27 novembro 2014

ISTO NÃO É UMA NOTÍCIA

René Magritte (1898-1967) não terá provavelmente pensado neste género de abuso que eu irei fazer à legenda de um dos seus mais famosos quadros, mas esta não-noticia que se tornou em notícia não a sendo começa por uma senhora inglesa chamada Susan Clark. Que é advogada. Que diz gostar muito do Algarve. Que os factos que se seguem comprovam gostar muito de cavalos. Que diz não gostar de ver cavalos maltratados. Especialmente no Algarve. E vai daí, resolveu lançar uma petição apelando ao boicote ao turismo no nosso país até que alguma coisa (something) seja feita. Valha o elogio do remate da petição, notando que Portugal é um país da CEE e não um país do Terceiro Mundo ¹. Pede a proponente que se alcance um objectivo de 10.000 assinaturas. Quando escrevo, a petição tem 3.352 assinaturas. Mau para a eficácia do boicote é que entre as últimas 250 assinaturas que constam do documento verifiquei que apenas umas 20 é que não residem em Portugal, o que obrigará, caso a amostra seja significativa, a que mais de 90% dos subscritores da petição tenham de ir de férias para o estrangeiro... Mas reconheça-se quanto o número de assinaturas já angariado não é despiciendo: é superior ao número de militantes envolvidos nas últimas eleições para a Convenção do Bloco de Esquerda.

Contudo, além da sua disposição para assinar entusiasticamente petições em que nos condoamos dos bichinhos, o povo português soube criar uma sabedoria tolerante a estas toleimas. Em vez da inglesa, podia ser uma sueca. Em vez de advogada, podia ser arquitecta. O amor pelo Algarve manter-se-ia mas o pretexto para o boicote podia ser dessa vez o facto de matarmos e comermos coelhos que por aquelas paragens nórdicas costumam ser considerados bichos de estimação. E lá se seguiria um novo corrupio de assinaturas entre duas pratadas de uma feijoada de lebre. Agora a sério: o que estraga a piada ao assunto são os jornais: a partir do momento em que isto aparece publicado num, aparece noutro e mais noutro e o assunto deixa de poder ser levado com a seriedade que merece. Tudo terá começado pela Lusa, pegou-se ao Diário de Notícias, ao i, ao Correio da Manhã, será que os outros títulos conseguem resistir à preocupação com esta emergente ameaça equina ao futuro da nossa indústria turística?

¹ Registe-se o rigor formal do documento: há mais de 20 anos que a expressão CEE foi abolida.

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