06 setembro 2017

O «HARDWARE» QUE VEIO COM O DESERTOR

6 de Setembro de 1976. Um obscuro, mas ambicioso, tenente de 29 anos da Força Aérea De Defesa (PVO) soviética, de seu nome Viktor Belenko, é catapultado para os destaques noticiosos de todo o mundo quando deserta aos comandos do seu avião e aterra inesperadamente num aeroporto civil japonês.
Se o gesto em si já fora audacioso, uma dissidência da União Soviética gera sempre uma certa atenção da informação ocidental, o interesse pelo evento multiplica-se com o aparelho que o desertor trouxera na fuga: um Mig-25, que era uma das mais enigmáticas e interessantes aeronaves do arsenal soviético.
Viktor Belenko abandonara o plano de voo durante um treino de rotina e dirigira-se em voo rasante para a ilha japonesa de Hokkaido onde contava aterrar numa base militar. Mas nem tudo correu como contara e acabou vendo-se forçado a aterrar num aeroporto civil demasiado curto para o Mig, o que o levou a sair da pista.
A situação do recém chegado era complexa porque, embora tendo fugido para o Japão, a intenção de Viktor Belenko era pedir asilo político aos Estados Unidos. O seu tesouro era o Mig-25 mas, as duas partes tinham que contar com as autoridades japonesas que, entretanto, haviam prendido o desertor por violação do espaço aéreo.
Ainda hoje não se conhecem como foram os detalhes das negociações, mas os seus efeitos tornaram-se de imediato perceptíveis, com a presença de inúmeros técnicos norte-americanos a estudarem in loco os detalhes da aeronave. Posteriormente, o Mig-25 foi parcialmente desmontado e transportado para uma base aérea.
Do outro lado, imagina-se a irritação e a frustração das autoridades soviéticas. Porque o episódio fora um desastre de propaganda política, tanto quanto do ponto de vista militar, ainda se montou uma operação para os minorar, com a colaboração da mãe e da esposa do desertor, fazendo-as apelar para o seu retorno.

Na imprensa internacional ocidental, a notícia teve a ampla repercussão que se esperaria no quadro de uma Guerra Fria em curso, como se pode comprovar pelo exemplo abaixo, do lado esquerdo, a capa do jornal argentino Clarin que dá ao assunto o maior destaque. Mesmo assim, os soviéticos podiam contar com os fiéis.
Cá por Portugal e entre a imprensa afecta aos comunistas (Diário de Lisboa), a defecção de Belenko é remetida para uma discretíssima página 13, algo de muito menos importante que o falecimento da D. Maria do Carmo na página 3, que, para quem não soubesse, era «a sogra do nosso camarada de Redacção Neves de Sousa».

2 comentários:

  1. Creio recordar leer à época que a tal "fuga" de Belenko havia sido começada a se preparar muito antes. Concretamente,por motivo de um encontro entre caças de Israel e um destes Mig-25 russos no Sinai. Os aparelhos nortemaericanos da força aérea israelita nao foram capazes de perseguir o aviao russo, o que despertou a curiosidade dos americanos,dando começo ao plano para capturar um desses avioes.
    Pelo que tambem li, os avioes russos tinham seu radio bloqueado, de maneira que nao podiam se comunicar com ninguem, além de sua própria frequencia. Assim, Belenko nao teve ocasiao de dizer aos japonenes que sua intençao era desertar e estes, em circunstâncias normais, teriam abatido o aviao, coisa que nao aconteceu, pois já estavam à sua espera.

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  2. É uma bela história, dava um bom argumento para um filme de Hollywood daqueles em que se anuncia no fim que o argumento foi BASEADO em factos reais.

    Os segredos do Mig-25 há muito que deixaram de o ser. Há no texto um link que os conta, num outro poste deste blogue, já escrito há dez anos.

    Quanto ao que leu a respeito dos rádios bloqueados, não posso felicitar pela perspicácia quem escreveu tal disparate. Basta pensar que a função principal do Mig 25 era a intercepção: se o rádio do interceptor só opera numa frequência, como é que entra em contacto com as aeronaves que tiver de interceptar? Deita-as logo abaixo, nem faz perguntas, nem as intimida!

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