Quando um meio de comunicação tão enfeudado a Bruxelas quanto a Euronews o reconhece, então é porque o programa centralizada de aquisição de vacinas está a ser mesmo um grande fiasco. Claro que a notícia da Euronews está feita para o desculpar - ao fiasco - na medida do possível, com aquela senhora à frente do edifício com as estrelinhas a justificar-se argumentando que o status quo é melhor do que 27 países a negociar cada um para seu lado. Como de costume, não é isso que está em causa discutir, mas antes perceber: o que é que está a correr mal? E a resposta já se sabia desde há dois meses. Como se pode ler numa passagem de um artigo aparecido no Político em Janeiro, Israel registava (e regista) as maiores taxas de vacinação contra a covid do Mundo porque não se ensaiou a usar as medidas que fossem precisas para adquirir vacinas, o Reino Unido (já separado da União) já pagava certamente mais por vacina do que a União Europeia e, humilhação final, os Estados Unidos, agora sob a presidência de Biden, utilizavam o mesmo expediente de pagar mais pelas vacinas para recuperarem do marasmo onde a presidência de Trump os havia deixado - os objectivos americanos de vacinação são hoje mais ambiciosos do que os europeus. Este caso do fiasco das vacinas para a covid parece constituir (mais) um exemplo das disfuncionalidades da burocracia de Bruxelas, agora corporizada por Ursula von der Leyen. A prioridade dos negociadores foi conseguir os melhores preços. E conseguiram-no: como se lê acima, fecharam o negócio com a AstraZeneca por cerca de metade do preço que os americanos pagam; e as vacinas da Pfizer são um terço mais baratas. Agora, não é preciso ter a qualificação de se ser burocrata em Bruxelas para saber os riscos que se correm quando se abusa da sua posição negocial e se sacam umas pechinchas... Seria garantido que a outra parte - as farmacêuticas - iriam ajustar o ritmo de fornecimentos em função das suas conveniências. Como veio a acontecer: quando se registam problemas de produção são os fornecimentos à Europa que se atrasam. A senhora da entrevista da Euronews pode ser genuinamente ingénua ou pode estar a fazer-se passar por tal com a notícia de mais um atraso de uma outra farmacêutica, no caso a Johnson & Johnson. Eles, em Bruxelas, comprimiram o mais possível a factura dos fornecimentos de vacinas. O resto não é com eles. Mas esse é apenas um dos lados da questão e o irónico da situação é que não são eles, os da Comissão, que têm de lidar com as consequências dos atrasos e a cada vez pior disposição das opiniões públicas - esse é um outro problema que não é deles mas que os 27 governos nacionais têm de gerir. Já deu para perceber que, por detrás dos pequenos incidentes que se utilizam para arremesso político doméstico, o verdadeiro problema com o atraso da vacinação em Portugal é idêntico ao dos outros países europeus e as causas se situam a montante, os responsáveis nem são portugueses - ou Bruxelas ou as farmacêuticas, como Bruxelas se apressa sempre a nos fazer crer. Agora, o que eu gostava que me esclarecessem era sobre os mecanismos existentes nos órgãos da União Europeia para que se peça satisfações - e uma eventual censura - a Ursula von der Leyen quanto às consequências da sua política de vacinação em que sacrificou a eficiência ao preço... Foi uma opção política e as opções políticas devem poder ser julgadas. Outra coisa interessantíssima: quase nada se fala disto.
Muito bom.
ResponderEliminarSobre a monumental incompetencia da UE na historia das vacinas ha ate bastante mais a dizer. Por exemplo, para alem daquilo que o A. Teixeira aqui aflora sobre o processo negocial ha mais um par de pormenores a reter:
1 - a crise pandemica veio revelar em todo o seu esplendor algumas falacias das "economias globalizadas". Argumenta-se que nao interessa quem detem o capital e os meios de producao porque o sistema de comercio se encarregara de a todos providenciar mas quando o COVID atacou quais foram as nacoes que conseguiram com sucesso mobilizar equipamento de protecao em quantidade para quem precisava? kits de diagnostico? meios de tratamento para salvar as vidas de quem ficou doente? Ora bem, os paises que detinham o controlo sobre os meios de producao... Sairam-se bem a Coreia do Sul, a China, o Japao, a Alemanha...
No caso das vacinas ha decadas que a UE deixou essa industria nas maos de outros... agora queixam-se que nao tem instrumentos politicos para influenciar o resultado...
2) quando foi altura das negociacoes dos contractos, a UE, correu outro risco: mesmo sabendo de antemao que a Pfizer, Moderna e Astra Zeneca tinham francamente resultados mais promissores, insistiram numa estrategia de compras que distribuisse as compras por varias empresas - estou a falar nomeadamente da Sanofi. A razao e de politica interna da UE. A Pfizer tem capitais Alemaes e americanos la metidos, a Astra Zeneca, capitais Suecos e primordialmente Britanicos, Moderna e Americana e a Sanofi e... Francesa. Se no principio do processo negocial faria sentido ter um portfolio alargado de fornecedores para garantir que se aposta em pelo menos um cavalo vencedor, a partir de certa altura quando se comeca a ter informacao da real natureza dos "cavalos" isso ja so faz sentido se, em vez de se usarem criterios tecnicos na distribuicao dos dinheiros no programa de compras, se quer e garantir que os dinheiros da Uniao sao atribuidos
de acordo com criterios de outra indole... Ora no caso da Sanofi tiverem muito azar, o processo de desenvolvimento dessa vacina encontrou grandes dificuldades.
3) Lembrar tambem depois outros pormenores: da vacina Moderna, na Europa nem se ouve falar - e Americana nao e europeia - nao interessa comprar - sendo certo que os americanos absorveram internamente quase todo o stock e sintomatico porque a Moderna acresce a vacina Russa e a vacina Chinesa, essas pior ainda, foram desenvolvidas pelos "maus"... quando e preciso a revista Lancet publicar um artigo a prova de bala sobre a vacina Russa e meses depois desse artigo a vacina permanece nao aprovada na UE fica tudo dito sobre o processo decisorio… E repare que no caso dos Russos estes estao dependentes da Europa ja que nao detem capacidade produtiva de relevo da sua propria vacina no seu territorio... Os chineses como e obvio "cagam" para o Ocidente e tratam da sua vidinha ja que tem o mercado interno e a capacidade produtiva para a sua vacina.
Gente mais sofisticada que eu chama a toda esta incompetencia europeia e resultado de "realpolitik" - eu digo que e resultado de uma mundivisao ao mesmo tempo funtamentalmente alucinada e profundamente racista do mundo em que Europa esta inserida e qual o seu real status e posicao neste seculo XXI...
Obrigado pelo elogio e sobretudo pelos acrescentos.
ResponderEliminarMas, como não domino o lado científico do tema, fico-me pelas superficialidades da questão política que, mesmo assim, abrange a substância do problema: a decisão de economizar foi política!
E, como também acredito que, apesar da obtusidade, na comissão não se chegou a este desfecho deliberadamente, importa questioná-la o que pensa fazer para corrigir a «borrada» que fizeram.
Nos modelos tradicionais (e sérios!) de Democracia é ao legislativo que compete ter esse papel de pedir satisfações ao executivo. Mas, neste caso concreto, tenho uma certa dificuldade em conceber o Parlamento Europeu a agendar a discussão do assunto com a convocação da Comissão Europeia. Como outrora (nos tempos do II Reich Alemão - 1871) Bismarck (Ursula) só tinha de prestar contas ao Kaiser (Angela), ignorando sobranceiramente as vontades do Reichstag (Parlamento Europeu).
Aliás, não é por acaso que, nesse mesmo Parlamento Europeu e quanto ao valor político dos debates que ali têm lugar, nos 42 anos em que existe eleito directamente pelos europeus, só foram apresentadas ali sete moções de censura e nenhuma foi aprovada - não é de estranhar: requer-se uma maioria de 2/3 (https://penguincompaniontoeu.com/additional_entries/censure-motion/).
Recriminações à parte: convinha que Ursula e a Comissão apresentassem um Plano B, para comporem a «borrada» da situação onde nos meteram...