A recente transmissão dos jogos das selecções da Copa América (que culminaram numa final pouco comum entre as equipas do Uruguai e do Paraguai – acima) despertou-me a atenção para o quanto – com excepção dos casos do Brasil com a Argentina e desta última com o Chile – nos são desconhecidas as rivalidades tradicionais entre os países sul-americanos. Ora uma das expressões mais sangrentas dessas rivalidades foi a Guerra do Chaco, que se travou entre 1932 e 1935 e onde se confrontaram a Bolívia e o Paraguai.
O Chaco que deu o nome à Guerra é uma grande região natural do interior da América do Sul com cerca de 650.000 km² de extensão, quase totalmente desabitada porque inóspita. A inospitabilidade acentua-se mais na zona que era disputada pela Bolívia e pelo Paraguai, o denominado Chaco Boreal, que ocupa metade daquela área – acima, vê-se um mapa de um frustrado projecto de partilha da região de 1879; abaixo aspectos da flora típica do local (notem-se os cactos…) durante uma patrulha de militares bolivianos.
A falta de água foi um factor importante a interferir no decorrer das operações. Outro factor ainda mais importante para a forma como essas operações decorreram foi o da pobreza dos dois países beligerantes que se reflectiu na pobreza de meios técnicos dos dois exércitos engajados. É verdade que nessa época de mobilizações gerais, tanto a Bolívia (com cerca de 2.150.000 habitantes) quanto o Paraguai (com uns 900.000) terão mobilizado mais de 10% da sua população – 250 mil e 120 mil homens – para os seus exércitos.
Porém, outra coisa distinta era equipar esses milhares de mobilizados… Se observarmos com atenção as fotografias da época, nota-se na fotografia acima – no caso, até em contraste com as botas de montar a brilhar do general Kundt ao centro – as sandálias calçadas por alguns dos soldados bolivianos. E há que dizer que as sandálias podiam até ser um privilégio, pois o soldado paraguaio que nos aparece devidamente equipado abaixo está descalço, justificando o epíteto pejorativo de Pila (pé descalço) dado pelos seus inimigos.
Tratou-se essencialmente de uma guerra da infantaria condicionada pelos problemas logísticos da água, enquanto o emprego de outros meios de combate mais sofisticados como fossem os casos da artilharia, aviação ou blindados se revestiram muitas vezes de facetas caricatas: a ofensiva inicial boliviana envolveu a participação de… cinco blindados – de dois tipos diferentes! As duas Forças Aéreas mostravam-se igualmente heterogéneas, raramente havia mais do que um punhado de aviões do mesmo tipo e origem.
Apenas no ramo naval é que existia uma superioridade nítida de um dos beligerantes: a flotilha fluvial paraguaia (acima) navegando o extenso Rio que dá o nome ao país. Não só por causa dela, mas também por causa dela, o Paraguai veio a vencer o conflito que causou cerca de 100 mil mortos, substancialmente muitos mais por doença do que em combate. E até as celebrações da Vitória que tiveram a ter lugar em Assunção, capital do Paraguai (abaixo), parecem ter-se adequado em contenção e modéstia a esta Guerra entre países pobres…
No entanto, Hergé aproveitou-a muito bem, embora fosse contemporâneo.
ResponderEliminarDa forma como escreveu o seu comentário, começando-o por "no entanto", ficou-me a parecer que o faz por contraponto a algo que eu tenha escrito, embora eu não perceba o quê, João Pedro.
ResponderEliminarQuanto a Hergé, já havia feito a associação de "A Orelha Quebrada"
com esta guerra noutro poste: http://herdeirodeaecio.blogspot.com/2008/09/outra-amrica.html
O Contrponto era ao "guerra esquecida", mas tendo em conta que refiro à frente a contemporaneidade com Hergé, talvez soe a contraditório.
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