30 novembro 2008

AS PRIMEIRAS TRÊS CONCLUSÕES DO ATAQUE TERRORISTA A BOMBAIM

Cães de Guerra é o título de uma novela de Frederick Forsyth, escrita em 1974, onde se conta a história de um bem sucedido Golpe de Estado desencadeado num hipotético pequeno país africano chamado Zangaro. A maior surpresa da história é que o Golpe de Estado vitorioso foi perpetrado por um pequeníssimo comando de 5 mercenários brancos, ex-combatentes durante a Guerra do Biafra (1967-70), apenas acompanhados de meia dúzia de auxiliares negros, herdados daquela guerra, que compunham a infantaria.
A história é uma ficção mas é daquele tipo de ficção que beira a realidade: a descrição do pequeno país africano assentava que nem uma luva na Guiné Equatorial; a dos mercenários em algumas figuras reais popularizadas pela referidos conflitos africanos; e as operações militares que levam à derrota da guarda presidencial e à morte do presidente são credíveis. Elas começam, de resto, com um desembarque clandestino em botes de borracha a partir de um barco, como parece ter acontecido com o comando terrorista que atacou Bombaim.
Só que, ao contrário dos mercenários de Forsyth, o objectivo do que agora se crê terem sido apenas uma dezena de terroristas islâmicos, terá sido apenas o de provocar o maior caos possível, sem que lhes competisse alcançar qualquer outro objectivo político imediato – pelo menos, nada sabemos do que terão constado as exigências para a libertação dos reféns. Nesse aspecto estrito, o seu sucesso foi monumental: conseguiram pôr todas as forças de intervenção indianas atrás deles durante três dias, até os neutralizarem…
Uma segunda conclusão a retirar dos acontecimentos de Bombaim tem a ver com a importância relativa dada pela informação internacional a estes actos. Já haviam ocorrido outros atentados em Bombaim. Um deles, em Julho de 2006, havia sido quase uma cópia idêntica em metodologia e vítimas do de Março de 2004 em Madrid mas tinha tido apenas uma fracção da sua cobertura mediática. Os terroristas já se aperceberam que provocar vítimas ocidentais é um gesto que dá um efeito de alavanca à notoriedade das suas operações.
A terceira conclusão é como os acontecimentos puseram em evidência a diferença entre informar e ir dando notícias ou mostrando imagens. Ao longo dos três dias, não houve órgão de comunicação social que conseguisse avançar com uma ideia consistente de qual eram os propósitos da operação terrorista. Só no fim se soube que havia apenas 10 terroristas; agora estão-se a recontar em baixa o número de vítimas. A pressão mediática entre mostrar qualquer coisa ou escrever qualquer coisa, nem que seja um disparate, parece ser enorme…

ELEIÇÕES CONSTITUINTES 1975

Por ter falado anteriormente em organizações da extrema-esquerda radical marxista-leninista, vale a pena recordar as primeiras eleições democráticas realizadas a 25 de Abril de 1975, para a eleição da Assembleia Constituinte. O boletim de voto que se vê acima, correspondente ao círculo eleitoral de Lisboa, está repleto delas: a FEC (M-L), a FSP, a LCI, o MES e a UDP. Mas falta ao boletim um dos doze partidos concorrentes àquelas eleições: o PUP, que não se apresentou por aquele que era o maior círculo eleitoral, o da capital.
Nunca me apercebi da razão para que o tal PUP (Partido de Unidade Popular) tivesse feito tal coisa, que era um total disparate conhecendo-se o funcionamento aritmético do método eleitoral adoptado, o de Hondt, que aumentava as possibilidades dos pequenos partidos elegerem deputados precisamente nos maiores círculos eleitorais. Foi aliás precisamente pelo círculo de Lisboa que a UDP elegeu nessas eleições o seu deputado, apesar de ter recebido menos votos à escala nacional que os rivais FSP e MES
Só a partir daí, e apenas por essa razão circunstancial, é que a UDP se veio a afirmar definitivamente como a organização mais importante da, até aí, extremamente concorrida extrema-esquerda portuguesa. Quanto ao PUP, mais ingénuos que os concorrentes, só mesmo os eleitores, onde mesmo assim se vieram a descobrir 13.000 que se mostraram dispostos a votar numa formação que se mostrava muito mais forte na argumentação ideológica do que na capacidade de fazer cálculos aritméticos simples…

29 novembro 2008

EM EVOCAÇÃO DE ENID BLYTON

Deve ter sido ideia de quase todos os ex-alunos do Colégio Militar mais nostálgicos e com mais vocação prosadora escrever um livro com as histórias do seu tempo. Felizmente são poucos os que chegaram a concretizar a ideia... Porque é o tipo de histórias que costumam ser excelentes quando contadas em mesa de tertúlia, na voz de um bom narrador e com um auditório cúmplice que conhece de antemão tanto o ambiente como as personagens.
Quando passadas para o papel, e por muito que seja o mérito do prosador, as histórias tendem a perder o vigor porque, fora daquele círculo cúmplice, os leitores ex-alunos de outras gerações ainda podem conhecer o ambiente, mas já não sabem quem são as personagens, e então os outros leitores não conhecem nem uma coisa nem outra, e a história, depurada de cumplicidades, fica apenas com o seu valor intrínseco, que às vezes é bem pouco…
Isto para não falar do ponto de vista do editor, a quem interessaria tornar as histórias colegiais mais abrangentes e capazes de atingir uma audiência ainda mais vasta, enfim, passe um pouco o exagero, torná-las uma versão em masculino e marialva daquela série juvenil do Colégio das Quatro Torres da escritora inglesa Enid Blyton… A verdade que temos que reconhecer é que aquelas histórias são cómicas mas não interessantes e interessam a muito poucos…
Creio que a mesma lógica se deveria aplicar - e não se aplica - a um outro caso distinto, a respeito do qual há um frenesim de investigação e editorial despropositados. São histórias de uma geração que passou a sua fase júnior, durante a década de 60, inícios da de 70, a querer salvar o mundo e a militar em organizações marxistas-leninistas radicais. Tal qual o caso das histórias do Colégio Militar, vê-se hoje como tudo aquilo não foi importante e nem sequer é interessante…
Só que, ao contrário do exemplo colegial, neste caso escreve-se e publica-se muito, embora sobretudo para interesse dos que lá estiveram, que, como no caso dos ex-alunos do Colégio Militar, nem foram muitos e parece que se conhecem todos… E se quisermos continuar pelas alusões às séries juvenis de Enid Blyton, neste caso, pelo número desmesurado de organizações pequenas mas secretas que criaram (veja-se acima) é mais um caso de… O Clube dos Sete.

28 novembro 2008

O LEGO

Creio que quase todos os habitantes dos países desenvolvidos conhecerão o Lego. É um jogo de origem dinamarquesa que está este ano a festejar os seus 50 anos! O conceito é bastante elementar: o jogo é composto por um conjunto de peças individuais de plástico, em formas estandardizadas e normalmente em cores muito garridas, que se podem encaixar umas nas outras, fixando-se com uma força intermédia.
Esse é o segredo do sucesso do Lego: essa força intermédia permite que as construções feitas com aquelas peças tenham uma robustez razoável mas, ao mesmo tempo, permitem que a construção possa ser desfeita facilmente e, aproveitando as mesmas peças, se faça uma outra construção. De um jogo podem-se criar uma infinidade de brinquedos, dependendo da imaginação do utilizador.
Mas o Lego também é uma história de sucesso empresarial tendo, nos últimos 50 anos, feito uma evolução muito bem sucedida da Dinamarca para o Mundo em que se foi sempre adaptando ao gosto das novas gerações de consumidores. Nesse aspecto, através da evolução dos produtos da Lego podemos ver também, como num espelho, a forma como nas nossas sociedades tem evoluído o tratamento que damos às crianças.
Notem-se as construções desta caixa do princípio dos anos 60 que aparece aqui em cima e note-se a rusticidade dos pormenores das construções, nomeadamente o avião empunhado pelo rapazinho. É o Lego do meu tempo*, em que, havendo uma variedade de peças limitada, era preciso ser-se muito imaginativo e a sofisticação da construção, como é o caso do avião abaixo, nos indicava, com algum rigor, qual seria a idade do construtor...
Havia contudo uma pressão natural entre os consumidores para que a Lego fabricasse peças que possibilitassem construções que fossem cada vez mais rigorosas e de acordo com os originais. Continuando nos aviões, no final da década de 60 as réplicas como a do Caravelle que aparece abaixo, apesar de ainda rústicas, contêm peças já desenhadas com um formato próprio para asas de avião moderno.
Mais do que isso, as caixas vinham agora acompanhadas com manuais explicativos para a montagem – quem não quisesse usar a imaginação podia não o fazer. Mas o Lego deixava de ser exclusivamente o Lego criativo original para se poder vir a tornar também numa espécie de modelismo feito com peças de plástico que se encaixam… Depois, em meados da década de 70, quebrou-se um outro tabu importante.
Até então o objecto da brincadeira fora a própria construção, fosse ela uma casa ou um navio. O efeito de escala pertencia à imaginação do construtor: a mesma quantidade de peças que servira para construir um enorme arranha-céus numa escala 1/1000 podia servir depois para construir uma pistola numa escala 1/1. Com a introdução dos bonecos (acima), a Lego assumiu uma escala indicativa, ajustada ao tamanho deles.
Quando voltei ao contacto com o Lego foi já no estatuto de pai e ele passara por todas aquelas transformações. Para o meu filho, o processo meticuloso (e complexo…) de construção do barco de piratas acima nada tinha de interessante: o resultado final era-lhe oferecido numa enorme fotografia na caixa da embalagem! Enquanto o pai montava, o que ele queria mesmo era brincar com os piratas… e depois com o barco.
Hoje em dia, fazem-se coisas maravilhosas com Lego, compare-se o avião acima com os iniciais. Mas aquilo já não é propriamente um jogo, é um ramo especializado do modelismo. Não sei se desde a geração do meu filho terá havido muitas crianças que tenham brincado verdadeiramente com o Lego – podem ter brincado, mas foi sobretudo com adereços feitos de Lego, o que é uma coisa completamente diferente…
As crianças de todas as gerações têm tendência para ser imaginativas e, de uma forma ou outra, arranjam sempre maneira de exercitar a imaginação. E, claro, entre qualquer coisa que esteja pronta e outra que tome tempo a consumir, preferem a primeira. Esta evolução que aqui descrevi do Lego diz muito mais sobre o que aconteceu aos valores das sociedades que nos rodeiam do que propriamente sobre as crianças...

* O Lego teve um apreciável êxito em Portugal. De acordo com a Cronologia do Lego que consta da Wikipedia, a sucursal portuguesa da Lego foi fundada em 1973, apenas um ano depois da norte-americana, um ano antes da espanhola e 11 anos antes da brasileira…

27 novembro 2008

EPAMINONDAS, O GENERAL GREGO COM UM NOME HORROROSO

Quando pequeno tive um boneco chamado Epaminondas, mas não fui eu que o baptizei – não fui assim uma criança tão precoce... Foi a minha mãe – que também não era uma admiradora assim tão grande da cultura helénica... Acontecia apenas que o boneco (que me fora dado) era feio, horrível e Epaminondas foi o nome mais horroroso que lhe ocorreu para se adequar ao boneco e também para sublimar a frustração de não o poder deitar fora – sim, porque quem o dera era uma daquelas pessoas que controla se a sua oferta foi ou não devidamente apreciada…
O Epaminondas original (418 a.C. - 362 a.C.) foi um general e político grego, originário da cidade de Tebas, que viveu no Século IV a.C.. Se, como político, a sua contribuição foi um episódio fugaz na História da Grécia (a hegemonia de Tebas durou apenas uma década), a sua contribuição para a evolução da táctica militar ocidental é incontornável, ao atribuir-se-lhe a criação do dispositivo de batalha em oblíquo (veja-se o quadro abaixo), que foi pela primeira vez aplicado durante a Batalha de Leuctras, travada na Beócia entre tebanos e espartanos em 371 a.C..
O dispositivo, baptizado depois por falange tebana, consistia em reforçar um dos corpos do exército (em azul) em detrimento dos outros que se apresentavam mais afastados do inimigo (em vermelho). A manobra consistia em fazer o corpo reforçado avançar e vencer rapidamente o seu oponente directo, enquanto os restantes corpos recuavam, atrasando e desfasando o choque com os seus corpos oponentes. Por essa altura já o corpo principal se superiorizara ao inimigo e rodando, podia acorrer em auxílio, atacando os corpos inimigos pelo flanco.
Como num bom enredo trágico, Epaminondas morreu vencedor, à frente das suas tropas, depois da sua segunda grande vitória, a da Batalha de Mantineia, travada em 362 a.C. (acima, num baixo relevo do Século XIX). O seu dispositivo e a sua actuação táctica foram depois copiados, nomeadamente pelos macedónios. Os exércitos helenísticos passaram a dispor de um núcleo de elite, com grande capacidade de choque. E quando em batalha, a doutrina mandava que se assumisse a iniciativa, porque só assim se impunha o seu plano de operações ao do inimigo...

26 novembro 2008

AS ILHAS IMAGINÁRIAS DE JÚLIO VERNE

Quando se discute a questão do acordo ortográfico e da importância das regras como as palavras são escritas lembro-me sempre da minha experiência juvenil com os livros das Aventuras de Júlio Verne lá de casa que, pertencentes à mesma colecção dos da fotografia acima, eram escritos ainda com as regras ortográficas em vigor no princípio do Século (XX), com ph, y e tudo o resto. E lembro-me perfeitamente como as diferenças não incomodaram particularmente a minha leitura.
Em contrapartida, os livros daquela colecção mostravam-se paupérrimos em ilustrações: havia apenas duas, uma logo no início e outra sensivelmente a meio do livro, o que era muito menos do que acontecia nas edições originais francesas. Podia ser bom para a imaginação do leitor, mas em aventuras que decorriam em ilhas misteriosas, como A Ilha Misteriosa (acima) ou Dois Anos de Férias (abaixo), a ausência de um mapa com a configuração da ilha era uma lacuna muito irritante!

25 novembro 2008

RADICALISMOS DO PASSADO: AS SUFRAGISTAS

O sufragismo foi um movimento que esteve muito activo na segunda metade do Século XIX e nos inícios do Século XX especialmente nos países anglo-saxónicos, e cujo objectivo era a concessão dos direitos de voto às mulheres em igualdade de circunstâncias com os homens. Ao longo dessas décadas, nas democracias liberais, as condições exigíveis para o exercício do direito de voto foram sendo progressivamente facilitadas para os homens, embora a mesma regalia não fosse concedida da mesma maneira às mulheres.
O escoar do tempo e a evolução das mentalidades acabou por legitimar a justeza da sua Causa. Contudo, a memória que ficou para o futuro das sufragistas, foi o activismo da sua facção mais radical, que começou a desenvolver-se a partir dos começos do Século XX, quando adquiriram notoriedade através de algumas acções mais espectaculares, como aquela que conduziu à morte da activista Emily Davison, quando ela tentava bloquear o cavalo do rei durante a realização do Derby de Epsom em Junho de 1913 (acima).
Além de assim terem adquirido uma mártir, outras acções despropositadas se sucederam, como a de Mary Richardson, uma outra activista radical que em Março de 1914 tentou destruir a martelo e à facada o quadro de Velázquez, A Vénus ao Espelho (abaixo), que estava exposto na National Gallery de Londres. Estas activistas, tratadas ironicamente por suffragettes, eram aproveitadas por quem se opunha ao movimento para dele dar uma imagem que apenas satisfazia os opositores e as próprias activistas radicais.
As defensoras do sufragismo eeram apresentadas assim à opinião pública como obcecadas pela Causa e totalmente impermeáveis às circunstâncias em que o Mundo evoluía, como parece ser o caso da portadora do cartaz da fotografia abaixo que, com os Estados Unidos envolvidos em plena Primeira Guerra Mundial (1918), parece apenas preocupar-se em comparar o Presidente Wilson com o Kaiser Guilherme II… Felizmente, quase logo depois do Fim da Guerra, a Causa do sufrágio feminino vingou nos países em causa*.
É um interessante jogo especulativo perguntarmo-nos qual terá sido a contribuição real (se alguma…) daqueles gestos extremistas para esse desfecho. E porque a História parece repetir-se com uma certa regularidade, permitam-me alargar o jogo, perguntando também como virá a ser apreciado no futuro o real contributo destes novos activistas radicais, tanto da Greenpeace (abaixo**) como de organizações por ela inspiradas (lembrem-se da do Gualter…), para a Causa da ecologia que tanto proclamam defender?...
* Em 1918 no Reino Unido e Canadá, em 1920 nos Estados Unidos.
** Trata-se de imagens de activistas da Greenpeace a tentar furar o cordão policial marítimo por ocasião de uma Cimeira dos G8.

24 novembro 2008

O ESTERTOR DO JAPÃO IMPERIAL

A história da fase final do estertor do Japão Imperial começou com uma Proclamação emitida durante a Conferência de Potdsdam a 26 de Julho de 1945. Essa proclamação era destinada ao Japão e estava assinada por Truman e Churchill (além do ausente Chang Kai-Chek), mas não por Estaline, porque a União Soviética nessa altura ainda estava em paz com os nipónicos. Nessa Proclamação, os Aliados mostravam-se inclinados a propiciar ao Japão vencido um tratamento mais benévolo daquele que aquele que estava a ser dado à Alemanha.
Contudo, para efeitos de preservação da imagem política interna, a expressão Rendição Incondicional, que fora criada em Casablanca lá continuava e, sobretudo, a ameaça associada a uma resposta insatisfatória era inequívoca: A alternativa que se coloca ao Japão é a sua destruição imediata e completa. As primeiras fracturas no governo imperial nipónico começaram com a resposta a dar a esta Proclamação aliada. O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Shigenori Togo, foi o primeiro a notar e a querer aproveitar as subtilezas de linguagem da nota aliada.

Do outro lado, destacava-se o Ministro da Guerra, Korechika Anami, que dava à nota uma outra interpretação: a de que os Aliados estariam hesitantes em arcar com os custos materiais e humanos que representaria uma invasão (que nunca fora concretizada) do arquipélago japonês. Nessa interpretação, que se revelou maioritária, o tempo estaria a funcionar a favor do Japão, pelo menos enquanto se aguardava o resultado de uma audiência que o Embaixador japonês em Moscovo solicitara para um enviado especial do seu governo, o ex-Primeiro-Ministro Fumimaro Konoye.

A resposta japonesa à Proclamação, emitida em 29 de Julho, tornou-se um daqueles casos flagrantes de um choque cultural entre ocidentais e a nipónicos: enquanto os segundos pretendiam amenizar a indelicadeza da rejeição e escolheram utilizar na sua resposta uma expressão que se traduziria em inglês para ignorar, os primeiros encaixaram (e mal) essa ignorância pelos padrões sociais ocidentais, ou seja como uma manifestação de sobranceria… A fase seguinte do diálogo teve lugar às 08H15 (hora local) do dia 6 de Agosto de 1945, na cidade japonesa de Hiroxima…
Além do desaparecimento total da cidade, as informações que chegavam dos Estados Unidos superavam as investigações que as autoridades nipónicas tinham montado para descobrir o que acontecera - previamente, houvera até uma Comissão de Físicos, presidida pelo próprio Príncipe Takamatsu, irmão do Imperador, que negara a possibilidade do aparecimento de uma arma nuclear ainda durante o conflito… As cúpulas estavam a perder o controlo dos acontecimentos: os pressupostos que levavam a crer que o tempo funcionaria em favor do Japão tinham desaparecido.

Dois dias se haviam passado depois de Hiroxima e em Moscovo, Molotov dispunha-se a receber finalmente o Embaixador japonês! Mas afinal foi apenas para lhe entregar a Declaração de Guerra da União Soviética ao Japão… No dia seguinte, 9 de Agosto, é a vez da cidade de Nagasáqui ser bombardeada por uma outra bomba atómica. Depois de três explosões (Alamogordo, Hiroxima e Nagasáqui), o arsenal nuclear norte-americano encontrava-se momentaneamente vazio, mas os japoneses desconheciam-no. Tornava-se urgente reavaliar a situação.

Nada faltou do formalismo japonês ao Conselho Supremo que teve lugar nessa abafada noite de Agosto de 1945. Os seus dois membros civis compareceram de fraque: o Ministro dos Negócios Estrangeiros Shigenori Togo e Hiranuma Kiichiro, ex-Primeiro-Ministro e excepcionalmente convocado pelo Imperador Hirohito como presidente do seu Conselho Privado. Os outros membros presentes estavam todos fardados, a começar pelo Imperador, e continuando pelo veterano Primeiro-Ministro Kantaro Suzuki de 77 anos, um Almirante que fora o Chefe de Estado-Maior da Armada entre 1925 e 1929.
Os outros uniformes eram os Ministros da Guerra (Korechika Anami) e da Marinha (Mitsumasa Yonai) e os Chefes de Estado-Maior do Exército (Yoshijiro Umezu) e da Armada (Soemu Toyoda). Destes, apenas Yonai partilhava a opinião dos do parágrafo anterior e se inclinava para a aceitação das condições da Proclamação de Potsdam. As posições apresentaram-se tão extremadas que o Imperador Hirohito se viu forçado a intervir directamente, em vez de ser o presidente do seu Conselho Privado a exprimir a sua opinião como mandaria o protocolo.

A mensagem enviada pelos canais diplomáticos aos Aliados no dia seguinte é uma aceitação dos princípios da Proclamação, contendo apenas uma reserva: … a dita Proclamação não comportará nenhuma exigência que prejudique as prorrogativas de Sua Majestade o Imperador como poder soberano. A resposta aliada foi cautelosa, embora mostrasse uma total falha de subtileza tendo em atenção o espírito japonês: A partir da capitulação, a autoridade do Imperador ficará subordinada à do Comandante-Chefe das forças aliadas. Os adeptos da luta até ao fim reconquistaram adeptos.

Um deles foi Hiranuma Kiichiro, que, num novo Conselho Supremo realizado no dia 14 de Agosto, considerou que a subordinação da autoridade imperial a uma outra, alheia e estrangeira, era inaceitável. Mas a presença do presidente do seu Conselho Privado estava a tornar-se supérflua, porque o Imperador e quem o estava agora a aconselhar, rompido por uma vez o protocolo, parecia estar determinado a ir até ao fim. Por sua decisão, todos os membros do Conselho Supremo foram instruídos a assinar a aceitação dos princípios da Proclamação de Potsdam.
E, pela primeira vez, o Imperador dirigiu-se ao seu povo pela rádio. E quando este, intoxicado pela propaganda, pensaria que ele iria fazer um apelo à luta a todo o transe, descobriu – apesar das dificuldades de compreender quem se exprimia de uma forma tão formal, arcaica e erudita... – que afinal a sua vontade era que a luta terminasse e que se aceite a derrota. Depois, a História está cheia de relatos de suicídios rituais de quem não quis aceitar aquela decisão. Mas note-se que, dos três membros do Conselho Supremo que assinaram contrariados (Anami, Umezu e Toyoda), apenas Anami se suicidou…

LES UNS ET LES AUTRES

A propósito do seu Congresso que se irá realizar no próximo fim-de-semana, ficou-se a saber que o número de militantes do PCP se tem vindo a reduzir até atingir os 60.000 actualmente. Entretanto, e para referência, é interessante ficar-se a saber que em 2007 havia 49.000 Testemunhas de Jeová em Portugal…

23 novembro 2008

COMO O EXÉRCITO PORTUGUÊS SE ARMOU DEPRESSA E EM FORÇA

Quando começou a Guerra Colonial em 1961, a arma individual usada pelas forças armadas portuguesas ainda era a espingarda Mauser 98k (abaixo), uma arma de repetição que usava munições 7,92 x 57 mm, e que fora adoptada como arma regulamentar pela Wehrmacht alemã 25 anos antes. Uma das prioridades foi assim a da obtenção no mais breve espaço de tempo de armas automáticas, embora não se pudesse esquecer a questão da necessidade de assegurar o previsível fluxo elevado de munições e sobressalentes.Nessa época, já se fabricava em Portugal munições do calibre NATO (7,62 x 51 mm) e foi entre as armas que utilizavam essa munição que se procurou encontrar a nova arma individual de infantaria. As duas concorrentes eram o FAL (Fuzil Automático Ligeiro), de origem belga, que datava de 1953 e a ligeiramente mais recente G-3 (Gewehr – espingarda – 3) que era de origem alemã, mas que fora inicialmente desenvolvida por técnicos alemães em Espanha, e de que se havia iniciado a produção em 1959.Enquanto se procediam ao concurso e aos testes das duas armas, cuja vitória prometia ser um apetitoso contrato para o fornecimento de mais de 100.000 armas que teriam de ser fabricadas em Portugal, o cliente impôs uma cláusula de empréstimo de alguns milhares de armas para equipar entretanto as suas forças que já estivessem, ou vias de virem a estar, empenhadas em qualquer dos três Teatros de Operações ultramarinos. E foram essas armas emprestadas as primeiras a substituírem as veneráveis Mauser. Os belgas emprestaram 12.500 FAL (alguns deles através da África do Sul) e os alemães 8.000 G-3 e, posteriormente, depois de terem vencido o concurso, emprestaram 15.000 FAL suplementares, porque o FAL fora uma arma usada pela Bundeswehr antes da adopção da G-3. Por isso, houve uma fase de transição em que a arma mais comum no exército português até foi o FAL. Havia razões para isso: os FAL podiam ser usados livremente, enquanto as G-3 tinham sido emprestadas ao abrigo de acordos NATO e só podiam ser usadas às escondidas... É por isso que, para espanto de alguns veteranos, as G-3 apareceram desde muito cedo (Verão de 1961), mas apenas nos Teatros de Operações discretos, como era então o da Guiné, enquanto as mesmas armas permaneciam escondidas em Teatros de Operações mais mediáticos como era o caso do de Angola. Mesmo nas imagens de propaganda havia o cuidado de mostrar os soldados armados de FAL (acima), até que os volumes da produção nacional (que se iniciou em finais de 1962) legitimassem o aparecimento das G-3.
Um problema semelhante ocorreu com as tropas pára-quedistas, originalmente armadas com o AR-10 (acima), precursor da M-16, de origem norte-americana (calibre 5,56 x 45 mm). Depois de um jogo de gato e rato e das repetidas insistências norte-americanas para que o material por si fornecido não fosse utilizado na Guerra Colonial, mas também por conveniência logística (ninguém mais usava aquela munição), as tropas pára-quedistas vieram por sua vez a adoptar também as G-3, na versão com coronha retráctil (abaixo). Entretanto, também o Corpo de Fuzileiros adoptara as G-3 e, para o bem e para o mal, a arma ficou para sempre associada de forma indelével à Guerra Colonial. Aquelas 100.000 armas – que afinal vieram a ser bastantes mais: em 1965 já havia 140.000 – passaram por muitas centenas de milhares de mãos muitas vezes em circunstâncias bem difíceis... Como símbolo, na Revolução dos ditos, os cravos nunca teriam ultrapassado a simbologia de flores bonitas de primavera se não tivessem sido depositados na alma do cano de uma G-3

22 novembro 2008

BRITISH BROADCASTING CORPORATION versus DEUTSCHLANSENDER

A Segunda Guerra Mundial também se travou no conteúdo das ondas radiofónicas. A partir de Junho de 1940, depois da derrota francesa e do isolamento britânico, a BBC (British Broadcasting Corporation) tornou-se um dos instrumentos mais importantes da manobra britânica defrontando-se com a Deutschlandsender, que representava o poder continental. Os estilos informativos das duas emissoras diferiam substancialmente. Enquanto o da alemã era absolutamente oficial e institucional, transmitindo estritamente os despachos governamentais, o da britânica era mais subtil, pretendendo conquistar a confiança dos ouvintes.
Assim, a BBC também noticiava os desastres militares das próprias forças britânicas, enquanto era perfeitamente impensável ouvir notícias respeitantes a derrotas alemãs na Deutschlandsender. É óbvio que a BBC amenizava o impacto dessas derrotas, enquanto exagerava a dimensão das vitórias*, mas havia o cuidado de fazer a gestão do cenário da guerra por forma a que os ouvintes não viessem a ser colhidos de surpresa, como aconteceu, por exemplo, com a Deutschlandsender e com a queda de Stalinegrado em Janeiro de 1943. Ainda no dia de Natal de 1942 se havia forjado um posto de rádio onde se anunciava que tudo corria bem**
Por essa altura, nos anos de 1942/43, nos países neutros como Portugal, mas também nos menos neutros, como a Suíça ou a Suécia, a BBC ganhara definitivamente a batalha da credibilidade à sua opositora germânica. Geralmente, na Europa não engajada considerava-se que o que se ouvia na BBC era relativamente fiável e o que se ouvia na Deutschlandsender era propaganda. A vitória da BBC ficou conhecida por ter sido uma forma inteligente de ganhar a confiança da audiência. Mas, nas guerras de propaganda, não foi exemplo que tenha pegado de estaca. Hoje, tantos decénios passados, há ainda quem prefira e enalteça as abordagens mais estúpidas Tomemos o exemplo de Dias Loureiro e da sua anunciada intenção de se explicar na Assembleia da República, vetada pelo PS. Pergunta-se Miguel Abrantes no seu blogue, se terá sido só o PS a perceber e a impedir que a AR se transformasse num palanque de feira. Para além do facto da AR já poder ser considerada há muito como um palanque de feira, a consequência maior da decisão deste PS que Miguel Abrantes tornou antropomórfico, porque o faz perceber em bloco, foi a de reconfirmar que o palanque da feira está restrito apenas aos vendedores de banha da cobra que convenham ao PS. Nos outros (e lembrem-se do caso Eurominas), parece que há sempre qualquer coisa que o PS tem a esconder… * Num dos dias épicos da Batalha de Inglaterra, 15 de Setembro de 1940, acabou a anunciar uma vitória estrondosa para os britânicos de 195 aviões alemães para apenas 26 dos seus. Na realidade os alemães apenas haviam perdido nesse dia 60 aviões… ** O pseudo-posto de rádio de Stalinegrado havia sido forjado nas próprias instalações da Deutschlandsender, adicionando-se artificialmente à transmissão barulhos de estática e interferências, a sugerir distanciamento e condições precárias.

21 novembro 2008

À CARA PODRE...

Segundo René Goscinny (1926-1977), além de outras mais famosas, como as de Adam Smith (1723-1790), também Jesse James (1847-1882) parece ter tido a sua teoria económica sobre a distribuição de riqueza, inspirada numa interpretação muito pessoal da saga de Robin dos Bosques. Jesse James também reclamava roubar aos ricos para dar aos pobres, mas o seu conceito original de uns e outros, originou uma ruptura na doutrina que só veio a ter seguidores muito mais tarde, através daqueles grupos radicais armados que se especializaram em assaltar bancos para financiar a revolução
Mas é doutro tipo de descaramentos que eu quero aqui tratar hoje. Há várias expressões modernas que aprendi com os meus filhos, algumas que gosto mais que outras. Uma das que eu gosto mais é a locução à cara podre como sinónimo de descaramento sem vislumbre de embaraço. Pois foi à cara podre e com muita fleuma que João Rendeiro veio à televisão anunciar que o banco que dirige (Banco Privado Português) está num estado deplorável e que, já agora, se propunha utilizar uma linha de 750 milhões de Euros de Avales que o Estado prometera colocar à disposição dos bancos que estivessem em dificuldades.
O problema com a utilização dessa linha por parte dos vários agentes do sector bancário parecia estar a ser a vergonha e as repercussões de se ser o primeiro banco a pedir para a usar. O BPP e João Rendeiro perderam-na, avançaram e não foram modestos no pedir: é que 750 milhões são um montante desmesurado para a dimensão do banco em questão. E a questão não se esgota nesse abuso: é preciso perceber que tipo de banco é o BPP. O BPP é um banco que optou por trabalhar com uma clientela muito selecta (tem só 3.000 clientes) e que se especializou naquilo que se designa por gestão de fortunas
Vários vezes aqui critiquei Francisco Louçã e a demagogia tecnicamente incorrecta que ele por vezes emprega, que se torna imperdoável quando vinda de alguém doutorado em economia. Mas não foi o caso de ontem na AR, onde Francisco Louçã esteve muito bem ao confrontar Teixeira dos Santos com o carácter específico da actividade do BPP. Tal como acontecia com Jesse James, onde não havia diferença prática entre ricos e pobres (vários pobres quando se quotizam equivalem a um rico…), parece não se querer distinguir entre a segurança dos aforradores e dos bancos normais e a dos donos e gestores das grandes fortunas…
Ideologicamente, se se extrai da lógica do funcionamento do capitalismo que é nos períodos de expansão, através daqueles que têm mais espírito empreendedor e gosto pelo risco, que se acentuam as desigualdades sociais, também há que aceitar que é nos períodos de recessão que aqueles que foram mais ousados e que mais se expuseram perdem proporcionalmente mais, reduzindo essas desigualdades. Neste caso do BPP, em que seria talvez capaz de encontrar Louçã singularmente de acordo com aqueles que querem deixar funcionar o mercado, afinal são raros os casos que encontro na blogosfera que querem que ele, neste caso, funcione…