05 julho 2006

UMA HISTÓRIA MAL CONTADA

Costumo considerar que a essência das histórias têm de ter um equilíbrio natural entre a simplicidade jornalística de artigo de primeira página do jornal e as 160 páginas de relatório, preconizadas pelo especialista para quem queira compreender o tema como deve ser. Infelizmente, é muito difícil quantificar esse equilíbrio, é como o q.b. que acompanha o sal, a pimenta, e os outros condimentos das receitas culinárias.

Uma das histórias mais recentes envolvendo a CIA – e a CIA, por definição, faz sempre de algoz nas histórias simples – coloca-a nos céus da Europa, levando e trazendo prisioneiros perante o alegado desconhecimento dos governos europeus. Tomando-a por boa e à letra, nesta história a CIA não estava a fazer os ninhos atrás das orelhas dos governos europeus, fê-los nos cocurutos das cabeças, local sobrevoado pelos seus aviões.

Em suma, ficava-se com a impressão que todo o processo de captura, identificação, transferência e interrogatório dos prisioneiros muçulmanos capturados no Afeganistão ou noutros locais, a que se juntavam depois os problemas legais relativos às suas condições legais de detenção na base americana de Guantanamo, em Cuba, eram um problema sórdido da Administração Bush e exclusivamente dela.

Tudo isso até um jornal francês, insuspeito de simpatias pró-americanas (Libération), vir denunciar e provar documentalmente que, pelo menos no que diz respeito aos seis detidos em Guantanamo de nacionalidade francesa, os serviços de contra-espionagem desse país tiveram oportunidade de os interrogar logo nos inícios de 2002 e no local de detenção (Cuba).

São acontecimentos que, não desmentindo directamente a tese que se andou a tentar espalhar – a do alheamento de muitos governos europeus (o francês, neste caso) da questão dos prisioneiros – a torna substancialmente frágil, pois ela pressupõe dois tipos de cenários com uma carga política negativa: ou o governo mentiu ou ele não tem controle nem informação sobre o que os seus serviços secretos andam a fazer…

Talvez por não se destinarem à exposição da opinião publica, o mundo dos serviços secretos, da espionagem e da contra-espionagem, deverá ser um mundo mais linear e menos propenso (o que será até paradoxal) às encenações mais primárias, destinadas à ilusão do comum dos cidadãos. Americanos e franceses, que parecem estar tão zangados pelos jornais, continuaram e devem continuar a colaborar entre si no mundo da espionagem…

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