12 novembro 2007

O ESPERANTO DAS MOEDAS

O esperanto é uma língua artificial, criada em 1887 com o objectivo de se tornar a língua internacional de comunicação. Não deve ter sido coincidência que o seu inventor fosse um judeu polaco de ascendência lituana de nome Zamenhof que como judeu, falaria iídiche em casa (um idioma próximo do alemão) e polaco na rua, mas que havia nascido numa cidade (Bialystok) onde também se empregava o lituano e o bielorrusso, e que pertencia ao Império Russo. É aliás em russo que o primeiro livro sobre o esperanto é publicado.

O atractivo do esperanto como idioma é a sua regularidade, idealmente concebida para facilitar a sua aprendizagem: as regras de formação dos plurais são sempre as mesmas, assim como a dos advérbios, não há nenhuns desses pesadelos das conjugações irregulares, o vocabulário foi criteriosamente escolhido para parecer familiar ao maior número de falantes europeus, com uma proporção seleccionada de vocábulos de origem latina e de origem germânica. Na leitura, a cada letra corresponde um som, e vice-versa.
Mas, apesar de todos esses predicados, o esperanto nunca conseguiu destronar, primeiro o francês e, mais tarde, o inglês como o idioma privilegiado para a comunicação internacional. Há algo de muito semelhante que se passa com as moedas. Evitando fazer aqui uma História da Moeda, sempre houve uma moeda dominante no comércio internacional, que normalmente correspondia à moeda da potência dominante nesse período histórico. Tradicionalmente, essa força era expressa pelo conteúdo em ouro.

Nos tempos modernos, com a libra esterlina ou o dólar, a conexão entre a moeda e o ouro deixou de ser física para se tornar simbólica. E, depois de 1971, nem isso, porque durante a administração Nixon o dólar perdeu essa indexação ao valor-ouro. Uma das consequências desse abandono foi que a moeda de referência internacional passou a ser passível de oscilações muito mais pronunciadas. E é em momentos como o actual que se percebe a inconveniência disso, quando a referência desata a deslizar, deixando de o ser.

Escrito num jornal de divulgação geral como o Washington Post, e dirigido a um público alargado, mas não especialista, ficará a impressão para o leigo que caminhos para a solução da recuperação da solidez do mercado cambial poderão ser encontrados com a substituição do dólar por uma nova moeda internacional (de criação privada), que estaria indexada em relação ao ouro ou a um cabaz de mercadorias de cotação internacional, tal qual é mencionada no fim de um artigo do Washington Post de hoje.
Ficou por dizer no artigo que há mais de 25 anos há uma moeda internacional de referência, criada pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), que se chama SDR (Special Drawing Rights) e cuja cotação é resultado ponderado de 4 divisas: dólar, euro, iene e libra. Como o esperanto, quase ninguém a usa e ninguém se lembra dela. Mas, suponho que a grande novidade da nova moeda agora proposta, para além da sonoridade do nome – ouro digital – terá a ver com a sua criação e gestão – privada…

Mas isso de propor a privatização da gestão dos mercados cambiais, independentemente da bondade dos argumentos do artigo que foi apresentado na edição de Maio/Junho da revista Foreign Affairs que irei ler cuidadosamente, parece-me que já não é assunto do âmbito da política cambial, é do âmbito da política – ponto final… E mesmo que essa distinção possa estar explícita no artigo de Benn Steil na Foreign Affairs, não o está de todo no artigo de Sebastian Mallaby no Washington Post

2 comentários:

  1. Do Esperanto já tenho lido vários artigos, até por alguma relação que tenha com os princípios da Fé Bahá'í mas quanto ao SDR é a primeira vez.
    O problema do SDR poderá ser o mesmo do Esperanto, aquela falta de sentido de pertença. Ausência de alma.

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  2. Embora desconfie que o emprego de metáforas espirituais não sejam aplicadas frequentemente em problemas de política cambial - é isso mesmo, João Moutinho. Se não falta alma ao SDR, falta a quem se disponha a defender a sua existência como divisa neutra.

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