A 24 de Setembro de 1973, em Madina do Boé, o PAIGC proclamou unilateralmente a independência da Guiné-Bissau, uma iniciativa ousada de desafio ao poder político e militar português, presente então na que considerava a sua província da Guiné com um contingente militar rondando entre 25 a 30.000 homens. Embora raramente se fale nisso nos dias que correm, ainda hoje permanece a controvérsia associada à verdadeira localização da cerimónia que assinalou aquela proclamação. Para a cerimónia foi convidada – e era indispensável que isso acontecesse para que ela produzisse o efeito desejado – a imprensa estrangeira que daria a devida cobertura e notoriedade à declaração unilateral. Do lado português comentava-se que a povoação de Madina do Boé, que o PAIGC identificou como aquela onde a cerimónia teria tido lugar, havia sido evacuada e que a cerimónia fora uma farsa. Mais do que deserta, sendo uma área desprovida de arvoredo e sobrevoada regularmente pela aviação portuguesa, teria sido muito difícil (no mínimo) deslocar e concentrar naquela povoação os meios humanos que se viam a participar na cerimónia. Décadas depois, a identificação do local (ver o princípio do video acima) terá passado para um mais rigoroso Lugajole, Boé*. A diferença de 40 km em linha recta (ver o mapa abaixo) era significativa embora ambas as duas partes tivessem razão: as cerimónias haviam tido lugar em território da Guiné, mas não na povoação. Para a coreografia montada pelo PAIGC se tornava importante que a proclamação tivesse tido lugar numa povoação que, a partir daquela data, passasse a constituir, ainda que virtualmente, a capital do estado recém proclamado.
Na prática, desprovido do valor simbólico que os entrevistados acima lhe atribuem, embora hoje o assunto seja relativamente irrelevante, o local das cerimónias foi um acampamento na mata que se montou e desmontou. O PAIGC nunca teria condições de defender convencionalmente um objectivo tão tentador para o inimigo quanto uma capital de localização que fosse conhecida por ele. O PAIGC tinha uma enorme capacidade de perturbar a administração colonial através da guerrilha, mas não tinha qualquer capacidade de instalar uma administração alternativa à dos portugueses. As consequências da manobra do ponto de vista político foram, contudo, espectaculares. Por exemplo, quatro dias depois, a proclamação aparecia na página 3 do New York Times (abaixo). E em consequência do interesse da imprensa norte-americana pelo tema, a imprensa dos restantes países ocidentais seguiu-a e a censura em Portugal deixou de tentar bloquear a cobertura do assunto pela nossa imprensa (mais abaixo), embora controlasse os conteúdos, evidentemente.
* Há ainda quem proponha um local para a realização da cerimónia ainda mais distante. Vendu Leidi, mesmo sobre a fronteira com a Guiné Conakry.
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