10 novembro 2007

DO VIETNAME PARA A ÁFRICA PORTUGUESA – 6

Há uma certa dose de injustiça histórica na forma como Marcello Caetano costuma ser condenando por não ter aproveitado o clima de abertura à sua disposição para proceder à transição do regime. Parafraseando o discurso de Salazar de 1961, Marcello teria que ter reformado depressa e em força, sem hesitações nem enganos nas medidas que viesse a assumir, com prazos apertados para recuperar o tempo perdido. Teria sido excepcional se tudo isso tivesse funcionado em conjunção... Se Richard Nixon era o novo Presidente dos Estados Unidos, oriundo do Partido Republicano*, Marcello Caetano era apenas o sucessor de Oliveira Salazar, obrigado a propagandear slogans como Evolução na Continuidade para apaziguar os seguidores que herdara do antecessor…
Contudo, interpretando o ambiente político dominante mais liberal, os Comandantes-Chefes dos três Teatros de Operações africanos tornaram-se mais ousados e imaginativos nas suas manobras a partir do final da década de 60. Era também o dilema da Administração Nixon quanto ao problema vietnamita: como proceder à retirada das suas forças sem dar mostras de fraqueza negocial perante os antagonistas do Vietname do Norte? Houve uma resposta táctica – o aumento da pressão militar dirigida ao próprio Vietname do Norte (com bombardeamentos aéreos) – e uma outra resposta indirecta ao nível da grande estratégica – procurando criar uma cunha entre o bloco de potências (União Soviética e China) que apoiava o Vietname do Norte.
É nesse sentido que aparece a visita (na altura, considerada histórica) de Richard Nixon à China em Fevereiro de 1972. Uma das consequências óbvias desta aproximação dos Estados Unidos à China, além das mais importantes no quadro da grande disputa da Guerra-Fria, foi o enfraquecimento da posição negocial do Vietname do Norte, numa altura em que era desejo dos Estados Unidos livrar-se de vez desse problema. Mas a imaginação e a ousadia também se mostrou nos Teatros africanos. Em Moçambique elas exprimiram-se numa grande Operação à americana (baptizada Nó Górdio) cujo objectivo, anunciado pelo Comandante-Chefe Kaúlza de Arriaga, seria o de desalojar o dispositivo militar dos guerrilheiros da FRELIMO instalado em território moçambicano.
Como já foi aqui mencionado num poste anterior**, a Operação veio a revelar-se um grande fracasso, a médio prazo... Contudo, a situação geográfica moçambicana tinha o benefício de estar rodeado por dois países amigos: a África do Sul e a então Rodésia. A vantagem principal no Teatro angolano, utilizada para a neutralização da guerrilha no Leste do país, a partir do início da década de 70, foi a coexistência de 3 movimentos guerrilheiros, usados na manobra montada pelo Comandante-Chefe local (Costa Gomes) para se neutralizarem mutuamente. Mas, vale a pena mencionar que, desde o princípio dos conflitos, o Teatro angolano foi sempre aquele que, comparativamente, dispôs sempre de mais recursos, como se pode ver no gráfico abaixo, com a evolução dos efectivos em cada Teatro (clicar em cima, para ampliar).
Fica para o fim a figura mais imaginativa e ousada entre os Comandantes-Chefes, o da Guiné: António de Spínola. Acumulando os dois cargos supremos da província (militar e civil), frente a um inimigo coeso (ao contrário do que acontecia em Angola) e sem vizinhos confiáveis (como em Moçambique), algumas das suas iniciativas, batendo as dos seus homólogos indiscutivelmente, em imaginação e ousadia, são hoje de perguntar se não transbordavam das suas competências políticas. Foram os casos das suas tentativas de negociações directas com Leopold Senghor, Presidente do Senegal, ou da Operação Mar Verde (Novembro de 1970), destinada a derrubar Sékou Touré, Presidente da Guiné-Conakry. Spínola parecia disposto a agir autónomo de Lisboa.

* O seu antecessor, Lyndon Johnson, pertencia ao Partido Democrático.
** TRÊS LIVROS, TRÊS FRENTES E TRÊS ABORDAGENS DISTINTAS DA GUERRA COLONIAL

(Continua)

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