27 agosto 2011

A CONFRATERNIZAÇÃO

Quando, no período final da Segunda Guerra Mundial na Europa, as tropas norte-americanas invadiram as primeiras localidades alemãs ainda em princípios do Outono de 1944, o General Eisenhower emitiu uma Ordem proibindo os seus subordinados de confraternizarem com os civis alemães (Setembro). Desde o princípio que, no terreno e num substancial número de vezes, a proibição permaneceu letra-morta, especialmente quando envolvia civis carentes e dependentes como as crianças e os idosos. Com o fim da Guerra a 8 de Maio de 1945, com os combatentes inimigos vencidos e aprisionados, imensas vozes se levantaram entre os generais para o levantamento de alguns rigores dessa proibição motivada por directivas políticas vindas de Washington. Abstraídos daquela disputa político-militar no topo e transformados pela evolução dos acontecimentos de unidades de combate em unidades de guarnição, os soldados norte-americanos, envoltos num ambiente de lazer, desejavam era confraternizar mais… Alguns números mostram o aumento dessa confraternização: a taxa de incidência de doenças venéreas atingiu um primeiro máximo de 140 por 1.000 homens em Junho de 1945 (um caso para sete militares) para atingir um novo record de 190 por 1.000 em Setembro (ou seja, quase um para cinco…). É verdade que a explicação podia ser atribuída a uma inconveniente ruptura dos stocks de preservativos no Verão de 1945 que obrigara a reduzir a dotação mensal de cada militar de 6 para 4, mas não seria só isso…
Por razões de Saúde Pública, o próprio General Eisenhower, tivera, ainda em Junho de 1945 que emitir uma outra Ordem especial que era um paradoxo à luz da que proibia as confraternizações com os civis: aqueles soldados que se apresentassem para tratamento das doenças venéreas que houvessem contraído não seriam acusados por confraternização com os civis alemães. Deixo para a imaginação do leitor o processo milagroso como esses soldados contrairiam as doenças venéreas sem qualquer confraternização
Mais do que um problema exclusivo do Exército norte-americano estacionado na Alemanha (61 Divisões e 1.622.000 homens em Maio de 1945), as doenças venéreas acabaram por tornar-se um problema de Saúde Pública da população alemã no seu todo, com os Aliados das forças de ocupação (americanos, soviéticos, britânicos e franceses) a acusarem-se reciprocamente pela sua disseminação... A partir de Novembro de 1945 chegaram cargas aéreas de penicilina dos USA para o tratamento da gonorreia também entre os civis…
Mas só em meados de 1946 é que as taxas de incidência de doenças venéreas entre os militares norte-americanos (e no geral) começaram a diminuir para valores razoáveis. As condições de destruição que a Alemanha atingira no fim da Guerra dera à palavra confraternização um terceiro sentido, para além do literal empregue por Eisenhower na sua Ordem e daquele outro que aqui usei subentendida. Havia factores económicos a incentivar uma confraternização ainda maior entre os norte-americanos e as alemãs…
Os primeiros tinham um acesso fácil à alimentação, a chocolates e doces, café, cigarros, sabão, cerveja e outras bebidas alcoólicas, à roupa… – as famosas meias de seda que punham as cabeças das moças a andar à roda! E as segundas estavam reduzidas a não ter acesso a nada. Era uma situação demasiado desigual para que as relações entre uns e outras não fossem muitas vezes aquilo que se pode classificar como uma área nebulosa onde se torna difícil fazer a distinção entre a prostituição e a relação sentimental clássica…
Não apenas a presença das tropas ocupantes mas combinada com a ausência de milhões de homens alemães mantidos como prisioneiros de guerra, fazia com que, nos finais de 1945, uma em cada cinco crianças alemãs nascesse fora do matrimónio. Nos dez anos seguintes os soldados norte-americanos vieram a ser responsáveis pelo nascimento de 37.000 bebés ilegítimos (55% do total da Alemanha Ocidental) dos quais uns 10% de pais com ascendência africana. Algumas dessas crianças vieram a ser adoptadas em lares nos Estados Unidos…
Foi apenas em Dezembro de 1946 que a Ordem proibindo as confraternizações com o ex-inimigo veio a ser totalmente anulada, permitindo-se finalmente a realização de casamentos entre americanos e alemãs. Entre 1946 e 1949 houve cerca de 20.000 noivas alemãs que cruzaram o Atlântico para se juntarem aos maridos. Entretanto, na Alemanha restabeleciam-se circuitos comerciais, as pessoas recuperavam poder de compra e tornava-se acessível um medicamento contra os efeitos das confraternizações: o abortivo Orasthin...

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