31 agosto 2011

PACÍFICO, O NOSSO «COMPATRIOTA» POR QUEM SE DESENCADEOU UMA CRISE QUE QUASE DESCAMBOU NUMA GUERRA…

David Pacífico (1784-1854) foi um comerciante de ascendência portuguesa judaica que, tendo nascido em Gibraltar, se veio a estabelecer em Atenas, tornando-se em mais um daqueles inúmeros comerciantes que teciam e mantinham as linhas comerciais que de há Séculos sempre subsistiram nos portos que rodeavam o Mediterrâneo. Em homenagem às suas raízes, o comerciante era o Cônsul de Portugal em Atenas onde era conhecido por Don Pacífico, um título com ressonâncias de ladino seiscentista, aquele que permanecera o idioma materno dos judeus expulsos da Península.
Em 1847, durante uma manifestação anti-judaica, houve uma turba que assaltou e saqueou a casa do respeitável Don Pacífico. Considerado o seu estatuto, tratava-se de um óbvio incidente diplomático, às queixas do qual o governo grego fez orelhas moucas, para mais quando entre os assaltantes se contavam os filhos de um dos ministros do governo grego. Passou-se um ano e em vista da impotência dos esforços diplomáticos do governo português, Don Pacífico apelou então para o governo do Reino Unido como súbdito de Sua Majestade, considerada a sua naturalidade gibraltina. O pedido veio mesmo a tempo e a jeito dos desejos de Lord Palmerston (acima), que se mostrava desejoso de exercer uma política externa mais pró-activa no Sudeste da Europa. O Reino Unido assumiu como seu o pedido de indemnização que Don Pacífico apresentara ao governo grego e uma esquadra da Royal Navy veio bloquear o Pireu (o maior porto da Grécia que também serve Atenas) até que a indemnização fosse paga. O bloqueio durou dois meses e a indemnização foi mesmo paga. Mas o mais importante é que o Reino Unido mostrou que fizera prevalecer a sua vontade…

O SOM DAS ESCOVAS LIMPA PÁRA-BRISAS

Um dos rituais associados ao fim de férias e às primeiras chuvas prenunciadoras do Outono é o acto de ligar as escovas dos limpa pára-brisas do automóvel. E ouvi-las, que o defeso dos dias soalheiros de Verão costuma secar as borrachas. Aconteceu-me pela enésima vez esta manhã e o acontecimento é um bom pretexto para apresentar esta pequena passagem simbólica do filmeTrafic (1971) de Jacques Tati:

30 agosto 2011

A CARREIRA DE MIHAILO LATAS, ALIÁS OMAR PACHÁ

Mihailo Latas nasceu em 1806 na Croácia embora a religião ortodoxa de família fizesse com que ele fosse classificado como sérvio. O seu pai, Petar Latas, ocupava um lugar destacado na administração político-militar do Império austríaco. Mihailo frequentou um colégio militar e recebeu uma educação adequada ao seu estatuto porém, entre 1823 e 1828, era ele muito jovem e já estaria colocado nos serviços administrativos de um regimento, quando algo se terá passado (supõe-se que se tenha tratado de apropriação indevida de fundos…) que o terá levado a fugir para o Império Otomano que então se estendia pelo Sudeste da Europa (abaixo).
Foi já desse lado da fronteira que Mihailo tomou duas decisões importantíssimas para a sua carreira futura: educado, continuou a investir na educação, convertendo-se ao alfabeto árabe; cristão ortodoxo, resolveu converter-se ao islão, adoptando o nome de Omar (anteriormente, já aqui expliquei que os otomanos só possuíam nome próprio). Foi assim que Mihailo foi adquirindo reputação como intelectual e pedagogo, abrindo-se-lhe portas que, de outro modo, permaneceriam fechadas. De ADC de um general polaco ao serviço do Império Otomano, Mihailo viu-se promovido a professor de escrita de um dos potenciais herdeiros do trono em 1834.
O potencial herdeiro tornou-se mesmo Sultão em 1839, aos 16 anos, com o nome de Abdulmecid I (1823-1861) e Mihailo tornou-se um homem de confiança do novo Sultão, promovido de imediato a Coronel a quem foi entregue o comando de uma expedição para pôr fim a uma rebelião na Síria (1840), para depois vir a ser nomeado governador militar do Líbano (1842), no que seriam os primeiros degraus de uma escada que o levaria, sob a designação de Omar Pachá, ao sucesso com a reputação de alguém que resolvia com sucesso os problemas internos do Império, como as revoltas civis na Albânia (1843), no Curdistão (1846) ou na Bósnia (1850).
Porém, a notoriedade de Mihailo no Ocidente deve-se à Guerra da Crimeia (1853-56), onde os otomanos combateram aliados a franceses e britânicos contra os russos (acima, a fotografia que reúne os três comandantes: Lorde Raglan, Omar Pachá e o General Pélissier). O estilo de comando de Mihailo, tal como as condições gerais do exército que ele comandava, constituiram uma surpresa para os aliados. Mihailo não se privava de nada, incluindo no seu staff um harém e uma orquestra privativas. Sobre a segunda pode adiantar-se que era composta por músicos alemães e que interpretou em campanha Ah! Che la morte da (então) recente Il Trovatore de Verdi…


Tanto em termos técnicos como doutrinais, o exército otomano mostrava-se décadas atrasado em relação aos seus aliados. Mihailo representava apenas o exemplo do apuramento dos critérios para a constituição da classe dos oficiais do exército otomano. Antes da competência, do mérito ou do estudo das ciências militares, a condição essencial para a admissão na classe era o patrocínio dos poderosos. Depois haveria aqueles que, como ele, por formação, feitio e pelo alto patrocínio, estariam destinados a mais altos voos… Este tema surgiu-me hoje por causa do mérito de se ser assessor governamental, ao constatar o brusco encerramento do Albergue Espanhol

29 agosto 2011

BERLIM, 25 de SETEMBRO de 1945

A fotografia é de uma época em que ainda havia coexistência pacífica em Berlim, uns escassos meses depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Soldados americanos e soviéticos posam diante de um monumento construído pelos segundos para celebrar a Vitória conjunta dos Aliados. No monumento propriamente dito percebe-se a vantagem evidente da planificação centralizada quando conjugada com o centralismo democrático¹: à esquerda, um quadro com Harry Truman ainda aguarda a sua oportunidade de substituir o do seu antecessor Franklin D. Roosevelt que falecera cinco meses antes, ainda o monumento não começara a ser edificado(...); à direita, também o quadro de Winston Churchill está desactualizado porque entretanto fora substituído no cargo por Clement Attlee. Mas isso tinha sido apenas há dois meses, conforme se pode ver nas fotografias oficiais finais da Conferência de Potsdam
¹ Esta passagem é uma paródia a alguns arcaísmos que já só se conseguem encontrar em artigos do Avante!...

O EPISÓDIO DE BANACEK QUE NÃO VI ATÉ AO FIM


Banacek era uma série norte-americana integrada no conjunto The NBC Mistery Movie (genérico acima) que incluiu séries como Columbo, McCloud ou McMillan & Wife, em que cada qual era transmitida numa semana alternada. Já aqui mencionara esse estilo peculiar de apresentação das séries televisivas norte-americanas naqueles princípios dos anos 70 sem especificar que, por causa daquele formato, guardavam-se os dez minutos iniciais dos noventa que durava um episódio para criar o mistério, antes de se apresentar o genérico da série propriamente dita (abaixo). Entre as séries do conjunto, Columbo era a que se destacava e eu não me teria lembrado de escrever este poste sobre Banacek não se desse o caso de ter havido um episódio em que eu apenas vi esse início misterioso.

Banacek (George Peppard) era um investigador de seguros de ascendência polaca que se especializara em investigar casos de roubos bizarros. Os argumentos, os roubos e os métodos empregues eram imaginativos No Verão de 1974 a RTP passou um episódio da série em que o que era roubado era um enorme avião quadrirreactor comercial (um DC-8), acidentalmente pousado numa antiga Base Aérea no deserto do Nevada onde ficara à espera de reparação. Por coincidência, os dez minutos iniciais de que me lembrava (depois tive de me ir embora) são os mesmos que aparecem num vídeo do You Tube (abaixo) que descobri recentemente por acaso. Mas o autor da publicação apenas me terá querido reacender esta curiosidade velha de 37 anos pois não publicou a continuação…

28 agosto 2011

UMA GUERRA COMO UMA DAS NOSSAS

A Guerra que conduziu à independência da Namíbia (1966-1988) é uma das menos documentadas de entre as Guerras modernas. Comprovando-o, a entrada de Wikipedia que a ela se refere é parquíssima em informações concretas, mesmo a de língua inglesa não é muito melhor e, significativamente, não existe entrada em africânder, que é o idioma associado ao regime de supremacia branca sul-africano que foi o contendor derrotado dessa guerra. Por tudo isso, o livro abaixo é uma raridade...
The Covert War tanto esclarece quanto é um desapontamento. Esclarece no sentido em que explica detalhadamente – demasiado até, para aquilo que eu procurava – os aspectos tácticos de um conflito que, afinal, se arrastou por 22 anos. É um desapontamento porque se trata de um depoimento de um veterano, Peter Stiff, um sargento de origem londrina que optou pela nacionalidade sul-africana, que escreve sobre aquilo que conhece mas não se quer arriscar – felizmente! – a ir para além disso.
Lendo a descrição do território onde a guerra se travou, extensíssimo, com 825.000 km², a fronteira com Angola, por onde se processavam as infiltrações dos guerrilheiros da SWAPO (acima) tem 1.376 km de extensão, semi-desértico e com a densidade populacional a rondar os 3 habitantes por km², é impossível não se fazer a associação com outras zonas de operações semelhantes das guerras coloniais portugueses como o Leste de Angola (que aliás lhe está adjacente) ou o Noroeste de Moçambique (Niassa). Como acontecia com os portugueses, também aqui a intensidade do conflito era baixa e as acções esporádicas. Isso permitia aos sul-africanos criar a ficção que o problema estava entregue às forças policiais. O Koevoet do título, o nome da unidade especial a que pertencia Stiff, era tecnicamente uma unidade policial encarregada da contra-subversão, embora as fotografias que aqui aparecem (acima, a de um treino) mostrem como seria difícil distinguir os polícias dos soldados regulares da SADF.
Outro aspecto interessante é o do período coberto pelo livro, de 1979 a 1989, ou seja cinco anos depois do fim das Guerras de África dos portugueses. É possível seguir ali a evolução técnica da guerra e descobrir algumas soluções para problemas que também afligiram os portugueses: o das minas, através da utilização de viaturas de transporte apropriadas para o efeito como o Casspir (acima), reforçadas, mais elevadas e com o fundo em forma de V para dispersar para os lados o sopro da explosão das minas.
Ou então, um novo sistema de exaustão para os helicópteros Allouete III (acima, numa evacuação médica) que os tornavam muito mais difíceis de ser reconhecidos (e de ser abatidos…) pelos mísseis terra-ar SAM-7 dos guerrilheiros. Em questões de material de guerra, também aqui os sul-africanos, tal como acontecia connosco, continuavam a considerar a sua captura e exposição como um sinal de sucesso com o seu cortejo tradicional de AKs, RPGs e SKSs e outro armamento de origem soviética (abaixo).
Mas, por muito que a Koevoet se possa orgulhar nesses 10 anos de guerra dos 1.615 contactos com o inimigo, nos quais abateu ou capturou 3.225 guerrilheiros da SWAPO, pagando o preço de 160 polícias mortos e ainda mais 949 feridos em combate – a maioria dos quais namibianos negros conforme se pode deduzir pela fotografa abaixo – é a SWAPO que acaba por vir a ganhar a Guerra e a explicação para essa desfecho é que não aparece no livro apesar das suas 480 páginas…
Por um lado: é pena. Obrigar-me-á a estar atento ao aparecimento de um novo livro sobre este tema, mas que o analise na sua perspectiva global, política e militar. Por outro lado: ainda bem. O autor, singelamente, cinge-se aos aspectos do conflito que domina, que as complexidades de uma Guerra subversiva não serão para todos… É um exemplo de modéstia para outros veteranos das nossas guerras que tendo paticipado na derrota quando do original, vencem-nas agora quando as revisitam na memória.

27 agosto 2011

O TELE-JORNALISMO «SIRENES EM BAGDAD!?»

Tinha-o aqui baptizado de Tele-jornalismo caqui por ocasião do Golpe de Estado na Guiné-Bissau em Março de 2009, mas tenho que confessar-vos que Cândida Pinto me tem dado as voltas quanto a uniformes, como se pode apreciar acima… Foi assim que o resolvi rebaptizar como Tele-jornalismo «Sirenes em Bagdad!?» o estilo de tele-jornalismo que é praticado por aquela repórter da SIC. O título afigura-se-me mais perene por ser independente das correntes da moda do vestuário das lojas do Coronel Tapiocca (abaixo) e vai inspirar-se a uma famosa interrupção protagonizada por um antigo tele-jornalista daquele mesmo estilo embora já retirado de actividade (José Rodrigues dos Santos da RTP), que, em plena Guerra do Iraque, deu em interromper (de Lisboa) o despacho que o enviado da sua estação (Carlos Fino) estava a fazer por causa do som de sirenes que se haviam começado a ouvir: - Carlos Fino! Carlos Fino! Sirenes em Bagdad!? Sirenes em Bagdad!? Naquele momento Carlos Fino estava em directo, na varanda do quarto do Hotel, em frente ao operador de câmara a ler o despacho que preparara para enviar para Lisboa. Que raio poderia ele saber e dizer sobre as sirenes a não ser o óbvio: que elas estavam a tocar?!... É este frenesim informativo relata-primeiro-pensa-depois que identifica o estilo. A cabeça de um destes tele-jornalistas, mesmo depois de afastado dos locais da acção como era já então o caso de José Rodrigues dos Santos, parece funcionar dessa maneira simplificada e deve ser aproveitado predominantemente para o uso de chapéus exóticos que estas zonas de guerra são tradicionalmente soalheiras… Se atendermos no conteúdo do trecho de reportagem sobre a situação líbia que passou ontem na SIC e que insiro mais abaixo, não há ali nada em termos informativos substanciais que se possa dizer que só se obteve devido à presença da repórter no local. Há evidências: cadáveres, que costumam ser o subproduto de uma guerra… Há lugares-comuns: as queixas de que há falta de pessoal e meios para tratar tantos feridos ou que o Hospital de Tripoli é incapaz de dar resposta à situação; haveria algum hospital civil no Mundo capaz de o fazer naquelas mesmas circunstâncias?… E há peças de propaganda pura: Muitos estudantes de medicina estão a oferecer-se para ajudar nos Hospitais… Quem afirmou isso, onde estão esses estudantes?... Novidade mesmo, só a coisa branca que Cândida Pinto traz à cabeça: nunca tinha visto capacete que assentasse de forma tão parecida a um penico

A CONFRATERNIZAÇÃO

Quando, no período final da Segunda Guerra Mundial na Europa, as tropas norte-americanas invadiram as primeiras localidades alemãs ainda em princípios do Outono de 1944, o General Eisenhower emitiu uma Ordem proibindo os seus subordinados de confraternizarem com os civis alemães (Setembro). Desde o princípio que, no terreno e num substancial número de vezes, a proibição permaneceu letra-morta, especialmente quando envolvia civis carentes e dependentes como as crianças e os idosos. Com o fim da Guerra a 8 de Maio de 1945, com os combatentes inimigos vencidos e aprisionados, imensas vozes se levantaram entre os generais para o levantamento de alguns rigores dessa proibição motivada por directivas políticas vindas de Washington. Abstraídos daquela disputa político-militar no topo e transformados pela evolução dos acontecimentos de unidades de combate em unidades de guarnição, os soldados norte-americanos, envoltos num ambiente de lazer, desejavam era confraternizar mais… Alguns números mostram o aumento dessa confraternização: a taxa de incidência de doenças venéreas atingiu um primeiro máximo de 140 por 1.000 homens em Junho de 1945 (um caso para sete militares) para atingir um novo record de 190 por 1.000 em Setembro (ou seja, quase um para cinco…). É verdade que a explicação podia ser atribuída a uma inconveniente ruptura dos stocks de preservativos no Verão de 1945 que obrigara a reduzir a dotação mensal de cada militar de 6 para 4, mas não seria só isso…
Por razões de Saúde Pública, o próprio General Eisenhower, tivera, ainda em Junho de 1945 que emitir uma outra Ordem especial que era um paradoxo à luz da que proibia as confraternizações com os civis: aqueles soldados que se apresentassem para tratamento das doenças venéreas que houvessem contraído não seriam acusados por confraternização com os civis alemães. Deixo para a imaginação do leitor o processo milagroso como esses soldados contrairiam as doenças venéreas sem qualquer confraternização
Mais do que um problema exclusivo do Exército norte-americano estacionado na Alemanha (61 Divisões e 1.622.000 homens em Maio de 1945), as doenças venéreas acabaram por tornar-se um problema de Saúde Pública da população alemã no seu todo, com os Aliados das forças de ocupação (americanos, soviéticos, britânicos e franceses) a acusarem-se reciprocamente pela sua disseminação... A partir de Novembro de 1945 chegaram cargas aéreas de penicilina dos USA para o tratamento da gonorreia também entre os civis…
Mas só em meados de 1946 é que as taxas de incidência de doenças venéreas entre os militares norte-americanos (e no geral) começaram a diminuir para valores razoáveis. As condições de destruição que a Alemanha atingira no fim da Guerra dera à palavra confraternização um terceiro sentido, para além do literal empregue por Eisenhower na sua Ordem e daquele outro que aqui usei subentendida. Havia factores económicos a incentivar uma confraternização ainda maior entre os norte-americanos e as alemãs…
Os primeiros tinham um acesso fácil à alimentação, a chocolates e doces, café, cigarros, sabão, cerveja e outras bebidas alcoólicas, à roupa… – as famosas meias de seda que punham as cabeças das moças a andar à roda! E as segundas estavam reduzidas a não ter acesso a nada. Era uma situação demasiado desigual para que as relações entre uns e outras não fossem muitas vezes aquilo que se pode classificar como uma área nebulosa onde se torna difícil fazer a distinção entre a prostituição e a relação sentimental clássica…
Não apenas a presença das tropas ocupantes mas combinada com a ausência de milhões de homens alemães mantidos como prisioneiros de guerra, fazia com que, nos finais de 1945, uma em cada cinco crianças alemãs nascesse fora do matrimónio. Nos dez anos seguintes os soldados norte-americanos vieram a ser responsáveis pelo nascimento de 37.000 bebés ilegítimos (55% do total da Alemanha Ocidental) dos quais uns 10% de pais com ascendência africana. Algumas dessas crianças vieram a ser adoptadas em lares nos Estados Unidos…
Foi apenas em Dezembro de 1946 que a Ordem proibindo as confraternizações com o ex-inimigo veio a ser totalmente anulada, permitindo-se finalmente a realização de casamentos entre americanos e alemãs. Entre 1946 e 1949 houve cerca de 20.000 noivas alemãs que cruzaram o Atlântico para se juntarem aos maridos. Entretanto, na Alemanha restabeleciam-se circuitos comerciais, as pessoas recuperavam poder de compra e tornava-se acessível um medicamento contra os efeitos das confraternizações: o abortivo Orasthin...

26 agosto 2011

AS «FORMIGAS» DO III REICH

Há obviamente razões para que a cobertura das gigantescas manifestações que os nazis tradicionalmente realizavam em Nuremberga privilegiem os planos das fotografias que acima e abaixo se mostram, em que se destaca o símbolo do poder (a cruz gamada) à distância por cima de um mar de costas (e capacetes) dos participantes.
Comum a amigos e a adversários nota-se ali a preocupação em despersonalizar quem participava naquelas manifestações – embora por motivos antagónicos. Para os primeiros, para que o valor da individualidade se dissolvesse por detrás do Chefe, o Führer. Para os segundos, não interessa mostrar que a ideologia cativava gente vulgar, com cara de gente vulgar.

O CIENTISTA E O «ENTERTAINER”

São duas figuras icónicas do Século XX, Charles Chaplin (1889-1977) e Albert Einstein (1879-1955). É só por isso, pelo facto de serem automaticamente reconhecidos pela maioria, que se torna praticamente impossível o jogo que eu proporia se tivéssemos em conta apenas as suas expressões na fotografia acima: qual deles se notabilizou numa das áreas do entretenimento e qual o que o fez num dos campos da ciência?

25 agosto 2011

AS CARAS «AMIGAS» DOS COMÍCIOS DE AMIZADE

O alinhamento estratégico de Portugal durante a Guerra-Fria, consequência da sua localização geográfica, fazia com que, mesmo depois do 25 de Abril, o PCP fosse um partido que estava naturalmente isolado, pertencendo a um país da Europa ocidental mas com os seus aliados concentrados no Leste. Uma das formas encontradas para contrariar essa situação em termos de imagem era a promoção de eventos intitulados Comícios de Amizade envolvendo a presença de algum convidado destacado de um partido irmão proeminente, conforme se pode apreciar nestes três cartazes.
Os cartazes aparecem por ordem cronológica. O comício com o secretário-geral do Partido Comunista Francês (PCF) teve lugar em Novembro de 1974 e, como partido comunista de uma democracia ocidental, é certamente o apoio mais aproximado dos três, antes das controvérsias do eurocomunismo (1977) terem tornado os partidos dos países latinos do Sul da Europa ideologicamente suspeitos. O PCP teve que se virar para esse farol ideológico que era o PCUS da União Soviética (Maio de 1977) ou então para aquele bastião da ortodoxia que era o SED da Alemanha Oriental (Outubro de 1981).
Os cartazes mostram também a evolução estética ao longo desses sete anos. De uma simbologia e grafia mais primária associando a simbologia tradicional dos punhos cerrados, as foices e os martelos e as cores nacionais, o estilo parece encaminhar-se para uma maior sobriedade. E também para uma menor militância: os comícios passam do Pavilhão dos Desportos em Lisboa para a Casa da Cultura dos Trabalhadores da Quimigal no Barreiro... Mas, tão engraçado quanto os cartazes, vejam-se as fotografias daqueles que os partidos escolheram para os representar nos Comícios de Amizade.
Aí, apesar da matriz ideológica comum a todos eles, percebia-se como a Europa estava culturalmente dividida por uma verdadeira Cortina de Ferro. Acima, Georges Marchais (1920-1997), que foi o secretário-geral do PCF entre 1972 e 1994, era um político desenvolto, clássico, na tradição ocidental, habituado a defrontar-se com uma informação que lhe era hostil. Mas os partidos comunistas que ocupavam o poder no Leste não podiam enviar representantes de igual grandeza já que os dirigentes partidários do topo das suas hierarquias ocupavam também as funções principais do Estado.
Isso dava oportunidade a que os apparatchiks sem proeminência como era o caso do russo Vladimir Dolguikh (n. 1924 – e não Dolguih como, por lapso, aparece no cartaz) ou do alemão Hermann Axen (1916-1992) aparecessem nos tais Comícios de Amizade como se se tratasse de camaradas muito importantes. As suas fotografias institucionais, transbordando amizade e internacionalismo proletário (acima a do russo, abaixo a do alemão) possuem aquele estilo neo-clássico marxista-leninista que ainda hoje deve deixar imensas saudades na sede do PCP na Soeiro Pereira Gomes…

24 agosto 2011

O SEGREDO DA «LOIRINHA» BURRA

Há ocasiões em que me convenço que se tornou indispensável aos jornalistas modernos possuírem um certo grau de ignorância básica para que consigam escrever as peças que as suas hierarquias consideram suficientemente apelativas para o leitor. Só essa ignorância lhes permite que depois cilindrem aqueles factos que deviam fazer parte de uma cultura geral mediana e consigam escrever artigos tão anacrónicos como Teresa Firmino o fez ontem no Público, um artigo intitulado (apelativamente) Já sabemos o segredo da loirinha (trata-se da cerveja…) que, mau grado o título alusivo ao saber, é um texto dominado pelo síndrome da ignorância da autora…

Teresa Firmino é a especialista do jornal em artigos científicos e é experimentada. Mas deve ter achado que o assunto era assim para o aborrecido e resolveu avivá-lo criando um enredo à José Hermano Saraiva… E saiu-lhe assim: Ao fim de seis anos de investigação, a equipa descobriu que o antepassado selvagem da levedura da cerveja lager ainda vive nas florestas da Patagónia. Portanto, no século XV, quando os europeus começaram a transportar pessoas e mercadorias de um lado para o outro, através do Atlântico, uma espécie de levedura da América do Sul viajou milhares de quilómetros, quem sabe se num pedaço de madeira ou no estômago de uma mosca-da-fruta, e acabou por ir parar às caves e mosteiros da Europa Central. Ao fundir-se com a levedura até aí usada, numa feliz coincidência que muitos agradecem hoje, deu origem a um híbrido, que permitiu a fermentação da cerveja a temperaturas baixas.

Claro que Teresa Firmino devia saber que o Século XV vai de 1401 a 1500 e devia também saber que Cristóvão Colombo descobriu a América (apenas as Antilhas) em 1492. Podia-lhe ocorrer que o ano da descoberta do Brasil foi 1500. Podia-se informar que a Patagónia fica no Sul da Argentina e que os primeiros europeus que a atingiram foram os da expedição de Fernão de Magalhães na sua viagem de circum-navegação em 1521. O que torna improvável – tanto mais que o processo läger terá aparecido na primeira metade do Século XV – que a espécie de levedura tenha feito aquela viagem atribulada cuja descrição imaginativa é digna de um título: Harry Potter e a mosca-da-fruta glutona. E, embora acredite que seja o sonho de toda a jornalista transformar-se na próxima J.K. Rowling, ainda mantenho aquela ideia antiquada que a escrita no jornalismo é uma actividade de não-ficção…

AINDA ANTES DOS SESSENTA E QUATRO...


Paul McCartney (n. 1942) ainda tinha apenas 59 anos quando Danny Clinch lhe tirou esta fotografia acompanhado de Bill Clinton. O instantâneo não favorece o ex-Beatle, dá-lhe um aspecto anafado e envelhecido apesar da boa disposição do próprio, de Clinton (quatro anos mais novo) e da assistência que os rodeia. Até custa imaginá-lo nos seus tempos dourados e esta parece ser a melhor fotografia para ilustrar o seu famoso êxito dessa época em que antevia When I’m Sixty-Four

23 agosto 2011

O TEMPO DAS CARICAS

Quase todas as crianças terão passado pela fase de juntar caricas. E o Verão é a época apropriada para o fazer com o aumento do consumo de águas, cervejas e refrigerantes. Depois, passa-se à fase aborrecida onde os pais as mandam desfazer-se daquela enorme pilha inútil e tilintante antes de serem obrigados, numa maioria das vezes, a fazê-lo eles próprios. Há quem considere, caridosamente, que essa fase é um prenúncio do gosto pelo coleccionismo. Eu considero-a uma outra coisa: um ressurgimento comportamental duma atitude que nos foi muito útil na nossa fase paleolítica de recolectores mas que neste estádio da civilização já se tornou desnecessária.
Quem colecciona, não só sabe, como sabe explicar-nos as razões para a adição de cada nova peça à sua colecção. De quem recolecta (há muito mais do que caricas...), a resposta mais elaborada que se consegue obter é um nunca se sabe se não há-de vir a ser útil. É que há quem chegue a adulto mantendo essa compulsão para as colecções de caricas, conforme se pode apreciar também na blogosfera. Séries de postes intitulados as cem melhores praias portuguesas ou trinta mais trinta cidades que jamais esquecerei, embelezados com uma fotografia mas sem explicações adicionais assemelham-se ao desvelo com que a senhora junta conchinhas na cena abaixo de As Férias do Sr. Hulot
Recentemente e com persistência, foi-se ainda mais além: houve uma série onde se conseguiu chegar às seiscentas canções do Século (XX)! Um número que provoca uma pergunta ingrata, que a ausência constante de esclarecimentos nos postes série não ajudará a deslindar: estaremos a falar de todas as canções do Século XX? – Então a série ainda está muito no princípio... Ou estaremos a falar das canções significativas do Século XX? – Aí a escolha está enviesada pois praticamente todas as canções da série são da segunda metade do Século... Justamente como os ajuntamentos de caricas, quando não importava que a esmagadora maioria da colecção fosse toda da mesma marca de cerveja…

22 agosto 2011

«PICANTÉ? NÔÔ PICANTÉ!»

O aspecto mais pitoresco do restaurante indiano que frequentava quando estava de férias na Praia da Rocha era, não a comida, mas o empregado que nos atendia. A comida que ali serviam não era notável, a não ser por, fossem quais fossem as indicações que o cliente havia dado previamente quanto à intensidade do picante no prato que escolhera, ele vinha sempre igualmente picante. Tudo era picante, até a salada!

Ensinaram-me entendidos que conheceram a Índia profunda que nunca se deve investigar muito o que acontece numa cozinha indiana tradicional para benefício da nossa digestão… Eu tornei o princípio também válido para os restaurantes indianos em Portugal mas há quem não siga essa sábia recomendação e chamasse o empregado para reclamar. Aí é que começava a sessão que tornava o local pitoresco
O empregado aproximava-se e, fingindo não dominar bem o português (calhou vê-lo a fazer a mesma cena em inglês com um turista), suportava estoicamente e com ar atencioso a invectiva irritada do cliente até este perder o fôlego (provavelmente por ter a língua a arder!...) quando, afivelando o seu sorriso mais bonacheirão retorquia: Picanté? Nôô picanté! Estabelecia-se ali uma barreira mais do que linguística, antropológica!

Creio que a política portuguesa está a precisar de alguém com uma atitude semelhante para mediar as relações entre o governo nacional e os regionais, nomeadamente o da Madeira. Num último desenvolvimento, aproveitando o jornalismo que existe e que tanto censura mas que manipula como poucos políticos, Alberto João Jardim aproveitou um evento do seu partido para pedir mais dinheiro emprestado…

Desta vez chamou-lhe liquidez… E a informação aceita o seu estilo de tal forma que é preciso vasculhar jornal atrás de jornal para encontrar alguém que escreva ou diga o que é óbvio: a) que mandar recados em comícios não é a forma apropriada de resolver problemas de finanças públicas. b) que o partido a que o primeiro-ministro preside não concorre às próximas eleições regionais madeirenses.

Quem concorrerá é uma outra organização que obedece a (porque depende de) Alberto João Jardim, que por acaso usa a mesma sigla. Que tem uma agenda muito pouco solidária para com os sacrifícios dos continentais e que não tem pejo em o mostrar. É aqui que, em vez de recados nos jornais, deve entrar o equivalente do empregado indiano, toda uma outra antropologia a responder de sorriso bonacheirão a Jardim: Liquidéz? Nôô liquidéz!

NÃO APAGUEM A MEMÓRIA! – 2

Esta fotografia tem os mesmos destinatários da do poste anterior. Data de 23 de Agosto de 1991 e o local é a Praça Lubianka no centro de Moscovo. A estátua que está a ser derrubada é a de Feliks Dzerzhinsky (1877-1926), o fundador da Cheka, a polícia política do regime sob Lenine, a antepassada da odiada KGB.
Recorde-se que no Portugal fascista a repressão nunca foi assim tão idolatrada quanto na União Soviética comunista: é que, de entre as estátuas derrubadas imediatamente após o 25 de Abril, não se contou nenhuma do capitão Agostinho Lourenço, o fundador e director da PI, da PVDE e depois da PIDE. Não havia nenhuma…

NÃO APAGUEM A MEMÓRIA! – 1

Esta fotografia destina-se àqueles que, nunca se esquecendo dos crimes da PIDE em Portugal, parecem ter a memória obnubilada para os crimes de outras polícias políticas noutras partes do Mundo. A fotografia foi tirada em Moscovo, a 22 de Agosto de 1991, no seguimento do golpe frustrado dos comunistas conservadores contra Gorbachev e o que o pintor escreveu na parede foi: Долой КГБ (Abaixo o KGB). Imagine-se lá porquê, derrotado o golpe, lhe deu para escrever aquilo…

21 agosto 2011

QUE SE ANUNCIA A SEGUIR? O «ANSCHLUSS»?



Mais do que o impacto das medidas que foram anunciadas por Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, quiçá superior em alguns casos ao impacto daqueles Tratados tradicionais que levavam meses a negociar entre os países da União (- Porreiro, Pá! Porreiro!), o que mais me choca nas recentes imagens da Cimeira que aqueles dois dirigentes tiveram no Palácio do Eliseu é a desfaçatez cenográfica como elas são anunciadas: a dupla está a propor-se reformar a União Europeia a que título?
Antes disto, escrevê-lo-ia como laracha, mas, depois desta exibição, não me surpreenderia que numa das próximas semana nos apareça a chancelerina Angela Merkel acompanhada de Werner Faymann, o seu homólogo austríaco, anunciando-nos que eles haviam chegado à conclusão que, nestes tempos de incerteza, se tornara oportuno o retorno dos austríacos à pátria alemã – o famoso Anschluss que foi a primeira sineta de alerta do início da Segunda Guerra Mundial. Warum nicht? (Porque não?)

20 agosto 2011

PRODUÇÕES AINDA MAIS FICTÍCIAS

Numa série britânica que passou na RTP vai para uns 25 anos intitulada A Caixa que Mudou o Mundo (entretanto recuperada pela RTP Memória), há um momento muito interessante em que um interveniente confessa que certo dia chegou atrasado a casa e perdeu o início de Monty Python’s Flying Circus (abaixo). Ligou a televisão e deparou-se com um senhor idoso que pomposamente dissertava sobre as muralhas medievais de Gales o que o fez desmanchar-se em gargalhadas. Assim esteve durante um minuto até se aperceber que o senhor, por muito que o lembrasse John Cleese, estava a falar mesmo a sério: o programa dos Monty Phyton havia sido substituído à última da hora...
Às vezes as situações ridículas precisam do enquadramento certo para nos desinibir e podermo-nos rir delas. Atentemos no texto que se segue: Os acontecimentos de 19 de Agosto de 1991 na URSS (…) constituíram uma tentativa desesperada e fracassada de altos dirigentes do Partido e do Estado soviéticos para impedir a desagregação da URSS, num episódio mais da aguda luta que então se travava na União Soviética pelos destinos deste poderoso país multinacional e do seu sistema socialista. Não vos parece uma sinopse de um enredo daqueles filmes de acção de Hollywood passado na Rússia, só que, neste caso, com os comunistas renegados a desempenharem o papel de bons?
Da mesma forma que o nosso espectador atrasado se escangalhou a rir com a petulância do apresentador de um programa de televisão, se não soubermos em que circunstâncias foi escrito, não há quaisquer razões objectivas para conferirmos mais seriedade àquela descrição enviesada do Golpe na União Soviética de 1991 do que à que atribuiríamos, por exemplo, a um texto de um dos criativos das Produções Fictícias. Resta-me rematar o poste revelando que o texto é o início do comunicado do PCP a respeito da evocação dos 20 anos do Golpe de 1991… Como tradicionalmente, os comunistas continuam a manter aquela relação muito imaginativa com o passado.