02 novembro 2014

AS RATAZANAS DAS TRINCHEIRAS

Da história das trincheiras da Primeira Guerra Mundial também faz parte o aspecto nojento das ratazanas que rapidamente as passaram a povoar em condomínio com os soldados. Vulgares ratos do campo, habitantes ignorados das zonas inesperadamente retalhadas pelas vicissitudes da guerra, depararam-se subitamente com condições ideais para a sua proliferação (900 descendentes por ano!). Sobretudo quando, para além dos desperdícios de comida e dos outros...
...detritos humanos que costumam alimentar os ecossistemas das suas primas urbanas, estas ratazanas das trincheiras dispunham da fonte de alimentação suplementar dos cadáveres e de pedaços de corpos, inúmeras vezes impossíveis de sepultar, às vezes esquecidos depois dos combates, outras vezes ainda acidentalmente desenterrados pelas chuvas ou por renovados bombardeamentos de artilharia de novas ofensivas. Tanta abundância propiciava não só que...
...houvesse muitas ratazanas como serem grandes, gordas e ousadas as que se mostravam mais aptas à sobrevivência. Pelas fotografias percebe-se que a sua caça podia ser um passatempo das trincheiras, mas também seria uma necessidade. A tiro, à baioneta, à pazada, com o que estivesse à mão. De forma mais organizada havia quem criasse cães fox-terrier especialmente vocacionados para o efeito, como se vê nesta acima. Ou poderia haver quem procurasse tornar a actividade lucrativa, como...
...se sugere neste quadro de BD de Tardi, a cinco sous a cauda. Uma coisa é certa: as ratazanas eram verdadeiramente neutrais no incómodo - tanto vemos aqui fotografias de soldados franceses como de soldados alemães. E eram um inimigo nojento comum a eles todos: não são raros os episódios de ataques a soldados ainda feridos que se mostrassem incapazes de se defender. Perfeitamente comum era o facto de se  ser acordado por ratos que se passeavam descontraidamente...
...por perto, quando não mesmo por cima de quem dormia, em busca de comida. Ou comendo a que já haviam encontrado... Em Good Bye to All That, Robert Graves conta numa passagem que um oficial novato se permitiu o luxo de dormir numa cama de campanha num abrigo de trincheira para ser acordado a meio da noite por duas ratazanas que, em cima do seu cobertor, disputavam os restos de uma mão decepada. Os veteranos também descobriam como as..
...ratazanas haviam desenvolvido um estranho protocolo necrófago, na forma metódica como iam roendo os cadáveres que alcançavam: normalmente começavam pelos olhos e depois pelas partes onde havia carne em exposição, só depois o resto, conforme se ia decompondo. A última fotografia que escolhi para esta série não mostra ratazanas, apenas o resultado da sua actuação: um cadáver de um oficial alemão ainda vestido, mas com a face já totalmente descarnada.

2 comentários:

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.