10 setembro 2017

QUEM PODE E QUEM NÃO PODE PRONUNCIAR-SE SOBRE A MORTE DE AGOSTINHO NETO

10 de Setembro de 1979. Há 38 anos morria Agostinho Neto, o primeiro presidente angolano. Morria em Moscovo, aonde fora procurar tratamento para uma doença do foro oncológico, mas esses tempos de Guerra Fria não se compadeciam com explicações de cariz humanitário: como tudo tinha significado político, por maioria de razão tê-lo-ia o local onde o presidente da República Popular de Angola fora procurar a sua salvação, na União Soviética. Como também tinha um profundo significado político a circunstância de por lá ter morrido e não na sua pátria. Longe ainda vem no futuro (daí por uns trinta anos) o dia em que a viúva de Neto se virá a queixar que «os comunistas haviam traído o seu marido». A hora era de cerrar fileiras à volta do MPLA (a organização comunista no poder em Luanda), e nesse bloco incluíam-se naturalmente os comunistas portugueses, conforme se constata pelo cabeçalho do Diário de Lisboa da altura, que anuncia a má nova. Mas o que me chamou mais a atenção naquela edição de jornal não foram os panegíricos expectáveis sobre quem acabara de falecer, mas antes uma nota inserta na última página (abaixo, à esquerda), verdadeiramente pidesca e autoritária no seu propósito de estabelecer a quem, na ocasião, seria permitido emitir opinião sobre a morte de Agostinho Neto. Para quem não saiba, Daniel Chipenda (1931-1996), o inquirido que é o centro da controvérsia, fora um dirigente histórico do MPLA para além de um prestigiado comandante militar da mesma organização ainda no tempo da luta contra o exército português. Em 1974, tornara-se um dissidente daquela organização, transferira-se para a FNLA e, se se refugiara depois disso em Portugal, era porque o ambiente em Angola não era muito propício à existência de dissidentes políticos - ainda hoje não é. Mais do que a pertinência indiscutível de escutar na ocasião Chipenda, que fora camarada e que convivera pessoalmente com Agostinho Neto, as próprias palavras atribuídas ao entrevistado (apesar do esforço do comentador em as amesquinhar) pautam-se por uma sobriedade e contenção adequadas ao momento de luto. Qual quê! Os jornalistas são «provocadores», o «pluralismo» leva umas aspas, o Chipenda não pode ter telefone (se tivesse ficado em Angola é que não tinha de certeza... ou, se calhar, a chamada tinha que ser feita para o outro mundo!), só «os seus amigos ainda na RDP» se lembrariam de o contactar, pedir a opinião a quem não era conforme o regime (angolano!) era «simplesmente inacreditável» na «rádio do Portugal depois de Abril. Até quando?» Hasta siempre, oh camarada, que o 25 de Abril fez-se, não só para acabar com a ditadura que existia, mas também para não deixar que se instalasse em Portugal um outra mesma coisa, embora camuflada por outro vocabulário.
 
DUAS PROVOCAÇÕES: CHIPENDA E A RDP
 
Provocadores profissionais ao serviço da RDP/Comercial foram ouvir, a propósito da morte do presidente Agostinho Neto, o «dissidente» angolano Daniel Chipenda.
 
Como se da coisa mais natural e «pluralista» se tratasse, aqueles profissionais da desinformação puxaram do número de telefone de Chipenda - certamente sempre à mão para qualquer eventualidade - e, vai daí, deram-lhe voz no noticiário do meio-dia, perguntando-lhe com toda a deferência:
 
«Está? É o sr. Chipenda? Desculpe incomodá-lo, mas queríamos saber a sua opinião sobre a morte de Agostinho Neto e do futuro de Angola».
 
Claro que Chipenda, aproveitando a oferta dos seus amigos ainda na RDP, «lamentou» a «morte de Agostinho Neto», «um quadro que desapareceu» e, logo de seguida lançou um «apelo», perorando sobre a «nação angolana» e o «regresso de todos a Angola».
 
Simplesmente inacreditável que isto possa acontecer na rádio do Portugal depois de Abril. Até quando?  
«De que lado estavas no 25 de Novembro?»

Sem comentários:

Enviar um comentário