07 setembro 2008

VIVA CONSTANTINO! VIVA A CONSTITUIÇÃO!

Pelos vistos, também se pode dizer que os postes são como as cerejas. Ainda a respeito daquelas magnificas paradas militares russas, vale a pena contar a história associada a uma delas que teve lugar a 14 de Dezembro de 1825*, que não correu tão bem quanto as demais. O Czar Alexandre I (1777-1825), que foi o grande opositor de Napoleão, morreu a 19 de Novembro de 1825, sem posterioridade legítima. E, ao morrer, deixou um pequeno problema, mas delicado, por resolver.

O sucessor aparente do trono era o seu irmão imediatamente mais novo, o Grão-Duque Constantino (1779-1831), um daqueles casos embaraçosos que surgem nas casas reais, quando um indivíduo desequilibrado fica num lugar perigosamente próximo da sucessão ao trono. O irmão fizera-o Vice-Rei da Polónia, mas a impopularidade que ficou associada ao nome de Constantino nesse país, deve-se mais às medidas tomadas em seu nome, do que às suas decisões.
Constantino havia renunciado secretamente à coroa em 1822, e o novo herdeiro passou a ser um irmão muito mais novo de Alexandre e de Constantino (com 19 e 17 anos de diferença respectivamente), o Grão-Duque Nicolau, que veio a ser o Czar Nicolau I (1796-1855). Ora, por morte de Alexandre, tornava-se necessário que Constantino (que estava na Polónia) anunciasse publicamente a sua renúncia ao trono. Enquanto isso não acontecia, existia em São Petersburgo uma espécie de vazio de autoridade.

E a ocasião foi aproveitada para que uma associação de oficiais liberais tentasse um pronunciamento, como então estava na moda. O motivo próximo da revolução seria a defesa dos direitos do Grão-Duque Constantino, o seu objectivo real era a criação de uma Constituição para a Rússia, a oportunidade para a pôr em prática seria a manhã do dia 14 de Dezembro quando o recém-entronizado Czar Nicolau fosse receber, numa gigantesca parada militar, o juramento do exército.
A ideia dos Dezembristas (nome pelo qual ficaram conhecidos os conspiradores) era transformar aquela profissão de lealdade numa rebelião. Claro que as coisas correram mal, se tivesse sido bem sucedida o leitor já teria lido a história noutro sítio, não aqui no Herdeiro de Aécio. Por um lado, o comportamento das tropas deu a entender de que algo de anómalo se passava e a cerimónia foi adiada. Por outro, os oficiais envolvidos só comandavam uma minoria das unidades presentes na cerimónia.

Para mobilizar as massas militares, os oficiais lançaram umas palavras de ordem: Viva Constantino! Viva a Constituição! As massas reagiam repetindo-as devidamente, mas, dado o grau de educação médio dos soldados russos daquela época, ficou para sempre a reputação que os soldados o faziam convencidos que a Constituição era a mulher de Constantino!... Um General prestigiado, o Conde Miloradovich, enviado para acalmar as tropas, foi morto por um dos oficiais revoltosos.
Gerou-se um compasso de espera, enquanto o Czar Nicolau I contava as suas espingardas: à tarde, já ele sabia que a grande maioria da guarnição militar de São Petersburgo lhe permanecera fiel. E começou o contra-ataque, usando a artilharia, empurrando os revoltosos até ao rio Neva, onde tiveram que se render. A repressão que se seguiu foi implacável: foram presos 121 envolvidos e o Czar quis conduzir pessoalmente os interrogatórios realizados sob tortura. Cinco cabecilhas foram executados.

Assim desapareceu por décadas o liberalismo russo, afogado em sangue. Contudo, por detrás do mito e observados mais de próximo, os protagonistas da revolta, aristocratas na sua esmagadora maioria, apresentavam as enormes contradições da sua época. Assim como os proprietários de escravos que tinham redigido os princípios da Constituição dos Estados Unidos, também quase todos aqueles paladinos do liberalismo russo eram proprietários de dezenas, senão centenas ou milhares de servos…

* As datas usadas são as do calendário juliano então em vigor na Rússia. Para as converter no calendário gregoriano usado pelo resto da Europa há que adicionar 12 dias. No caso da parada, ela teve lugar a 26 de Dezembro de 1825.

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