12 setembro 2017

O INCIDENTE DO LACONIA

12 de Setembro de 1942. Aquilo que veio a ficar conhecido como o incidente do Laconia começou há precisamente 75 anos, no dia em que o paquete com esse nome (fotografia acima) foi torpedeado por um submarino alemão em pleno Atlântico Sul (localização do local do ataque no mapa abaixo). O RMS Laconia era um navio de passageiros relativamente novo (fora lançado à água em 1921), deslocando 20.000 toneladas e que, com a Guerra, fora fretado pelo Almirantado britânico para o transporte de tropas. Naquela que seria a sua última viagem, ele saíra dos portos do Médio Oriente (Suez e Aden), navegando ao longo do Índico e da costa oriental de África (Mombaça e Durban), transportava sobretudo prisioneiros italianos, que haviam sido capturados pelos britânicos por ocasião das campanhas da África Oriental italiana (Eritreia, Abissínia e Somália). Acompanhavam-nos uma escolta de soldados britânicos para os guardar. Um terceiro grupo a bordo era o de soldados polacos que tinham uma história complicada para ali se encontrarem: haviam sido capturados e aprisionados pelos soviéticos quando estes haviam invadido a Polónia em 1939; os comunistas haviam executado uma apreciável percentagem dos seus oficiais no hoje célebre massacre de Katyn, mas as outras patentes continuaram aprisionadas; a invasão da União Soviética pela Alemanha nazi em Junho de 1941 tornara-os (russos e polacos) em aliados; a pedido das autoridades polacas no exílio (em Londres!), os soviéticos começaram a libertá-los e a transportá-los para o Irão (neutral), onde, através de uma viagem de circum-navegação a toda a África se viriam juntar às unidades da Polónia Livre que se estavam a constituir na Grã Bretanha. Um último grupo a bordo era o dos passageiros civis. Neste trecho da viagem, entre a cidade do Cabo na África do Sul e com a chegada prevista para Freetown na Serra Leoa, seguiam a bordo do Laconia, 1.793 prisioneiros italianos, 286 soldados britânicos para os guardar, 103 soldados polacos (auxiliando também os britânicos nas tarefas de guarda aos prisioneiros), 87 civis e 463 membros da tripulação, um total de 2.732 pessoas, dos quais ⅔ deles eram italianos.
Era já noite quando o Laconia foi atingido pelo primeiro torpedo. O autor do torpedeamento fora o submarino U-156 comandado pelo capitão-de-corveta Werner Hartenstein (1908-1943). Um segundo torpedo precipitou o afundamento do navio uma hora depois. Embora as explosões e o afundamento tivessem provocado um número apreciável de vítimas, os tripulantes alemães ficaram surpreendidos com o número inesperado de milhar e meio de sobreviventes em botes salva vidas e à tona de água. Mais do que isso, outra surpresa foi a nacionalidade italiana de muitos deles, numa época em que, recorde-se, alemães e italianos constituíam o Eixo. Houve tanto de humanitário (salvação de vidas) quanto de político (a maioria dessas vidas seriam italianas) na decisão e no gesto dos alemães de convocar as suas outras unidades navais naquela área (dois outros submarinos alemães e ainda um italiano). Mais do que isso, foi solicitado o auxílio de um pretenso neutral (a França de Vichy) e enviada uma proposta de trégua para os inimigos (Reino Unido e Estados Unidos). Os franceses responderam positivamente mas os anglo-saxónicos desconfiaram que se trataria de um estratagema alemão. Como se percebe pela foto abaixo, os quatro submarinos revelaram-se manifestamente insuficientes e desapropriados para acomodar ainda que uma ínfima parte dos náufragos. O que eles puderam fazer nos dias seguintes foi rebocar os salva vidas até um ponto de encontro convencionado com os navios franceses entretanto saídos dos portos das suas colónias africanas mais próximas. Quatro dias depois do afundamento, bombardeiros B-24 norte-americanas encontraram um dos grupos de submarinos que rebocavam os sobreviventes e, apesar da sinalética (cruzes vermelhas) que afixavam, atacaram-nos com cargas de profundidade. Os submarinos evadiram-se, o ataque provocou foi (mais) baixas entre os náufragos e os salva vidas que eram rebocados. No computo global, e embora haja versões diferentes, cerca de 1.100 pessoas terão sobrevivido (40% do total que viajava no Laconia), mas a taxa de sobrevivência entre os prisioneiros italianos terá sido substancialmente mais baixa (400 entre 1800 pessoas, ou seja 22%).
O incidente foi estopim para que o almirante Karl Dönitz emitisse de imediato uma ordem (Triton Null) proibindo os comandantes dos submarinos alemães de prestar qualquer assistência às tripulações dos navios que haviam acabado de afundar. O episódio reveste-se de potencialidades para à volta dele se escrever um bom enredo de série televisiva, tanto mais que o protagonista Werner Hartenstein, que terá querido humanizar a crueldade da guerra (sob as ordens de Dönitz!), acabou tendo, escassos seis meses depois, aquele destino trágico que foi o de tantos outros comandantes de U-Boot. O que não costuma ser referido, porque, quiçá estragará a emoção do momento, é que o U-156 logo no dia seguinte ao dos acontecimentos que o haviam vitimado, afundou mais um navio britânico, o Quebec City. A guerra continuava.

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