27 de Abril de 1978. Se, nos quarenta anos precedentes, o Afeganistão fora um país esquecido ali no interior da Ásia, onde, de quando em vez, aconteciam umas coisas que não interessavam muito ao resto do mundo, nos quarenta anos que se seguirão desde a Revolução do Saur, o mesmo Afeganistão ganhará o prestígio duvidoso de raramente abandonar o destaque da informação mundial. Exemplo: a onda de atentados que devastou o país no princípio da semana... E tudo terá começado por um golpe de estado há quarenta anos. Mercê da sua condição de país vizinho da União Soviética, o Afeganistão era um dos raros países islâmicos onde o partido comunista tinha uma existência legal. Contudo, fruto da sociologia local, esse partido comunista afegão (denominado PDPA - Partido Democrático do Povo Afegão) estava dividido em duas facções rivais tão hostis entre si quanto o partido o seria em relação às outras formações políticas rivais. A fraqueza delas era a força de quem se lhes opunha, no caso o presidente. Razões circunstanciais (a morte suspeita de um dos dirigentes do partido, a que se seguiu uma vaga de prisões) terão feito que ambas as facções se tenham sentido ameaçadas e cooperado num pronunciamento militar em que os aviões de origem soviética da Força Aérea (os pilotos haviam sido ali formados) foram determinante no ataque ao palácio presidencial. Essa foi a acção decisiva da Revolução do Saur, que culminou na morte do presidente Mohammed Daud Khan. O detalhe do acontecimento está (bem) sintetizado na Wikipedia. O que aconteceu depois do golpe, a chegada dos comunistas ao poder com a sua agenda revolucionária e laica, criou uma dinâmica de enfrentamento local que acabou envolvendo as duas superpotências na década seguinte. Mas isso é outra história. Refira-se que Saur é o nome do mês do calendário iraniano em que os acontecimentos tiveram lugar - Revolução de Saur é, assim, uma espécie de reedição da nossa Revolução de Abril, expressão tão acarinhada pelos comunistas portugueses naquela altura. O que nos leva até a outra perspectiva da Revolução afegã, a da forma como ela foi noticiada entre nós, nomeadamente nos órgãos de informação desses mesmos comunistas (abaixo)...
No Diário de Lisboa do dia seguinte, repare-se como se enfatiza a bondade dos militares autores do golpe, qualificando-os de progressistas (um código bem compreendido pelos leitores de então como substituto de comunistas - ou seja, militares, mas dos bons) e como na descrição, necessariamente sucinta, da situação política num Afeganistão que era então desconhecido por essa época, se davam alguns pontapés na verdade e nos factos: «...o anterior regime proibia as actividades do Partido Comunista. (...) A rádio serviu-se da palavra persa «khalaq» (massas - nota: na verdade khalq) que serve também para designar o Partido Comunista». (Nota: como se viu acima o partido denominava-se PDPA e khalq referia-se apenas a uma das facções rivais desse partido; a outra era a Parcham). Portanto: um excelente trabalho de militância, um péssimo trabalho de jornalismo... A quem possa interessar: o selo que ilustra o poste está redigido em francês (para lá do persa) porque essa é que era a língua internacional da UPU.
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