07 março 2020

ANTÓNIO JOSÉ TEIXEIRA E O LIMITE DE CHANDRASECKHAR

«...alguém vai “carregar” nas cores e, porventura, se não estamos suficientemente preparados e informados, vamos ser “inoculados” com o tal medo, com o tal pânico que é um inimigo bastante maior do que o novo coronavírus. E esse é o problema. Mas esse problema não tem solução. (...) apenas se vai tornar mais intenso. Portanto a questão que se coloca numa sociedade assim é que temos que actuar face àqueles que propagam o medo, o receio e o pânico, com informação. Informação válida, informação que dê segurança às pessoas, que lhes diga o que é que têm que fazer, lhes dêem também a noção relativa da ameaça. E, por exemplo, em relação a este covid-19 (...) a taxa de mortalidade que a OMS diz que este vírus tem é de 0,7%. Zero virgula sete por cento. E para termos ideia do que isto vale, a gripe sazonal, a gripe dita “normal”, tem uma taxa de mortalidade de 1%. É baixa, mas é ainda superior. São dados da Organização Mundial de Saúde.»

Interrompa-se a transcrição desta passagem da participação de António José Teixeira no programa semanal de comentário, o Contraditório. O programa pode ouvir-se aqui, na totalidade, e a passagem supra começa aos 23:20 mas o que é importante para a continuação deste meu comentário é reter o que ele disse sobre a qualidade da informação («válida», «que dê segurança às pessoas») e sobretudo os números que António José Teixeira citou sobre a taxa de mortalidade do «covid-19»: Zero virgula sete por cento.

E permitam-me mudar a conversa para um outro tópico. Um artigo publicado há três dias na revista Universe Today, onde se discute a descoberta a 150 anos-luz de distância de uma estrela anã-branca super-maciça, que, pelas características, os astrónomos julgam resultar da fusão progressiva de duas estrelas menores, ambas anãs brancas também. Até aqui, os astrofísicos consideravam que a partir de 1,4 massas solares, o destino de uma estrela seria o de explodir como uma supernova. Como se realça na passagem abaixo do artigo, esse limite pode ser questionado com esta descoberta. Não aparecendo citado no artigo, posso acrescentar que o tal limite se designa por Limite de Chandrasekhar, o nome do físico indiano que o deduziu matematicamente há 90 anos.
Há até uma história interessante e cheia de moral no fim a respeito das dificuldades da aceitação do trabalho de Chandrasekhar numa Inglaterra repleta de preconceitos, que é contada pelo livro abaixo. Mas, liguemos este assunto com aquele por onde começámos. E pela importância de que, quando se fala publicamente de um qualquer assunto é preciso ter tido uma formação propedêutica a respeito. Ter lido Empire of the Stars não me transforma num astrofísico, mas foi-me muito útil para perceber o enquadramento do que pode estar em questão com a WDJ0551+4135 (é o nome da estrela...). Isso - algum conhecimento consolidado sobre o assunto de que se vai falar em público - costuma ser particularmente útil em vários outros ramos do saber (as artes, o direito, a economia ou a história), mas torna-se indispensável quando se trata das ciências duras.

É por isso que, se pode dizer ironicamente e com toda a segurança, que jamais se correrá o risco de ver um qualquer jornalista a discutir física quântica. Há artigos na Wikipedia, mas o jornalista típico nem sabe o que há de fazer com uma matriz(!). Chegados aqui e às limitações da classe profissional que mais aparece em público a dizer coisas, regressemos então a António José Teixeira e ao que ele disse no Contraditório sobre a qualidade da informação («válida», «que dê segurança às pessoas») e as taxas de mortalidade que citou. Estão erradas. Mais, grosseiramente erradas. Pior, a informação que o desmente foi prestada pelo director-geral da Organização Mundial de Saúde num briefing com a comunicação social que teve lugar há quatro dias. Há lá uma passagem onde se pode ler: «Em termos globais, cerca de 3,4% dos casos notificados de COVID-19 faleceram. Em comparação, a gripe sazonal geralmente mata muito menos de 1% daqueles que são infectados*». Obviamente, António José Teixeira enganou-se. Enganou-se nos dados e enganou-se na conclusão. O COVID-19 é mais letal do que as gripes sazonais. Agora devia retractar-se. E ficar calado daqui para diante para que a qualidade da informação seja válida e dê segurança às pessoas. Ou então pode ir estudar. O Relvas foi estudar.
* Globally, about 3.4% of reported COVID-19 cases have died. By comparison, seasonal flu generally kills far fewer than 1% of those infected.

6 comentários:

  1. Isso é uma estatística estupida que anda a circular no Facebook vai para uma semana.

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    1. Qual é a estatística estúpida?

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    2. Nem sabia que essa estatística disparatada existia.

      E nem quero acreditar que alguém com o traquejo de António José Teixeira tenha «emprenhado de ouvido» dessa fonte e com essa facilidade.

      É para isso que servem os estudos propedêuticos de alguns assuntos: para não cair em esparrelas.

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    3. Caro A Teixeira, pois a mim não me custa nada acreditar. O panorama merdiatico global em geral e português em particular e de uma superficialidade e ignorância de dimensões megalômanas. Qualidades cuidadosamente cultivadas convém frisar.
      Dizia o a Teixeira no outro dia acerca do público valente, tudologo acarinhado da direita portuguesa que sempre que o apanhou a comentar assuntos da sua área de especializacao profissional ele só escrevia esterco.
      Epidemiologia e doenças infecto contagiosas e a minha área. Com a honrosa exceção dos verdadeiros especialistas convidados para entrevistas ad hoc qual acha ser a minha opiniao das estrelas tudologas a vender o peixe nas praças britânicas e portuguesas?

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