24 agosto 2011

O SEGREDO DA «LOIRINHA» BURRA

Há ocasiões em que me convenço que se tornou indispensável aos jornalistas modernos possuírem um certo grau de ignorância básica para que consigam escrever as peças que as suas hierarquias consideram suficientemente apelativas para o leitor. Só essa ignorância lhes permite que depois cilindrem aqueles factos que deviam fazer parte de uma cultura geral mediana e consigam escrever artigos tão anacrónicos como Teresa Firmino o fez ontem no Público, um artigo intitulado (apelativamente) Já sabemos o segredo da loirinha (trata-se da cerveja…) que, mau grado o título alusivo ao saber, é um texto dominado pelo síndrome da ignorância da autora…

Teresa Firmino é a especialista do jornal em artigos científicos e é experimentada. Mas deve ter achado que o assunto era assim para o aborrecido e resolveu avivá-lo criando um enredo à José Hermano Saraiva… E saiu-lhe assim: Ao fim de seis anos de investigação, a equipa descobriu que o antepassado selvagem da levedura da cerveja lager ainda vive nas florestas da Patagónia. Portanto, no século XV, quando os europeus começaram a transportar pessoas e mercadorias de um lado para o outro, através do Atlântico, uma espécie de levedura da América do Sul viajou milhares de quilómetros, quem sabe se num pedaço de madeira ou no estômago de uma mosca-da-fruta, e acabou por ir parar às caves e mosteiros da Europa Central. Ao fundir-se com a levedura até aí usada, numa feliz coincidência que muitos agradecem hoje, deu origem a um híbrido, que permitiu a fermentação da cerveja a temperaturas baixas.

Claro que Teresa Firmino devia saber que o Século XV vai de 1401 a 1500 e devia também saber que Cristóvão Colombo descobriu a América (apenas as Antilhas) em 1492. Podia-lhe ocorrer que o ano da descoberta do Brasil foi 1500. Podia-se informar que a Patagónia fica no Sul da Argentina e que os primeiros europeus que a atingiram foram os da expedição de Fernão de Magalhães na sua viagem de circum-navegação em 1521. O que torna improvável – tanto mais que o processo läger terá aparecido na primeira metade do Século XV – que a espécie de levedura tenha feito aquela viagem atribulada cuja descrição imaginativa é digna de um título: Harry Potter e a mosca-da-fruta glutona. E, embora acredite que seja o sonho de toda a jornalista transformar-se na próxima J.K. Rowling, ainda mantenho aquela ideia antiquada que a escrita no jornalismo é uma actividade de não-ficção…

4 comentários:

  1. Ainda se fosse só o anacronismo, ainda perdoava.
    Pior, muito pior, é o aparecimento de erros de ortografia que os corretores ortográficos deixam passar.
    Há uns dias atrás, numa notícia no Público on-line, apareciam os "maus concelhos" que alguém tinha dado a um terceiro.
    E também já encontrei estes maus "concelheiros" no Expresso e no DN.

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  2. Eu também li um artigo.
    Em princípio desconfio sempre (muito) destes estudos (pseudo) científico divulgados em meia página de jornal e, normalmente "passo".
    Este, referia-se a um assunto que me é "caro" e, portanto li. A cerveja, seja ela de que côr fôr.
    Lido o texto achei a coisa estranha e guardei para futura análise.
    Poupou-me o António algum trabalho o que desde já agradeço.
    Não sei se a Firmino é loira mas que é burra, perguiçosa e sem vergonha, é.

    Cumprimentos

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  3. Fui ver uns velhos manuais,e não
    me parece que a mosca da fruta
    (ceratitis capitata)alguma vez tenha voado na Patagónia,e a
    "douta" jornalista também não deve saber o que é um híbrido... deve
    andar a treinar para escrever
    ficção científica

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  4. Suponho, Rui Esteves, que o corrector automático é um processo de auxílio muito “lourinho burro” que é incapaz de identificar, por exemplo, nesta mesma frase a diferença entre “auxílio” e “auxilio”. E é da normas que não se podem delegar responsabilidades em tais “auxiliares”.

    Sugiro-lhe que, mesmo assim, leia o artigo e as opiniões dos cientistas envolvidos, Fernando Frazão, porque o assunto até é interessante e os investigadores não têm culpa nenhuma da jornalista que foi destacada pelo Público para o noticiar. Aliás, insisto em que o leiam, porque, mais do que não saber o que é um híbrido, Paulo, lendo o artigo fica-se ainda mais com a sensação que, para além da ignorância dos elementares de História, a jornalista especializada em assuntos “científicos” não possuirá os mínimos rudimentos de Microbiologia.

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