06 novembro 2007

DO VIETNAME PARA A ÁFRICA PORTUGUESA – 2

A dificuldade de encontrar um equivalente a Robert McNamara entre a parte portuguesa é consequência das idiossincrasias das estruturas do poder do Estado Novo português. Ninguém poderia ter desempenhado um papel equivalente ao de McNamara na condução política de um assunto sensível com excepção do próprio Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar… Consegue-se encontrar entre os que estavam próximos do poder, quem se pudesse assemelhar ao Secretário da Defesa norte-americano em determinação, ambição e brilhantismo (Adriano Moreira é o nome mais óbvio), mas depois havia a evidência prática que o círculo de poder próximo do Presidente do Conselho não permitiria estrelas que ofuscassem o brilho da estrela maior.
Convém esclarecer, por rigor, que Robert McNamara – que foi Secretário da Defesa tanto do Presidente Kennedy como do Presidente Johnson (de 1961 a 68) – também foi um fenómeno bizarro na política americana, alguém que conduzia a política de defesa como uma latitude que antecessores e sucessores nunca conseguiram – até à chegada de Donald Rumsfeld ao mesmo posto em 2001… Mas o paradoxo da situação portuguesa é que a mesquinhez que acompanhava a proximidade do poder e que impedia que houvesse uma condução de uma política ultramarina com alguma autonomia (como Adriano Moreira se veio depressa a aperceber, abandonando a pasta do Ultramar logo em 1963), acabava por ter que coexistir com uma grande liberalidade concedida a quem desempenhava funções de direcção no terreno.
Em 1970, ano da morte de Salazar e quando a centrifugação que as guerras costumam fazer aos apontamentos por outros critérios que não o mérito, já procedera ao afastamento dos dirigentes coloniais e militares menos capazes, a metodologia político-militar que era adoptada para a condução da contra-subversão em Angola (com Costa Gomes) era diferente da seguida na Guiné (com Spínola) e esta, por sua vez, também era diferente da praticada em Moçambique (com Kaúlza de Arriaga). Havia uma heterogeneidade de métodos que seria impensável no Vietname contemporâneo, apesar da presença (frequentemente esquecida) de outros contingentes militares estrangeiros não norte-americanos – 45.000 sul-coreanos e 6.700 australianos e neozelandeses.
Mas, regressando ao estudo das hipóteses do que poderia ter corrido de forma diferente, no caso da Guerra do Vietname, as opiniões mais ponderadas reconhecem que, dado o espírito dominante na América dos anos 60, se afigura muito provável que quaisquer equipas que houvessem sido reunidas pelas administrações democratas teriam tomado decisões não significativamente distintas daquelas que foram tomadas. A perspectiva do conflito vista de Washington era distante e concentrada em abstracções da lógica da Guerra-Fria (A Teoria do Dominó*), embora impermeável às subtilezas estratégicas da história do Vietname (que vê na China o seu inimigo tradicional…) e impermeável às subtilezas tácticas de travar uma guerra de contra-subversão.
De igual modo, o campo de recrutamento de onde se poderiam recrutar as elites dirigentes portuguesas nos inícios da década de 60 não era muito alargado. Recorde-se que, à excepção do PCP, que escolhera o lado que lhe competia nas fronteiras da Guerra-Fria, e era por isso completamente alinhado com as posições anti-colonialistas soviéticas, a questão colonial não era assunto que merecesse a pena ser realçado pela Oposição Democrática como forma de se distinguir do Estado Novo. Num exercício especulativo arriscado, admitindo a possibilidade de que Humberto Delgado tivesse assumido a presidência em 1958 dando lugar a algum tipo de acomodação com o regime, é demasiado ousado assegurar que o que se viria a passar em Angola em 1961 aconteceria de maneira substancialmente diferente…

* Teoria que, sucintamente, estabelecia que o facto de um país passar a ser governado por um regime comunista, provocaria efeito semelhante nos seus vizinhos, tal qual o efeito da queda das pedras de um dominó – daí o nome.

(continua)

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