
A instabilidade financeira global desencadeou uma vaga de nacionalismo monetário – a ideia que as nações devem ter e controlar as suas próprias moedas. Mas globalização e nacionalismo monetário tornam-se numa combinação perigosa, uma causa para crises financeiras e tensões geopolíticas. O mundo precisa que se abandonem as moedas indesejadas, substituindo-as por dólares, euros, e outras moedas internacionais que ainda estão para nascer.
O meu primeiro comentário vai para a oportunidade da publicação do artigo. É provável que o autor de há muito defenda as ideias que expõe no artigo. No entanto, é mais do que provável que à Foreign Affairs não lhe tenha escapado a oportunidade de publicar opiniões revisionistas ao sistema monetário mundial vigente depois da desvalorização progressiva que a divisa norte-americana tem vindo a sofrer ao longo dos últimos meses (e que, à data em que escrevo, não se sabe onde terminará).
Visivelmente, o artigo foi escrito por um bom especialista, como se percebe pela descrição histórica de enquadramento dos vícios que, na opinião dele, prejudicam o funcionamento dos mercados cambiais mundiais actualmente. Está cheia de factos verdadeiros, mas pejada de conclusões enviesadas, a começar, como se lê no princípio do sumário, pela tese da vaga de nacionalismo monetário que jamais deixou de existir… O que creio que há, é um fenómeno novo, como veremos mais adiante…
Mas, mesmo havendo concordância global (com discordâncias de pormenor) na evolução histórica do funcionamento dos mecanismos cambiais à escala mundial, a minha concordância desaparece quando começam as propostas de Steil para que esses mecanismos melhorem. Para ele, os tais exercícios de nacionalismo monetário (de que aponta vários exemplos, sobretudo latino-americanos) são apenas perniciosos e um bloqueio ao funcionamento harmonioso da globalização.
Mencionando-o, Steil desvaloriza as capacidades do Fundo Monetário Internacional (FMI) em lidar com esses assomos de nacionalismo monetário, quando torna o país prevaricador num pária do sistema financeiro mundial. Para Steil, numa ideia que não é desprovida de atractivos técnicos, dever-se-ia regressar às regras de funcionamento do mercado liberalizado e globalizado dos finais do Século XIX, inícios do XX, e também à indexação ao padrão ouro, abandonada desde 1971.

O sistema financeiro mundial é tutelado pelo Banco Mundial (BM) e pelo FMI e por, detrás deles, pela oligarquia dos países mais ricos: não é por acaso que existe um acordo informal atribuindo a presidência da primeira organização a um norte-americano e a da segunda a um europeu... E não é difícil de adivinhar quais serão as regras de funcionamento da economia privilegiadas pelos seus órgãos superiores de decisão quando são chamadas a intervir em países onde a expressão do nacionalismo monetário corre mal…
Significativamente, este modelo BM/FMI tem funcionado desde 1945, e nem mesmo potências em ascensão como o Brasil conseguiram evadir-se às regras por ele impostas. O que haverá de novo (que Steil designa por vaga), que leva à necessidade da invocação da liberdade do funcionamento dos mercados? Em minha opinião, a grande diferença é que os nacionalistas mal comportados do passado (o Brasil, a Argentina) acabavam sempre por poder ser controlados. Alguns nacionalistas do Século XXI, não…
A China parece-me ser o grande expoente do nacionalismo monetário a que Steil, curiosamente (ou não…), apenas faz referências casuais ao longo de todo o seu artigo. Com o seu superavite acumulado na Balança de Transacções Correntes (BTC), as suas reservas em divisas, a China está imune às coacções que do exterior lhe possam fazer, nomeadamente para que revalorize a sua moeda (yuan), que se encontra actualmente indexada ao dólar, conforme nos Estados Unidos têm repetidamente insistido.
Os interesses de chineses e norte-americanos não são antagónicos, no que concerne à fixação da cotação da moeda norte-americana. Mas no tal mercado aberto que propõe, e como o próprio Steil assinala, o peso da economia chinesa ainda equivaleria apenas ao da Califórnia e da Florida combinadas… A China nada teria a ganhar e a sua capacidade de influência ficaria diluída com essa abertura. Seria uma perda da sua capacidade de autonomia estratégica. Mau grado o conteúdo técnico e científico, a proposta do artigo é política e parece-me ter um destinatário.
Todo o artigo é afinal, apesar das aparências, sobre poder. Faz-me lembrar um outro artigo muito mais popular, mais extenso e mais antigo (1848), onde, a pretexto de uma análise técnica e científica (neste caso sobre história e sociologia) se concluía também pelas vantagens da globalização… Outra globalização, que o artigo tinha o título de Manifesto Comunista! O seu sumário era: Proletários de todos os países, uni-vos! Ainda hoje se pode lê-lo a embelezar cabeçalhos de muitas publicações… mas não propriamente científicas.

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