04 agosto 2007

TEMPOS DE VERÃO – OS ESTRAMBÓLICOS GOLPES DE ESTADO CONTRA HASSAN II

Memórias de outros verões distantes e as evocações desta época baptizada de silly season levaram a minha memória até episódios que creio que hoje foram completamente esquecidos mas que o meu espírito atento e disponível registava atentamente (estávamos nas férias grandes…) numa época em que escassez das notícias levava a noticiá-las de forma muito mais cuidadosa.

Para lá da linha do horizonte da nossa praia ficava um país exótico chamado Marrocos, que as notícias faziam hostil a Portugal, como todos os países árabes. Mas aquela espécie de vizinhança longínqua sonhadora levava a que quaisquer notícias sobre Marrocos tivessem o travo adicional de uma certa intimidade com a nossa praia quotidiana e com as nossas férias. E, durante um par de anos, houve-as, interessantes…

Os tempos eram os de 1971 e, para os enquadrar, recorde-se que a vida não corria de feição para os monarcas de países muçulmanos. A moda era a de os destronar e havia um bónus se se o fizesse sem o assassinar: dois anos antes (1969) Kadhafi destronara o rei Idris da Líbia e dois anos depois (1973) era a vez do Afeganistão e do rei Zahir. E o rei da Jordânia, Hussein, era comparado a um gato com 7 vidas, tantos os atentados…
Retomando o fio à meada, foi a 10 de Julho de 1971, que as notícias vindas de Marrocos davam conta de uma notícia de uma tentativa de golpe de estado envolvendo também a intenção de assassinar o rei, Hassan II (acima). Os pormenores eram pitorescos, capazes de captar a atenção de um ocioso (eu): o rei estava a festejar o seu aniversário (42º) num dos seus palácios, quando apareceu um grupo de penetras que desatou aos tiros…
Em primeiro lugar, chocava porque uma festa de anos era coisa que naquela idade eu considerava do que mais próximo havia do sagrado: não se devia estragar assim uma a outrem… Depois descobriu-se que o responsável pela inesperada animação fora um dos grandes amigos do rei (e eu considerava os amigos coisa séria…), o general Mohammed Medbouh (acima), chefe da casa militar do rei e comandante da Guarda Real, e que o rei tivera muita sorte (abaixo)…
Durante a quinzena seguinte, jornais e revistas acompanharam a repressão ao golpe que pusera o jet-set marroquino a correr pelas cercanias do palácio real para salvar a pele, e as execuções por fuzilamento de um conjunto de oficiais de alta patente nele envolvido e que supostamente eram muito chegados ao rei e como o haviam traído. O novo homem forte do regime, que se revelara de uma fidelidade a toda a prova ao rei na hora da verdade, era o general Mohamed Oufkir (abaixo).
O episódio já estaria esquecido quando, na temporada de Verão seguinte, em 16 de Agosto de 1972, voltou a haver notícias de nova tentativa de golpe de estado com a tradicional tentativa de assassinato de Hassan II, só que desta vez o homem por detrás do acontecimento era precisamente o fidelíssimo amigo que se revelara na temporada passada, o general Mohamed Oufkir que, como seria de esperar, foi rapidamente executado por sua vez...
O método usado não perdia para o do ano anterior em imaginação: o rei regressava do estrangeiro, viajando num Boeing-727 da Royal Air Maroc fretado exclusivamente para o efeito, quando os novos caças militares F-5 da base de Kenitra que haviam sido enviados para o receber e escoltar resolveram mudar de opinião e fazer “tiro ao alvo com o Boeing-727 onde viajava Hassan II e a comitiva que o acompanhava…

O avião conseguiu, mesmo assim, aterrar como pode (acima) no aeroporto de Rabat. Daí Hassan II conseguiu convocar as tropas fiéis e fazer abortar o golpe. A lenda faz constar que o piloto do Boieng-727 (que era um antigo piloto militar, colega dos pilotos dos F-5 que o perseguiram) era convictamente republicano, mas que haviam sido as próprias circunstâncias do golpe que o haviam motivado a salvar a sua própria pele…

Ainda fiquei à espera que o Verão de 1973 me trouxesse mais novas do género de Marrocos… Mas duas coisas aprendi com as desilusões sucessivas de Hassan II. Em primeiro lugar, que ele não sabia escolher os amigos… Em segundo lugar, que os árabes são extremamente imaginativos quando se trata de assassinatos políticos: lembremo-nos dos conspiradores que interromperam a parada militar para assassinar Sadat em 1981…

Fica uma nota final para a desforra das monarquias muçulmanas que estava guardada para o futuro do nosso Século XXI, quando regimes de países árabes orgulhosos das profundas raízes republicanas se iriam especializar em sucessões hereditárias de pai para filho, como já aconteceu com os Assad na Síria e tudo indica que venha a acontecer com os Mubarak no Egipto... Enfim, já Augusto descobrira na velha Roma, que, por vezes, o principal passa apenas por não chamar rei ao monarca…

1 comentário:

  1. Já é velha a frase, aplicada entre "amigos" destes:
    "Com amigos assim, quem precisa de inimigos?"
    Não sei se a origem desta frase foi a aliança do "Eixo", com a Alemanha a "carregar" a Itália "ao colo"... Se não foi, podia ter sido!

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