O princípio dos anos setenta foi época em que tanto as elites como a sociedade em geral nos Estados Unidos atravessaram uma fase de uma certa permissividade à violação das leis, traduzida em filmes muito bem acolhidos pela crítica e que foram também êxitos de bilheteira como
O Padrinho (
The Godfather de Francis Ford Coppola, Óscar de 1972) e
A Golpada (
The Sting de George Roy Hill, Óscar de 1973), onde as histórias envolviam, de uma forma ou outra, um novo olhar benevolente sobre quem procedia à margem da lei.

Porque é o menos conhecido dos dois filmes, prefiro destacar
A Golpada, e a parelha nele incluída composta por
Paul Newman e
Robert Redford, de êxito assegurado entre a audiência feminina, a desempenharem papéis de vigaristas simpáticos durante o período da grande depressão dos anos trinta, como se, por causa das injustiças sociais da época, os fins pudessem justificar os meios… E é nesse ambiente tolerante que rebenta o escândalo
Watergate, numa demonstração como até ao
presidente Richard Nixon interessava estar
sintonizado nesse
tipo de onda…

No filme
Os Homens do Presidente (
All The President´s Men de Alan J. Pakula, de 1976*), baseado em acontecimentos reais, o mesmo
Robert Redford, associado agora ao menos cativante
Dustin Hoffman, tem o papel de um dos jornalistas encarregados de investigar e expor as teias de relações clandestinas que se haviam descoberto a partir daquilo que ficou a ser conhecido como o caso
Watergate e cujos indícios mostravam, ao longo do filme e cada vez mais claramente, como elas haviam sido urdidas a partir de dentro da própria Casa Branca.

Como se veio a descobrir flagrantemente naquela época nos Estados Unidos, aquele tipo de benevolência para com as vigarices, porque gerador de assimetrias sociais, acaba por se revelar muito mais prejudicial do que benéfica para a sociedade em geral. Só que parece que esse é o tipo de descoberta que, seja-me perdoada uma incursão pela sociologia, ainda está a demorar a chegar à região do Grande Norte litoral português, de onde se perpetuam exemplos de condescendência com uma certa maneira
siciliana de se relacionar com a justiça.

Já nem é só a coincidência da origem dos principais implicados no caso
Apito Dourado, foi também o
carnaval associado ao escândalo, fuga e retorno de e para o Brasil de Fátima Felgueiras ou, ainda pior, o jantar de
solidariedade promovido em Braga em benefício do administrador da Bragaparques que fora
gravado em flagrante a tentar subornar o vereador Sá Fernandes. Da boa sociedade bracarense, parece que nem lá faltou o insólito cónego Melo (acima, à esquerda), homem de rigor na fé, mas liberal na lei, o verdadeiro sósia do actor
George C. Scott** (abaixo).

É que há um denominador comum em todos eles (Pinto da Costa, Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras, Domingos Névoa) na forma evasiva como a matéria de facto de que constam as acusações que lhes dirigem acabam por ser evitadas: imaginem lá que
Domingos Névoa é um homem que trabalhou de sol a sol… Pergunto-me se será que o julgamento do
Apito Dourado, pelo seu impacto, será o princípio do fim da aceitação desta forma de comportamento? É que os sociólogos – a sério – atribuíam as causas do que acontecia na Sicília à sua sociedade retrógrada…
* Embora nomeado, o filme não recebeu o Óscar desse ano. Recebeu contudo 4 outros Óscares noutras categorias.
** Recebeu o Óscar para a melhor interpretação em 1970, pelo seu desempenho em Patton.
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