16 setembro 2008

A OUTRA AMÉRICA

A América do Sul não goza do destaque mediático da sua irmã setentrional. Apesar de ali termos tido a nossa maior e mais importante colónia e do Brasil se afirmar cada vez mais como a potência hegemónica do continente, a nossa ignorância sobre o que ali se passa e sobre o que ali se passou costuma ser muito grande. E nem nos deve servir de consolação o facto de, compartilhando a mesma língua, essa ignorância sobre os problemas brasileiros e sul-americanos ser muitas vezes recíproca, quanto ao que no Brasil se atenta aos problemas portugueses e europeus.
O mapa abaixo é um desses pormenores desconhecidos do passado, e mostra-nos como o continente foi atravessado ao longo do Século XIX por inúmeras disputas fronteiriças entre os países que se haviam tornado independentes de Espanha e de Portugal durante o primeiro quartel do século. Como o Brasil tem fronteiras com quase todos os países sul-americanos (salvo com o Chile e com o Equador) quase só por excepção é que o Brasil não esteve envolvido nas rectificações fronteiriças (algumas delas violentas) que ali vieram a ter lugar.
O Brasil esteve também envolvido no último e, até agora, único episódio de uma secessão bem sucedida que veio a ter lugar no continente sul-americano: a do Uruguai, em 1828, que se tornou independente da tutela brasileira. Aliás, todas as questões envolvendo o Uruguai e também o Paraguai (onde se travou uma guerra entre 1864 e 1870) tiveram e mantêm a importância estratégica de se localizarem na região tampão que separa os dois países que têm pretensões hegemónicas sobre o continente: a Argentina e o Brasil
Mas a maioria dos conflitos que estão mais acima assinalados é-nos desconhecida, assim como nos é também desconhecida a única guerra convencional de alguma envergadura que se travou no continente durante o Século XX e que ficou conhecida pela Guerra do Chaco (acima), que opôs o Paraguai e a Bolívia entre 1932 e 1935, a pretexto de uma enorme região árida e despovoada designada pelo nome de Chaco Boreal. Foi uma guerra peculiar, opondo interesses comerciais antagónicos, mais do que os países participantes.
Do lado boliviano estava a Standard Oil norte-americana e do paraguaio a Royal Dutch-Shell anglo-holandesa e no meio as suspeitas que sob o Chaco estariam alguns dos campos petrolíferos mais ricos descobertos até então. Não fosse a memória dos 100.000 mortos causados pelo conflito (a maioria por doença) e a síntese da sua história poderia ser perfeitamente dada pela descrição que dela faz Hergé no livro de BD de Tintin, A Orelha Quebrada (acima), onde nos faz a apresentação do típico oficial sul-americano, o General Alcazar (abaixo)
Para a História, e apesar dos muitos erros militares acumulados pelos dois antagonistas, a vitória veio a pertencer ao Paraguai que veio a receber quase todo o território do Chaco que estava em disputa. Foi a terceira derrota consecutiva da Bolívia nestes conflitos fronteiriços. Ela já havia perdido a saída para o mar para o Chile e também os seringais de borracha do território do Acre para o Brasil. Contudo, desta vez, a Shell acabou por ficar desapontadíssima com o que ganhara porque o Chaco afinal não se veio a revelar aquele mar de petróleo que se imaginava.
Paradoxalmente, os grandes depósitos de hidrocarbonetos que o território boliviano escondia afinal eram de gás natural e situavam-se um pouco mais a Norte da área disputada, na província de Santa Cruz, precisamente aquela que hoje lidera o processo autonomista/separatista que tem dividido a Bolívia. E, mais uma vez, embora a voz dominante seja a do costumeiro presidente venezuelano, Hugo Chavez, o tal que não se cala, adivinham-se, mais do que se vêm, os omnipresentes interesses brasileiros no acompanhamento da crise.

4 comentários:

  1. A:teixeira: e por detrás da Standard Oil( shell estavam os Estados Unidos e A Inglaterra/império Britânico que quase se pegaram uma com a outra, especialmente as marinhas de ambas...

    Muito bom post este.

    Dissidente-x

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  2. Eu já sabia que o sabiá sabia assobiar... (Sabiá: passarinho canoro próprio da Bacia do Prata)... Pois é, sem pretender faltar o respeito com o meu joguinho de palavras, eu já sabia sobre isso dos interesses corporativos por trais de todo esse balaio que significou a Guerra do Chaco Boreal... aliás, em termos gerais, essa guerra deixou ainda mais pobres do que já estavam, os dois mais pobres (e únicos países mediterráneos) da Sulamérica e por extensão da América toda, o seja, Bolívia e Paraguay.
    Obrigado.

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  3. A título de esclareçimento, ou não, as disputas separatistas no Brasil continuam até hoje. Ninguém está disposto a entrar em guerra, mas vale lembrar o interesse separatistas do Estado de SP, do Nordeste, e o que conta com mais apoio popular, a independência dos Estados do Sul. O apoio popular chega a alcançar mais de 60% em todo o território. Causa praticamente perdida, pois os interesses políticos das tradicionais oligarquias brasileiras jamais permitirão tal divisão.

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