A edição do Público de ontem deu destaque nas suas páginas iniciais a um estudo promovido pela OCDE sobre o bem-estar das populações dos países pertencentes à organização nos últimos 200 anos. Acompanhava-o uma bateria de gráficos sobre a evolução dos mais variados aspectos que podem servir para medir esse bem-estar, desde a esperança de vida à nascença, à altura média da população adulta, à percentagem de mulheres no parlamento ou à desigualdade da distribuição da riqueza na sociedade medida pelo índice de Gini, cuja evolução se pode acompanhar no gráfico acima (pode ser ampliado clicando-lhe em cima). Descontando a evolução errática ao longo dos 170 anos (1820-1990) abrangidos pelo estudo da OCDE, fica por perceber, por ausência de marcação do eixo das abcissas, quais foram os momentos de inflexão no processo de distribuição da riqueza nestes últimos 200 anos da História de Portugal, tarefa a que me dediquei no gráfico abaixo.
Assim, nunca a sociedade portuguesa haverá caminhado tão drasticamente para uma situação mais equitativa como nos primeiros anos do Século XIX, mas esse processo interrompeu-se e até se inverteu com o final das Guerras Liberais. A redução das assimetrias, a um ritmo menos acentuado, só terá recomeçado com a Regeneração. Sob o Fontismo a tendência ter-se-á tornado a inverter em prol de mais desigualdade até sensivelmente ao fim da Monarquia. E durante a Primeira República terá recomeçado. Surpreendentemente, sob o Estado Novo registam-se duas fases: um agravamento das desigualdades até aos primórdios da Segunda Guerra Mundial e uma redução a partir daí. Ainda mais surpreendentemente e ainda de acordo com os dados daquele estudo, desde o 25 de Abril até ao Cavaquismo, o índice que regista as desigualdades de riqueza estabilizou nos valores que registava no tempo do Marcelismo. Há conclusões que nos parecem contra-intuitivas, não apenas a evolução pós-25 de Abril, também a do Fontismo ou a dos dois ciclos do Estado Novo. A informação estava lá disponível para quem a soubesse trabalhar mas tornou-se típico do jornalismo, por falta de espaço, tempo e também engenho dos profissionais, passar ao lado de uma boa análise em detrimento da informação que lhes é pré-confeccionada de antemão.
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