20 abril 2008

«SIDESHOWS» DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (7) – A BATALHA DE DAKAR

Depois do Armistício firmado entre franceses e alemães a 25 de Junho de 1940, a percepção britânica de quais seriam as ameaças mais prováveis que incidiriam sobre o Reino Unido era extremamente influenciada pelas análises da Royal Navy. É que Winston Churchill, acabado de chegar ao cargo de Primeiro-Ministro (desde Maio) transitara directamente de Ministro do Almirantado* para a chefia do governo… E o pesadelo da Royal Navy era a hipótese que a Marinha de Guerra francesa, apesar das várias cláusulas preventivas do Armistício, pudesse vir a cooperar com a Wehrmacht na Invasão de Inglaterra

Nas tentativas para impedir aquilo que veio a revelar-se uma paranóia, os britânicos desencadearam duas operações militares de sucesso medíocre e que vieram a revelar-se um clamoroso desastre político, apenas disfarçado pela continuação dos acontecimentos. A primeira operação militar desenrolou-se a 5 de Julho de 1940, numa base naval francesa da Argélia, chamada Mers-el-Kébir, que já havia mencionado colateralmente num outro poste, a segunda operação foi esta Batalha de Dakar, outro fiasco, mas com o condimento da disputa política interna entre a França Livre (de Gaulle) e o Estado Francês (Pétain)…

Além das bases navais de Brest e Toulon em França e da de Mers-el-Kébir, Dakar, no Senegal, era uma outra das bases onde ficara convencionado que as unidades navais francesas ficariam internadas até ao fim das hostilidades (naquela época, entre alemães e britânicos). Por outro lado, o movimento da França Livre fundado por de Gaulle tinha, por esta altura, uma expressão ridícula. Tanto, que nos princípios de Agosto de 1940, fora um enorme golpe de propaganda que as autoridades da África Equatorial Francesa (AEF**) se desligassem da obediência a Vichy e passassem a reconhecer a autoridade gaullista.

Mas, como base logística e fonte de recursos, a AEF continha apenas cerca de 3 milhões de nativos e menos de 6.000 europeus... O objectivo mais desejável dos gaullistas era o de aliciar a muito mais importante África Ocidental Francesa (AOF***), cuja capital era Dakar. Em vez de tentar atraí-los com aquelas manobras de bastidores, que costumam ser tão do agrado da cultura francesa, por sugestão de Churchill a de Gaulle, juntou-se o útil ao agradável: uma expedição francesa para persuadir a administração colonial de Dakar, apoiada numa frota britânica que estava mais interessada nos navios da base naval…

De Gaulle aproveitou as suas Memórias para ridicularizar Churchill e sacudir responsabilidades, descrevendo-o a profetizar como a operação de Dakar decorreria sem problemas, terminando à noite num agradável jantar entre conversores e convertidos, com brindes à vitória aliada… É óbvio que não aconteceu nada daquilo, mas a ironia de de Gaulle não faz esquecer que ele não sai de toda a história isento das suas culpas. A frota britânica era interessante, mas não imponente: 1 Porta-aviões, 2 Couraçados, 5 Cruzadores e 10 Contratorpedeiros, acompanhando uma força de desembarque de 8.000 homens.

Depois de Mers-el-Kébir, a presença da frota britânica ao largo não era propriamente uma ajuda à delegação enviada a terra por de Gaulle. A composição desta, escolhida de entre o que de Gaulle podia seleccionar de entre a nata da sociedade francesa, também parecia constituída de propósito para irritar os representantes tradicionalmente experimentados da escola da Administração Colonial Francesa**** que os aguardavam em terra. Os membros da delegação nem saíram do cais e, quando resistiram à ordem de reembarque, foram alvejados com uma rajada de metralhadora que feriu o neto do Marechal Foch

Houve depois uma tentativa de desembarque empregando o batalhão da Legião Estrangeira da França Livre. As reconstruções históricas pretendem que terá sido de Gaulle, perante a resistência, a ordenar que desistissem para que não corresse mais sangue francês... A realidade foi outra: o desembarque fracassou e a mítica Legião Estrangeira falhou na sua missão… Seguiu-se um duelo naval, entre as peças de terra (abaixo), as dos navios ancorados e as dos que entretanto zarparam com a frota britânica, com perdas para os dois lados. Dois ultimatos endereçados ao Governador-Geral Pierre Boisson foram por este olimpicamente ignorados…

Acumulando 600 baixas entre marinheiros e soldados do corpo expedicionário, o Almirante Cunningham decidiu finalmente retirar-se. A eventualidade de um futuro novo entendimento entre franceses e britânicos passou de remota a impossível. Para o francês médio, o episódio consagrou a imagem de de Gaulle como uma marioneta dos ingleses. A AOF só veio a abandonar a obediência a Vichy em Dezembro de 1942. Mas a vingança de de Gaulle serviu-se fria: Pierre Boisson continuou em funções e só passado quase um ano (em Novembro de 1943) é que ele foi julgado em Argel e condenado à demissão com perda da pensão de reforma…

* O título do cargo é First Lord of the Admiralty, que se pode traduzir por Primeiro Lorde do Almirantado. Funcionalmente pode-se equipará-lo ao de um Ministro da Marinha.
** Chade, Congo, Gabão e a actualmente designada República Centro-Africana.
*** Benim, Burkina Faso, Costa do Marfim, Guiné-Conakry, Mali, Mauritânia, Níger e Senegal.
**** Como exemplo da meritocracia em vigor, o Governador-Geral da AEF que se pronunciara a favor da França Livre chamava-se Félix Éboué, era negro, embora originário da Guiana Francesa (América do Sul), e neto de escravos.

4 comentários:

  1. Como na Bíblia, ao sétimo dia descansei...

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  2. A sério? Descansaste mesmo? Fico com pena embora tenha tido alguma dificuldade em acompanhar o teu ritmo de escrita sobretudo nestas últimas semanas em que tenho andado mais ocupada.
    Mas depois de descansares recomeças não é verdade?
    Beijinhos

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  3. Parei, até porque o tema entra em conflito com o livro que estou a ler: "A Europa em Guerra", Norman Davies, Edições 70. Depois, para parafrasear uma paráfrase tua, faço uma recensão...

    Normalmente prefiro não escrever sobre o que estou a ler. A propósito, devo conhecer centenas de pessoas que teriam "alguma dificuldade em acompanhar o meu ritmo de escrita", mas não te incluo nesse grupo... Ainda não me esqueci da famosa equação:

    1 livro + 1 gripe + 24 horas = 1 recensão

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