece coisa menos exigente…
Depois, costuma dizer-se que o problema do debate político em Portugal tem sido a diminuição da qualidade dos seus protagonistas. Só?...
* You know, I could lay a big line on you and we could do a lot of role-playing, but the simple truth is, is that I find you very interesting and I'd really like to make love to you.
** Sem eles, quem imaginaria que também se podiam fazer batidos de alperce com a Varinha Mágica?
E não se pode exterminá-los?
ResponderEliminar:)
Que maldade, Maria do Sol, que maldade!
ResponderEliminarOs comentadores são uma espécie útil no ecossistema da indústria do entretenimento que se disfarça de não entretenimento, pretendo passar por informação verdadeira.
A maioria dos comentadores não percebe especificamente de coisa nenhuma (há várias e honrosas excepções) mas disserta generosamente sobre tudo! Não há tema que os atemorize!
E quer a Maria do Sol exterminá-los?! O que diria o Francisco Ferreira da Quercus?
Inês Serra Lopes e Luís Delgado deviam ser clonados rapidamente, o país não pode correr o risco de ficar sem tão excelentes comentadores se um azar lhes acontecer.
ResponderEliminarSerá que o Delgado espera vir a ser ministro com o Lopes no Governo?
Cruzes, canhoto...
Estes comentadores, ora amanuenses ora palradores, merecem os políticos que têm e vice versa.
ResponderEliminarHá todavia excepções, mais dos primeiros do que dos segundos onde a crise é larvar.
O Karl Valentim era capaz de escrever sobre eles (não digo em cima, digo, a espeito de).
Excelente e hilariante post.
ResponderEliminarO clímax do teu poste é interessante, que é. Mas o que me encanta sempre são os preliminares. São autenticas preciosidades que a tua imaginação (absolutamente prodigiosa) vai desencantar não sei bem onde e torna um assunto que é uma seca num exemplo fantástico de crítica demolidora.
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