Tem estado a decorrer uma interessante troca de opiniões numa caixa de comentários longínqua, entre este vosso criado e um seu homólogo autor de blogue, flamengo, que se assina (paradoxalmente) pelo pseudónimo de alfacinha. O pomo da conversa foi um poste que eu publiquei, intitulado Olhar Para o Chão, a respeito do paradoxo de, ao mesmo tempo que se embandeira em arco com a unidade europeia e novos tratados frescos, parece que se evita deliberadamente olhar para o caso da Bélgica, um país cada vez mais em vias de desagregação, o chão da própria Comissão Europeia, que está sedeada em Bruxelas…
É prova de coragem e cortesia que o alfacinha se proponha debater este assunto sobre o seu país num idioma que não o seu, proeza que não lhe posso retribuir, porque não sei flamengo. Por isso tomei a iniciativa de publicar este poste sobre o mesmo assunto, dando mais visibilidade ao assunto e ao debate. As explicações (leiam-se os comentários) que até agora o alfacinha tem tido a amabilidade de produzir parecem apontar sempre para a responsabilidade exclusiva da comunidade francófona pela crise que o seu país atravessa. Ora, parece-me ser muito mais provável que, naquelas circunstâncias, sejam precisos dois para dançar o tango, como se costuma dizer.
A explicação que hoje recebi (e agradeço), é a das causas históricas para que Bruxelas se tenha tornado ao longo do Século XIX uma cidade predominantemente francófona, como acontece actualmente, tornando-se uma espécie de ilha de estatuto bilingue, encravada no meio da Flandres (acima). Mas há uma diferença importante entre o que se passa na Bélgica e o exemplo que deu para o criado inglês que, em Portugal, me informa na sua língua nativa que, com muita pena, não sabe falar português: eu posso solicitar a presença da ASAE* para que feche o estabelecimento porque o inglês não é uma língua nacional portuguesa e é obrigatório que os clientes possam ser atendidos nesse idioma.
Ora o que eu retirei das suas explicações (o alfacinha corrigir-me-á se estiver enganado) é que a Bélgica tem uma língua nacional (flamengo) que 40% da sua população (na Valónia) não pretende aprender a falar, e tem outra língua nacional (francês) que os outros 60% da população (na Flandres) fazem questão de não falar como retaliação… Onde é que os bilingues (e haverá milhões de belgas que o são) encaixam neste desenho não sei… E nem sei porque é os belgas, com a sua proverbial organização, ainda não se lembraram de distribuir por aeroportos e similares manuais explicativos das sensibilidades linguísticas nacionais para informação dos estrangeiros… (se calhar já há...)
O que apreciaria que o alfacinha me pudesse explicar, coisa que nenhum belga me conseguiu fazer, era o enquadramento dos fenómenos sociológicos e económicos que fizeram com que, em 1830 (clicar no mapa acima), a alta burguesia de Antuérpia (e de outras cidades como Gent ou de Brugge) preferisse alinhar com os revoltosos e separarem-se do Reino dos Países Baixos, com quem compartilhavam cultura e idioma? E, no caso das províncias do sul, até mesmo a religião? E se essa solução de 1830 de juntar flamengos e valões católicos debaixo de uma mesma bandeira foi um erro crasso, porque se passaram 177 anos e ninguém se decide a reconhecê-lo?
Depois de 1989, o mapa da Europa readquiriu dinamismo. Houve países que se cindiram suavemente (Checoslováquia) e outros de forma sangrenta (Jugoslávia). Se a diferença de idiomas foi invocada frequentemente (checo e eslovaco), houve episódios no caso da Jugoslávia em que o condomínio de um mesmo idioma falado (o servo-croata) não impediu a cisão sangrenta. Mas suponho que se engana quem pensar que a tradicional civilidade da Europa ocidental conduzirá a Bélgica a um outro divórcio de veludo como no caso da Checoslováquia. A existência de Bruxelas leva-me a crer que a secessão das partes não será tão simples como recortar pelo picotado...
* Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.
A explicação que hoje recebi (e agradeço), é a das causas históricas para que Bruxelas se tenha tornado ao longo do Século XIX uma cidade predominantemente francófona, como acontece actualmente, tornando-se uma espécie de ilha de estatuto bilingue, encravada no meio da Flandres (acima). Mas há uma diferença importante entre o que se passa na Bélgica e o exemplo que deu para o criado inglês que, em Portugal, me informa na sua língua nativa que, com muita pena, não sabe falar português: eu posso solicitar a presença da ASAE* para que feche o estabelecimento porque o inglês não é uma língua nacional portuguesa e é obrigatório que os clientes possam ser atendidos nesse idioma.
Ora o que eu retirei das suas explicações (o alfacinha corrigir-me-á se estiver enganado) é que a Bélgica tem uma língua nacional (flamengo) que 40% da sua população (na Valónia) não pretende aprender a falar, e tem outra língua nacional (francês) que os outros 60% da população (na Flandres) fazem questão de não falar como retaliação… Onde é que os bilingues (e haverá milhões de belgas que o são) encaixam neste desenho não sei… E nem sei porque é os belgas, com a sua proverbial organização, ainda não se lembraram de distribuir por aeroportos e similares manuais explicativos das sensibilidades linguísticas nacionais para informação dos estrangeiros… (se calhar já há...)
O que apreciaria que o alfacinha me pudesse explicar, coisa que nenhum belga me conseguiu fazer, era o enquadramento dos fenómenos sociológicos e económicos que fizeram com que, em 1830 (clicar no mapa acima), a alta burguesia de Antuérpia (e de outras cidades como Gent ou de Brugge) preferisse alinhar com os revoltosos e separarem-se do Reino dos Países Baixos, com quem compartilhavam cultura e idioma? E, no caso das províncias do sul, até mesmo a religião? E se essa solução de 1830 de juntar flamengos e valões católicos debaixo de uma mesma bandeira foi um erro crasso, porque se passaram 177 anos e ninguém se decide a reconhecê-lo?
Depois de 1989, o mapa da Europa readquiriu dinamismo. Houve países que se cindiram suavemente (Checoslováquia) e outros de forma sangrenta (Jugoslávia). Se a diferença de idiomas foi invocada frequentemente (checo e eslovaco), houve episódios no caso da Jugoslávia em que o condomínio de um mesmo idioma falado (o servo-croata) não impediu a cisão sangrenta. Mas suponho que se engana quem pensar que a tradicional civilidade da Europa ocidental conduzirá a Bélgica a um outro divórcio de veludo como no caso da Checoslováquia. A existência de Bruxelas leva-me a crer que a secessão das partes não será tão simples como recortar pelo picotado...
* Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.
Caro
ResponderEliminarDesculpe me para o português que uso, tenho uma vocabulário limitada e os verbos, um pesadelo.
Depois da derrota do Napoleão em Waterloo, os aliados decidiram de reconstruir os países baixos do Carlos quinto.
A separação com a Holanda não ocorreu com a vontade dos flamengos (oprimidos pelos francófonos), ao contrário a cidade de Antuérpia sofreu muito da separação pois com o encerramento do rio Escalada acabaram imediatamente as actividades económicas do porto mundial e ainda pior, uma grande parte do território ficou nas mãos dos holandeses ( Brabanto, Limburgo e o ducado de Luxemburgo)
Desde os anos sessenta têm cada comunidade um território demarcado onde as leis estão em vigor da própria comunidade. Assim como em Portugal seja obrigatório falar o idioma corrente da região. A região de Bruxelas é a única que tem um estatuto bilingue, o francês é a mais falada língua em Bruxelas, os nomes das ruas, a polícia, os funcionários todos devem falar as duas línguas mas, a administração tem que ocorrer nas duas línguas? Hoje em dia em Bruxelas, os flamengos representam 20 por cento da população mas já expliquei porque a língua flamenga perdeu terreno. Na Valónia não há nenhum problema com os flamengos que além se estabilizarem. Isto não pode dizer na região de Flandres, os francófonos não querem respeitar as leis da região. Também há outros problemas mas isto é demasiado difícil explicar, por isso limito me e falo somente sobre a língua. Desde anos e anos os belgas dançam juntos, mas uma vira portuguesa, é conhecida como dança alegre mas infelizmente uma dança muita cansativa.
Talvez saiba, mas a wikepédia não seja um médium de confiança.
Cumprimentos de alfacinha -belga
Caro alfacinha
ResponderEliminarOs meus elogios nunca serão suficientes para demonstrar o meu respeito pela sua coragem de debater estes assuntos em português. Mas isso não me deve impedir de analisar os assuntos de que fala com objectividade. Ora a maneira como descreve a Bélgica durante os 130 anos que vão de 1830 até 1960 parece a de uma colónia em plena Europa, em que havia uma comunidade colonizadora (francófona) e outra colonizada (flamenga), a burguesia flamenga foi enganada em 1830 (Antuérpia, Gent, etc.) e, por incrível que pareça, a comunidade flamenga não teve oportunidade nos 130 anos seguintes de corrigir esse erro…
Ora isto, alfacinha, tem de ser uma discrição demasiado simples do que se passou… A não ser que a discrição completa do que se tenha passado não tenha interesse para a causa política moderna que se defende… É como a discrição da colonização francesa da Argélia (1830-1962) quando é feita pela FLN, e onde os franceses nada fizeram de positivo durante a sua dominação… Uma Bélgica onde, por 130 anos, as duas comunidades não beneficiaram reciprocamente da sua coexistência e a culpa foi toda dos francófonos parece coisa com a assinatura do Vlaams Belang… Uma e outra (FLN e VB) são propaganda, mas não são História…
Cumprimentos
PS – Olhe que não tenho qualquer preconceito contra causas separatistas. Ainda recentemente aqui demonstrei que teria muito gosto que os madeirenses (da ilha da Madeira) fossem submetidos a um plebiscito a saber se querem continuar a ser portugueses.
Uma das razões que explica a existência actual de 2 comunidades na Bélgica é o facto de que desde finais do século XVI, em que as províncias do Norte se autonomizaram, no território do Sul, designado por Países Baixos Espanhóis (e a partir do início do sec.XVIII, Países Baixos Austríacos), conviveram as duas comunidades, que embora com línguas diferentes, tinham a mesma religião (diferente da professada maioritariamente na Holanda). Por outro lado, julgo que de 1815 a 1830 o poder político esteve em mãos holandesas, que relegou para posições secundários os seus "irmãos" do sul.
ResponderEliminarUm abraço
Pedro Cabral
Um facto importante para explicar a Bélgica com as duas comunidades é a sua coexistência desde o século XVI, a partir do momento em que as provincias do Norte se autonomizaram. Assim as duas comunidades têm uma vida comum desde essa altura, com vários séculos. Outro motivo que terá levado os flamengos a optaram pela Bélgica em 1830, terá sido o receio de subalternização perante os holandeses.
ResponderEliminarUm abraço
Pedro Cabral
Em primeiro lugar, uma ERRATA de um erro meu, enorme, escrito não uma mas TRÊS vezes no meu comentário: no início do segundo parágrafo trata-se obviamente de descrição (de descrito) e não de discrição (de discreto)...
ResponderEliminarOlhem se o alfacinha batalhando com o português se dispõe a aprender por mim...
Em segundo lugar, um especial agradecimento ao Pedro Cabral pelos esclarecimentos dos seus comentários. Por eles se fica a saber que os belgas até têm um passado em comum a que as facções no momento político actual não pretendem dar relevo. Mas esse passado comum existe, apesar de não ser conveniente invocá-lo no momento actual.
Caro A.Teixeira
ResponderEliminarDefendi a minha língua materna numa maneira unilateral talvez, mas nunca tenho advogado para a separação da Bélgica nos meus escritos. Nem sou um adepto duma partida ultra direito ou qualquer partida separatista. Embora admire o seu talento para se informar profundamente, mas nunca tenho notado, que a minha explicação esclareceu o problema sério do veneno disfarçado do afrancesamento para as comunidades flamengas em redor da Bruxelas. Apesar de tudo, você deu me a solução na sua resposta,"do empregado que não falava o português". Põe em vigor a lei.
Abraço alfacinha
Caro alfacinha
ResponderEliminarTenho que lhe pedir desculpa. Lendo o que escrevi mais acima é possível interpretá-lo que o considerei como simpatizando com o Vlaams Belang (VB). Não era essa a intenção, mas a de exemplificar (com a FLN ou o VB) quanto o nacionalismo em excesso acaba por distorcer a História em benefício da sua causa. Continua com razão quando afirma que nunca defendeu a separação da Bélgica, fui eu que introduzi o problema ao mencionar o VB. Apenas não gosta dos francófonos.
Creia-me que já conheci inúmeros exemplares francófonos que ainda estão convencidos que a língua deles é muito importante. São insuportáveis e anacrónicos… Tanto quanto os ingleses que estão convencidos que o inglês é a língua universal de comunicação por causa do seu país e não dos Estados Unidos… Tanta petulância misturada com tanta ignorância é difícil de aceitar… Mas será que o problema belga se esgota na falta de cumprimento da lei pelos francófonos, conforme afirma?
Qual é o equivalente em radicalismo e xenofobia ao VB do lado francófono? Se existe, qual é o seu peso eleitoral? Não será possível imaginar um seu compatriota francófono a devolver as acusações à comunidade flamenga invocando os ideais do VB? E, se é verdade que Bruxelas já foi uma cidade predominantemente flamenga, quantos séculos se podem recuar? Napoleão invocou o período romano para anexar toda a margem esquerda do rio Reno… Colónia (para vocês Keulen) foi uma colónia de fundação romana, muitos séculos depois é que lá começaram a falar alemão…
Caro alfacinha, para um estrangeiro, há coisas entre os belgas que, vistas de fora, parecem um absurdo. A página de Jacky Ickx na internet tem uma versão francesa e outra inglesa, mas não flamenga… Os belgas flamengos não gostam do Jacky Ickx?
A página de Eddy Merckx tem uma versão flamenga e outra inglesa, mas não francesa… Os belgas francófonos não gostam de Eddy Merckx? Que se segue? Vão alterar os rótulos das vossas excelentes cervejas? Vai deixar de haver cervejas da Bélgica – ou são da Flandres ou da Valónia? E quem ficará com o Tintin?
Caro A. Teixeira
ResponderEliminarQue merece tanto atenção da sua parte, acho admirável. A sua pergunta, se os habitantes da Bélgica têm um sentido belga comum. Confesso, neste caso ainda há pouco que as comunidades unem. Se os habitantes de Bruxelas tiverem feito da bilingue uma coisa de honra. Então, eles estiveram o factor crucial para unir o país num projecto comum. Embora ocorresse infelizmente o contrário.
O único momento nacional comum que me lembro, foi durante a morte inesperada do rei Bodewijn ou quando as duas atletas de ténis belgas Kim Cleysters e Justin Henin dominavam o ténis. O futebol, a única coisa nacional (o equipe tem jogadores de duas comunidades) provoca por falta de sucesso pouco ânimo belga. Como o maior belga foi eleito em Flandres "o padre "Damião dos leprosos "e na Valónia" o Jacques Brel ". Então mesmo, não conseguimos escolher um herói comum, mas deve sublinhar dizer que o Eddy merkx chegou ao lugar terceiro.
A separação! Vivemos junto desde os duques de Burgúndio se instalaram em Flandres e juntos sobrevivemos os espanhóis, os austríacos, o Napoleão, os holandeses a grande guerra e a guerra mundial, por isso não há razão para separar, só temos necessidade de bom senso.
Com amizade
Caro Alfacinha:
ResponderEliminarFiquemo-nos por esses seus votos de bom senso, que os factos actuais (a ausência de um governo nacional há mais de cinco meses) parecem apontar para que as duas comunidades conseguem conviver bem sem governo nacional… Será que não vale a pena experimentar como funcionará a Bélgica sem ele?...
Mais a sério, a propósito da sua referência ao vosso rei Balduíno, proximamente hei-de aproveitar para escrever um poste sobre o pai de Balduíno, Leopoldo III, uma história que eu considero trágica, que deperta simpatia, mas que é pouco conhecida fora da Bélgica…
Cumprimentos