28 agosto 2011

UMA GUERRA COMO UMA DAS NOSSAS

A Guerra que conduziu à independência da Namíbia (1966-1988) é uma das menos documentadas de entre as Guerras modernas. Comprovando-o, a entrada de Wikipedia que a ela se refere é parquíssima em informações concretas, mesmo a de língua inglesa não é muito melhor e, significativamente, não existe entrada em africânder, que é o idioma associado ao regime de supremacia branca sul-africano que foi o contendor derrotado dessa guerra. Por tudo isso, o livro abaixo é uma raridade...
The Covert War tanto esclarece quanto é um desapontamento. Esclarece no sentido em que explica detalhadamente – demasiado até, para aquilo que eu procurava – os aspectos tácticos de um conflito que, afinal, se arrastou por 22 anos. É um desapontamento porque se trata de um depoimento de um veterano, Peter Stiff, um sargento de origem londrina que optou pela nacionalidade sul-africana, que escreve sobre aquilo que conhece mas não se quer arriscar – felizmente! – a ir para além disso.
Lendo a descrição do território onde a guerra se travou, extensíssimo, com 825.000 km², a fronteira com Angola, por onde se processavam as infiltrações dos guerrilheiros da SWAPO (acima) tem 1.376 km de extensão, semi-desértico e com a densidade populacional a rondar os 3 habitantes por km², é impossível não se fazer a associação com outras zonas de operações semelhantes das guerras coloniais portugueses como o Leste de Angola (que aliás lhe está adjacente) ou o Noroeste de Moçambique (Niassa). Como acontecia com os portugueses, também aqui a intensidade do conflito era baixa e as acções esporádicas. Isso permitia aos sul-africanos criar a ficção que o problema estava entregue às forças policiais. O Koevoet do título, o nome da unidade especial a que pertencia Stiff, era tecnicamente uma unidade policial encarregada da contra-subversão, embora as fotografias que aqui aparecem (acima, a de um treino) mostrem como seria difícil distinguir os polícias dos soldados regulares da SADF.
Outro aspecto interessante é o do período coberto pelo livro, de 1979 a 1989, ou seja cinco anos depois do fim das Guerras de África dos portugueses. É possível seguir ali a evolução técnica da guerra e descobrir algumas soluções para problemas que também afligiram os portugueses: o das minas, através da utilização de viaturas de transporte apropriadas para o efeito como o Casspir (acima), reforçadas, mais elevadas e com o fundo em forma de V para dispersar para os lados o sopro da explosão das minas.
Ou então, um novo sistema de exaustão para os helicópteros Allouete III (acima, numa evacuação médica) que os tornavam muito mais difíceis de ser reconhecidos (e de ser abatidos…) pelos mísseis terra-ar SAM-7 dos guerrilheiros. Em questões de material de guerra, também aqui os sul-africanos, tal como acontecia connosco, continuavam a considerar a sua captura e exposição como um sinal de sucesso com o seu cortejo tradicional de AKs, RPGs e SKSs e outro armamento de origem soviética (abaixo).
Mas, por muito que a Koevoet se possa orgulhar nesses 10 anos de guerra dos 1.615 contactos com o inimigo, nos quais abateu ou capturou 3.225 guerrilheiros da SWAPO, pagando o preço de 160 polícias mortos e ainda mais 949 feridos em combate – a maioria dos quais namibianos negros conforme se pode deduzir pela fotografa abaixo – é a SWAPO que acaba por vir a ganhar a Guerra e a explicação para essa desfecho é que não aparece no livro apesar das suas 480 páginas…
Por um lado: é pena. Obrigar-me-á a estar atento ao aparecimento de um novo livro sobre este tema, mas que o analise na sua perspectiva global, política e militar. Por outro lado: ainda bem. O autor, singelamente, cinge-se aos aspectos do conflito que domina, que as complexidades de uma Guerra subversiva não serão para todos… É um exemplo de modéstia para outros veteranos das nossas guerras que tendo paticipado na derrota quando do original, vencem-nas agora quando as revisitam na memória.

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