13 agosto 2007

TRÊS LIVROS, TRÊS FRENTES E TRÊS ABORDAGENS DISTINTAS DA GUERRA COLONIAL

Passados mais de 33 anos sobre o seu fim, os nossos conhecimentos sobre a Guerra Colonial têm beneficiado imenso com a existência da blogosfera, que gerou uma profusão de relatos, pequenas histórias e episódios mais sentidos (ver, apenas a título de exemplo, este ou este blogue) cuja leitura corresponderá ao equivalente de milhares e milhares de horas de depoimentos pessoais.

Procurando tratar o assunto de uma forma mais abrangente, a Colecção Batalhas de Portugal (embora a actividade da subversão e contra-subversão não seja propícia a grandes recontros armados e a batalhas decisivas) dedicou três dos seus volumes a cada uma das frentes de combate, por ordem alfabética e também de antiguidade do início do conflito: Angola (1961-1974), Guiné (1963-1974) e Moçambique (1964-1974).

Tendo três autores diferentes – o Tenente-Coronel António Pires Nunes e os Coronéis Nuno Mira Vaz e Carlos de Matos Gomes, respectivamente – as abordagens de cada um dos livros é muito distinta, o que é benéfico para a colecção, visto que, exceptuadas as diferenças do meio envolvente de cada província ultramarina da altura, as características do combate travado nas três frentes pelas forças armadas portuguesas eram muito idênticas.

Começando as apreciações pelo livro sobre a guerra em Angola, este prefere concentrar-se no que aconteceu na Zona Militar Leste (ZML), onde considera (e provavelmente com toda a razão) que o resultado terminou com uma vitória indiscutível do exército português, tal qual a situação se apresentava em 1974. Só que, pegando nesse facto, o livro acaba por tornar-se auto-congratulatório em excesso.
Os comandantes (Costa Gomes e Bettencourt Rodrigues) estiveram bem e o poder político (Rebocho Vaz) também, a manobra política e militar que levou a UNITA a aliar-se aos portugueses contra a FNLA e o MPLA foi magistral, os quadros estiveram bem e as tropas também, os auxiliares africanos idem, força aérea e até marinha (a ZML fica no interior, mas havia unidades de fuzileiros ali destacadas) cumpriram com brio.

Claro que esta conclusão apenas se obtém (e nisso, este livro é o mais fraco dos três) esquecendo o resto – a componente política global da guerra subversiva… Aliás, o General Bettencourt Rodrigues, que saiu aureolado da ZML, foi transferido para a Guiné, onde chega a tempo de já não poder fazer nada, como uma espécie de treinador que consegue levar as suas equipas à Taça UEFA, mas que falha quando a disputa é pelo título…

O livro sobre a guerra na Guiné, considerada geralmente por quem as pôde comparar como a mais difícil das três, é elaborado da perspectiva das tropas pára-quedistas (corpo a que pertence o autor) que eram consideradas unidades de intervenção. Será aquele onde considero que o relato se poderá aproximar mais da perspectiva do conflito que poderia ter um combatente qualificado naquela época.

Esta sobriedade é tanto mais de destacar quando a relevância da componente política do conflito que foi dada pela administração do período do General Spínola é sobejamente conhecida. Cingindo-se quase apenas à faceta militar do conflito, o autor procede à comparação entre duas grandes operações efectuadas em Fevereiro de 1968 (Ciclone II) e Maio e Junho de 1973 (Ametista Real).
Dando destaque às evoluções que se verificaram nesses cinco anos de um lado e outro e mesmo sem querer tirar conclusões, compreendemos como se percebia, especialmente entre os quadros veteranos que participaram numa operação e noutra (ou em similares…), que as próprias realidades materiais – até a qualidade do equipamento!... – apontavam numa tendência aparentemente irreversível em desfavor do exército português.

O livro sobre a guerra em Moçambique será aquele que mais respeita o espírito do nome da colecção: não sendo propriamente uma grande batalha, a operação Nó Górdio de Julho de 1970 terá sido o que mais se aproximou disso em todos os dez anos do conflito. O autor foi um dos participantes na operação e tem uma opinião firmada sobre a utilidade de operações daquele género para o desfecho de guerras daquele género: uma inutilidade absurda.
Complementando com uma animosidade não disfarçada com as opiniões políticas do comandante-chefe em Moçambique de então, Kaúlza de Arriaga, que foi o grande responsável pela operação, o livro, que é, muito provavelmente, o mais aprofundado e estruturado de todos três quanto à análise da envolvente político-militar e o mais bem fundamentado quanto à tese que defende, não se consegue despegar dessa faceta pessoal que o afecta.

Sobretudo, o grande pecado do livro é o de não conseguir colocar a operação Nó Górdio na devida perspectiva da época em que ocorreu. Se, em 1970 as ideias políticas de Kaúlza de Arriaga estavam já irremediavelmente datadas, pelo contrário, a doutrina militar que ele seguiu ao implementar aquela operação ainda era a que continuava em vigor, conforme se demonstrava pela prática norte-americana contemporânea no Vietname...

Só o tempo iria demonstrar que os Estados Unidos parecem não ser grande fonte de doutrina que se recomende quanto à prática de lidar com conflitos de contra-subversão… Só o mesmo tempo iria revelar como, paradoxalmente, o grau de desenvolvimento económico actual das três antigas colónias portuguesas é precisamente o inverso ao grau de dificuldade militar experimentado pelas forças portuguesas em cada uma delas…

1 comentário:

  1. Ironia do destino quem mais ficou a ganhar com o fim daquela guerra absurda ainda foi Portugal.
    E não nos devemos esquecer do superior desenvolvimento da então Lourença Marques face a Lisboa no início dos anos 70.

    ResponderEliminar