11 de Setembro de 1857. Há 160 anos, em território do Utah, tinha lugar mais um daqueles episódios sangrentos que costumam ser associados à conquista do Oeste americano, um massacre de emigrantes que, naquele caso, custou a vida a 120-140 pioneiros (os números são imprecisos) depois de, nas suas características carroças, terem partido do Arkansas em busca de novas terras férteis. O que torna este episódio diferente de outros tantos que estão associados à colonização do Oeste é que os autores deste massacre foram europeus e não índios. Porém, sendo europeus, eles distinguiam-se por pertenceram a uma minoria religiosa (os mórmons) que se consideraria na fronteira do que seriam as práticas religiosas aceitáveis na ampla variedade de designações abrangidas pelo cristianismo eclético dos Estados Unidos daquela época. Um dos aspectos mais chocantes que apartava os mórmons do resto da sociedade norte-americana era a aceitação por aqueles da poligamia. A forma como este Massacre dos Montes Meadows e a sua memória têm sido preservados nestes 160 anos reflete a pulsão hostil ou integradora do núcleo da sociedade norte-americana para com a comunidade mórmon. O tratamento dado ao episódio podia - se calhar, devia - ser o mesmo que foi dado a tantos outros massacres que foram perpetrados pelas tribos índias. Os mórmons, se tivesse sido adoptada essa narrativa, seriam tratados como um movimento religioso exótico, distinto dos valores cristãos que estão associados à epopeia da conquista do Oeste. Só essa distinção - no caso religiosa - justificaria o gesto de eles serem responsáveis por massacrarem quem deviam considerar como iguais na Fé. Por essa narrativa, a versão hostil, a Fé de uns e outros não era propriamente a mesma e os mórmons, seriam tão alheios ao ideal americano quanto qualquer tribo índia. Porém, os mórmons concentraram-se no Utah e tornaram-se uma realidade política regional: insignificantes no resto dos Estados Unidos, eles são hoje 70% da população de 3 milhões de habitante do Utah. Era evidente que a melhor solução para as duas partes era arranjar uma solução integradora entre a comunidade e as autoridades federais, já que o Utah se situa no interior dos Estados Unidos (mapa abaixo). Num processo não isento de percalços, os mórmons tiveram que renunciar em 1890 à poligamia, naquilo que era uma questão inaceitável para o resto da sociedade norte-americana. Só meia dúzia de anos depois disso, em 1896, é que o estado do Utah e a sua teocracia puderam ser aceites na União*. A memória deste Massacre dos Montes Meadows é que penou com essas necessidades da política real. Acima, do lado esquerdo, vê-se uma das poucas tentativas de relembrar o episódio, já por ocasião do seu 75º aniversário, em 1932. Mesmo assim, para o compatibilizar com a mitologia do Oeste houve uma tentativa séria de tentar corresponsabilizar os índios da região por parte do massacre, como que dividindo as culpas, quando os índios participaram sobretudo como tropas auxiliares de uma outra vontade. Só de há uns 25 anos para cá é que o assunto tem voltado de novo a ser evocado (acima, à direita), num processo de ampla revisão histórica por que todos os Estados Unidos estarão a passar, algumas dessas revisões com consequências mais visíveis que outras.
* Como se vê, o Irão não foi o primeiro caso em que Washington teve de lidar como uma teocracia de contornos aparentemente democráticos.
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