08 outubro 2010

REFÉNS (QUEM OS FAZ e QUEM OS MANDA FAZER)

Hostage in Peking (acima) é um livro publicado no já longínquo ano de 1970 por um jornalista britânico chamado Anthony Grey contando a sua experiência como refém em Pequim por 27 meses (1967-1969), durante o período da Revolução Cultural. Nunca houve uma formalização quanto às acusações que incidiriam sobre Grey que esteve esse tempo todo numa detenção semi-legal tendo como carcereiros os membros da Guarda Vermelha que o submeteram a um sem número de sevícias. A detenção de Anthony Grey terminou quanto as autoridades da então colónia britânica de Hong-Kong finalmente aceitaram libertar oito jornalistas e mais treze activistas chineses que entretanto haviam sido presos…

Convidados do Ayatollah (abaixo) é um outro livro, bastante mais recente (2006) mas referente a um episódio também antigo, com mais de trinta anos, quando no seguimento da Revolução Islâmica que eclodiu no Irão em 1979 e que havia derrubado o Xá Reza Pahlavi, que fora um aliado incondicional dos norte-americanos naquela região, um grupo de Estudantes Islâmicos invadiu as instalações da Embaixada norte-americana em Teerão em Novembro de 1979 aprisionando quem lá se encontrava. Houve um faseamento de libertações dos reféns por diversas causas, mas o grupo mais numeroso, que era composto por cinquenta e duas pessoas acabou por ficar detido durante catorze meses (1979-1981).
Se enumero estes dois livros e recordo estes dois episódios é porque considero que a Memória, apesar de não a querer utilizar em combate como outros, é-nos indispensável para alargar as perspectivas como devemos analisar as questões. Ora, nestes dois casos, os dois agentes políticos que estavam por detrás das tomadas de reféns – os governos chinês e iraniano – não as podiam assumir claramente e usaram organizações de fachada, pretensamente descontroladas, para se responsabilizarem pelas acções inconvenientes. É evidente que, se as segundas alguma vez incorressem num comportamento que provocasse o desagrado dos agentes políticos que as controlavam, os sequestros teriam acabado nesse mesmo dia…

Agora passemos para um terceiro episódio aparentado com os anteriores, que se passou em Novembro de 1975 e em Portugal, mas que tive oportunidade de ler recentemente num blogue uma versão revista, como se se tratasse de uma história infantil, que nesse capítulo de histórias para crianças, e para além do exemplo recente de Isabel Alçada, a política portuguesa parece repleta de promessas de escritores que não se chegaram a concretizar… O episódio foi o Cerco à Assembleia Constituinte que durou felizmente apenas 24 horas, entre 12 e 13 de Novembro de 1975. E a versão Anita no Cerco à Constituinte, da autoria de Vítor Dias é que o sequestro apenas se destinava ao 1º Ministro, Pinheiro de Azevedo.
Mesmo descartando a discussão da legitimidade de sequestrar seja quem for para obter a satisfação de reivindicações laborais, atitude que Vítor Dias parece continuar a validar todos estes anos depois do PREC, o facto é que, se aceitarmos a sua versão açucarada, tudo fica clarificado com a falta de cartazes na multidão ameaçando expressamente dar pancada aos deputados constituintes. Estes últimos, a elite política eleita pelo povo português nas primeiras eleições livres, se não se sentiram em condições de segurança para abandonarem o Parlamento, se nem sequer jantaram e ainda tiveram que pernoitar no Parlamento, aceitando a versão de Vítor Dias nem se chega a perceber bem porquê…

É esquisito. Tão esquisito quanto o eufemismo escolhido pelo jornal A Capital naquele dia para definir a situação dos deputados: «Fechados». (abaixo) E é aqui que merece que regressemos à diferença que falei acima entre agentes políticos que decidem e organizações descontroladas que actuam. É que ninguém se interessou jamais em saber quem então dirigia a manifestação dos trabalhadores da construção civil que, segundo Vítor Dias, acampou ordeiramente no Largo de São Bento. Da mesma forma como actualmente só académicos eruditos saberão os nomes dos principais Guardas Vermelhos da Revolução Cultural ou saberão identificar, por exemplo, quem foi Masoumeh Ebtekar.
O agente político em 1975, guardou para a última frase de todas do comunicado por si emitido a sua discordância quanto ao sequestro: «(…) quer os deputados à Constituinte ficaram na prática impossibilitados de sair do Palácio de S. Bento, facto de que o PCP discordou»; mas na própria Câmara, através de Octávio Pato, enalteceu: «(…) o espírito de sacrifício de milhares de trabalhadores que, durante trinta e seis horas, sem dormir (…) ao frio da noite, sentados ou deitados nas ruas ou nas escadarias junto ao Palácio de S. Bento, ali se mantiveram e dali não arredaram pé»; e objectivamente: não se notou qualquer intervenção dos comunistas junto das estruturas unitárias para que o sequestro dos deputados nem tivesse lugar.
Vítor Dias chamou a estes seus exercícios Combates da Memória. Além do mau gosto do belicismo da expressão, o resultado é que a Memória parece sair do combate muito mal tratada, cheia de equimoses, quiçá mesmo com os olhos pisados. Contudo, numa explicação-combate imitando-lhe o estilo, a culpa não terá sido dele, que se limitou a agitar alargada e entusiasmadamente os seus braços com os punhos cerrados como um bom comunista. Se estes embateram na cara da Memória foi por acaso, como o sequestro dos outros, que se destinava a Pinheiro de Azevedo, o utente da porta ao lado... Parodiando-o, que dê um passo em frente quem tiver uma fotografia sua a dar um soco directamente no queixo da Memória

5 comentários:

  1. Salientando que no meu post jamais neguei que os deputados à Constituinte tivessem sido impedidos de sair, a verdade é que no seu post não consegue desmentir nem um dos factos concretos que eu invoquei para demonstrar a incorrecção da expressão «cerco à Constituinte» que sempre foi usada explicitamente para criar a ideia de aquele conflito era entre os trabalhadores e a elaboração da Constituição, quando, como tudo o demonstra, era entre eles e o Governo dirigido por Pinheiro de Azevedo.

    Registo também, o que não é pouco importante, que o autor do post não desmente a minha versão dos antecedentes daquela manifestação.

    Militantes comunistas presentes na manifestação podem não ter conseguido impedir alguma coisa mas posso deixar-lhe a pista de que conseguiram impedir algo - fruto de uma imensa revolta e tensão - que teria sido bem mais grave mas que, como felizmente não aconteceu, quase ninguém sabe.

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  2. Segundo a lógica imbatível do agora muito elogiado Paulo Bento. Futebol: pé. Andebol: mão. Cerco à Constituinte: deputados “impedidos de sair” – na expressão benigna que usou no comentário acima.

    Ora como os trabalhos parlamentares haviam acabado e os deputados à Assembleia Constituinte queriam sair e não os deixaram, então eles foram sequestrados (de sequestro: clausura ou retenção ilegal). E os autores do sequestro foram os manifestantes da construção civil. Os tais que, conforme o Vítor Dias explica, não tendo nada contra os deputados eleitos pelo povo, depois, conforme o Vítor Dias já não explica, passaram a ter, quando os prenderam dentro das instalações do Parlamento.

    Sabe-se que a liderança da manifestação era «unitária» – o que qualquer pessoa que tenha vivido o PREC sabe que era sinónimo de comunista. Recordo ao Vítor Dias que há um vídeo de TV mostrando a saída dos deputados entre alas de manifestantes hostis no fim do sequestro. O comportamento dos deputados do PCP e do MDP/CDE nesse vídeo é de celebração, de acordo aliás com a intervenção de Octávio Pato que transcrevi parcialmente.

    Dou por adquirido que quem redigia então os comunicados no PCP percebesse a diferença entre as expressões “discordância” e “condenação”… E sequestrar e contribuir por complacência e omissão para o sequestro de uma assembleia de eleitos pelo povo num país que nunca tivera nada igual disse tudo o que havia para dizer quanto a respeito pela Democracia por parte dos comunistas.

    Estes são os factos concretos importantes. Quanto ao resto, eu não pretendo desmentir tudo o que o Vítor Dias escreveu sobre o assunto. Faço-o quanto os aspectos concretos importantes em que mentiu. Os que são importantes desmentir para recordar como foi a conduta do PCP nesses tempos do PREC. Que cumpriu as orientações leninistas para a tomada do poder. E eu respeito-o(s) por isso. Não tente é o Vítor Dias pôr agora ao fim destes anos todos uma pele de cordeiro em cima do lobo…

    Se quiser contar algo mais que saiba que se passou e que julgue importante (afinal, já lá vão 35 anos…), não se acanhe, conte! Eu sou capaz de também de ter histórias para a troca… Afinal, aquela foi uma noite inesquecível para os duzentos e tal sequestrados.

    A despropósito, e apenas para minha curiosidade, naquela época de Novembro de 1975 o Vítor Dias fazia ainda parte dos quadros dirigentes do MDP/CDE ou já regressara formal e publicamente ao PCP?

    E desculpe antecipar-me, mas esta coisa de trocar mensagens consigo dá nisto, o Vítor Dias não está a pensar responder-me com aquele seu comentário padronizado para estas situações que é mais ou menos assim “escreveu muito mas não desmentiu nada do que disse”, pois não? É que esse eu já conheço…

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  3. Você faz-se puramente e simplesmente desententido.

    Volto a repetir: você sabe muitíssimo bem que a expressão «cerco à Constituinte» foi criada e depois milhares de vezes usada (sempre omitindo o conflito social com o Governo)para alegar a existência de uma movimentação de trabalhadores «orquestrada» pelo PCP para contrariar a elaboração da Constituição ou pôr em causa a Assembleia Constituinte.

    Esse é o ponto fundamental.

    E já que não é capaz de demonstrar o contrário, como não houve quaisquer reivindicações políticas dirigidas aos deputados à Constituinte ou sobre a elaboração da Constituição, então devia ter a lisura e a honestidade intelectual de reconhecer que a escolha e a menção da expressão «cerco à Constituinte» não é inocente nem respeita a integralidade dos factos verificados.

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  4. Acho gratuito querer arrastar-me para o seu jogo, onde pretende confundir a substância com a semântica da expressão “Cerco da Constituinte”. Ao contrário do que escreve, não foram necessários grandes prodígios de imaginação para aquela expressão ter «aparecido», já que «Cerco da Constituinte» se tratava apenas da descrição do que então se podia observar – uma multidão de manifestantes cá fora no Largo e os deputados da Assembleia Constituinte sequestrados dentro do edifício sem poder sair.

    Por outro lado, sem a mínima animosidade contra si e apenas por espírito de curiosidade, gostaria de saber qual seria a sua reacção se me postasse à porta de sua casa e durante 24 horas o impedisse de sair onde quisesse. Sem lhe reivindicar nada. É muito provável que, nem que seja por coerência com o que já escreveu, não se descrevesse como “cercado” mas, dados os seus cuidados redactoriais, deito-me a imaginar qual seria a expressão sinónima que empregaria…

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  5. Nao sou politica nem pretendo sequer entrar em questoes politicas apenas deixo o testemunho de um facto que ninguem lembra mas eu com 13 anos naltura nunca esquecerei. Do cerco ou sequestro como lhe queiram chamar à assembleia da Republica tenho lembranças que nunca esquecerei, nao por nenhuma razao politica mas razoes afectivas . Meu avô Olivio França naltura com quase 74 anos era deputado do PSD, tinha sido sempre da oposição, inclusivamente em Outubro de 1961 estava preso devido às eleições , facto narrado no jornal Avante de outubro de 1961, ja tinha sido preso varias vezes, mas recordo essa data pois eu nasci em 8 outubro de 1961, por isso quando nasci estava preso. No tal cerco era deputado, passaram a noite sem dormir e sem comer. Dado a idade avançada do meu avô e provavelmente o declinio do esforço fisico alguns deputados do PCP ofereceram durante a noite comida ao meu avô que disse que so aceitaria se todos os outros deputados tivessem acesso à comida, facto que nao aonteceu, por isso da parte da manha o meu avô saiu em ambulancia, no meio daquela gente toda que rodeava a assembleia, segundo palavras proferidas mais tarde pelo meu avô o que mais lhe custou foi ouvir da boca de populares palavras de agressao como "fascista" . O dialogo que ele relatou foi que alguem da multidao chamou-lhe fascista e outro do lado disse "deixa la ja é velhote" ao que o primeiro interveniente disse "o Franco tambem é velhote" como podem calcular um homem que passou a vida a lutar contra o antigo regime na defesa pela liberdade foi doloroso ouvir tais palavras.
    Se existem ou nao fotos ou videos da ambulancia penso que sim, mas o episodio esta gravado na minha memoria, ate porque embora so soubessemos ja o meu avô estava recuperado (naltura nao havia facebook nem twitter e os directos nao eram tao rapidos)a minha mae so descansou quando falou com o meu avô e se certificou que ele estava bem sem sequelas. Como disse o meu avô era deputado e nao membro do governo, foi impedido de sair e de comer durante o cerco. Chamem-lhe o que quiserem mas factos sao factos!

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