30 novembro 2014

ENQUANTO ISSO, PELA EUROPA...

Enquanto por cá nos vamos entretendo com a cobertura do XX Congresso do PS entremeado com a das excursões a Évora, pelo estrangeiro, David Cameron, fez um interessante discurso na Sexta-Feira em que anunciou pretender rever restritivamente as regras a aplicar aos imigrantes, incluindo os oriundos dos restantes países da União. A seis meses das eleições e saído de uma humilhante dupla derrota em eleições intercalares para os antieuropeístas do UKIP, para David Cameron as ameaças de expulsão do Reino Unido que foram expressas no princípio do mês por Angela Merkel já nem têm importância alguma porque o que está em causa é a sua própria sobrevivência política. O eleitorado tradicional dos tories parece ter abraçado em números substantivos o antieuropeísmo do partido de Nigel Farage e, se não o recuperar até Maio, Cameron arrisca-se não apenas a não ser reconduzido, como o próprio partido conservador se arrisca a sofrer, por causa da dispersão dos votos e da peculiaridade do sistema eleitoral britânico, uma derrota acabrunhante, na linha da sofrida pelos trabalhistas em 1983¹.

Do outro lado do Canal, realiza-se um outro congresso partidário, o da Frente Nacional, agora dirigido por Marine Le Pen, a filha do fundador. Numa daquelas entrevistas que se dão nestas ocasiões, na mesma Sexta-Feira do anúncio de David Cameron, Marine Le Pen prometeu um referendo, a realizar logo nos primeiros seis meses do mandato, na eventualidade de vir a ser eleita nas eleições presidenciais francesas que terão lugar em 2017. Trata-se um cenário improvável, mas o que torna a entrevista interessante é a apropriação de uma retórica e de um estilo gaullista (Marine Le Pen promete também resignar se do referendo não resultar o resultado que antecipa: a saída da União), um discurso inédito quando vindo de uma facção da direita francesa que, historicamente, só apoiou de Gaulle quando não havia mais nada a fazer. Simultaneamente, Nicolas Sarkozy regressa à presidência da UMP, os gaullistas legítimos, e já o imaginamos a fazer como Cameron, a radicalizar o discurso, atrás do prejuízo das simpatias que o populismo nacionalista congrega.

Em suma, em dois dos mais importantes países da União (excluída a Alemanha!), afiguram-se ameaças sérias de futuro à coesão europeia. No meio disto tudo, e retomando os trabalhos do congresso socialista por onde começou o texto, a forma como a questão da Europa e da União Europeia foi lá abordada até pareceu de que se trata de um assunto suprapolítico, cuja existência se dá por incontornável, fazendo lembrar aquelas monarquias europeias do Século XIX (ou princípios do Século XX) onde o regime se reformava mas não se questionava e a existência de republicanos era uma curiosidade política marginal, até que a turbulência dos tempos políticos acabava por impor a sua implantação - hoje há uma maioria de repúblicas, mesmo na Europa. Assim como naquela altura era a esquerda que nunca se reconheceu confortável na instituição monárquica, actualmente é a direita que não se reconhecerá desse mesmo modo na instituição europeia, e a História parece demonstrar-nos que não vale a pena tentar-se iludir as questões fingindo que elas não existem.

¹ Nessas eleições, os votos tradicionalmente trabalhistas dividiram-se significativamente entre trabalhistas e uma cisão social-democrata. Os conservadores, mesmo baixando a votação, reforçaram a sua bancada parlamentar por causa da dispersão dos votos da oposição, ficando com uma representação em deputados que era quase o dobro da dos trabalhistas (397 vs. 209).

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