Em toda esta questão do entupimento do Canal do Suez por quase uma semana, em que, como de costume, houve um empolamento disparatamente alarmista das suas consequências (veja-se este exemplo: «o bloqueio do Canal do Suez em números impressionantes»), deparei-me com a omissão (demasiado repetitiva para ser casual) do facto de que o Canal do Suez esteve encerrado durante oito anos (1967-1975) sem que, por esse facto, o crescimento da economia mundial tivesse sido substancialmente afectado. Na realidade, depois do desfecho da Guerra dos Seis Dias (Junho de 1967), o Canal do Suez passou a ser a fronteira de facto entre as posições militares conquistadas pelos israelitas (incluindo a península do Sinai) e as posições militares egípcias. Por causa disso, a navegação foi interrompida. Seis anos depois, a mesma zona do Canal tornou a ser palco de batalhas entre egípcios e israelitas, durante a Guerra do Yom Kippur em Outubro de 1973. E foi aliás no seguimento desta última guerra que se deu o choque petrolífero, provocado pelo embargo ao fornecimento de petróleo por parte dos produtores árabes àqueles países que haviam apoiado Israel no conflito, a começar pelos Estados Unidos. Isso sim, o embargo e o consequente aumento dos preços do petróleo é que veio perturbar significativamente os ritmos de crescimento das economias ocidentais. A reabertura do Canal do Suez, depois de desminado, teve lugar em Junho de 1975. Contudo, assim como o encerramento não contribuíra para a desaceleração do ritmo do crescimento económico das economias desenvolvidas do Ocidente, também esta reabertura não contribuiu para a recuperação do ritmo do crescimento económico mundial, que haviam entrado em crise por causa do aumento brusco dos preços do petróleo. Tudo isto podia e devia ter sido contado pela comunicação social, pelo menos em complemento ao alarmismo de apregoarem que estavam 400 navios à espera de passagem ou então que 600 mil barris de petróleo atravessavam o canal todos os dias (qualquer superpetroleiro transporta muito mais do que isso e esses não cabem no Canal, tendo de seguir pela rota do Cabo...). Mas vale a pena terminar mais esta prova de mediocridade da nossa comunicação social, enfatizando a banalidade como era aceite o encerramento do Canal do Suez, na alteração da primeira página da aventura de Tintin, Os Charutos do Faraó. Repare-se que na versão publicada em 1970 (acima, ao centro, e que foi aquela com que conheci pela primeira vez a história), o mapa da viagem de Tintin é diferente das versões anterior (1955) e posterior (1987), muito embora o discurso de Tintin não se altere, continuando a referir-se aos portos asiáticos que iriam escalar. Ou seja, enquanto o esteve, o encerramento do Canal do Suez era apenas um pormenor a merecer um retoque numa história juvenil.
Agradeço a sugestão de leitura endereçada por um comentador, apontando para um outro texto que foi publicado recentemente a este mesmo respeito.
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