A mim, que me orgulho de ter sido considerado pelo próprio mais pessoalmente reles do que ele pensava (veja-se o cabeçalho do blogue) e que raramente me disponho a comentar aqui aqueles acontecimentos políticos do quotidiano, só posso congratular os autores da decisão pela escolha de tão insigne pessoa para cabeça de lista do PS ao Parlamento Europeu:
Noite dentro, a SIC Notícias transmitiu ontem um dos quatro episódios em que se desdobrou uma longa entrevista que o já então ex-presidente norte-americano Richard Nixon deu ao famoso entrevistador britânico David Frost em 1977. Quanto a Richard Nixon, creio que dispensa apresentação, quanto a David Frost, vale a pena dizer que a sua projecção mediática foi feita à custa de muitas cotoveladas aos colegas de profissão, incluindo mesmo os que faziam parte da sua equipa. Foi azar de Frost que entre os que ele aleijou nessa ascensão se contavam os membros dos Monty Python que lhe dedicaram depois um sketch onde o retratavam de uma forma particularmente maldosa (abaixo*)…
Mas, como se dizia no famoso separador de assuntos inventado precisamente pelos Monty Python (and now for something completely different**), o teor da parte da entrevista de Frost a Nixon que ontem estive a seguir dedicava-se a um assunto completamente diferente, à visita que Nixon havia realizado à China em 1972, às opiniões que ele formara dos contactos pessoais com os dirigentes chineses da época, Mao Zedong e Zhou Enlai, e às perspectivas que Nixon teria então de como seria evolução da China, sabendo-se que, à data da entrevista, se estava no ano imediatamente a seguir ao da morte daqueles dois dirigentes - ambos haviam morrido em 1976, Zhou em Janeiro e Mao em Setembro. Durante essa parte da entrevista, diversas vezes Nixon fez referência a um misterioso presidente Wa – pelo menos era assim que o seu nome aparecia escrito nas legendas… Quem conheça a história recente da China certamente que não deve conhecer nenhum destacado líder chinês que se tivesse chamado Wa. Uma hipótese mais plausível é que o tradutor daquela entrevista percebesse imenso de fonética inglesa mas fosse completamente ignorante sobre a história moderna da China e tivesse aplicado as regras da primeira especialidade para escrever o primeiro nome daquele que se havia tornado o sucessor de Mao Zedong, de seu nome Hua Guofeng (acima, uma fotografia dos dois)… A avaliação feita por Nixon sobre a situação chinesa da época serviu para me relembrar a extraordinária importância – que, por acaso, hoje está praticamente esquecida na historiografia oficial chinesa... – da pessoa de Hua Guofeng durante o quinquénio de transição entre a época dos extremismos do período final da vida de Mao (1966-1976), protagonizada sobretudo por aqueles que vieram depois a ser baptizados por Bando dos Quatro (Wang Hongwen, Yao Wenyuan , Zhang Chunqiao e a mulher de Mao, Jiang Quing), até à efectiva consolidação do poder nos princípios da década de 1980 por parte de Deng Xiaoping e dos seus aliados e protegidos, Hu Yaobang e Zhao Ziyang. Curiosamente, fazendo uma análise do ponto de vista etário, era o reformador Deng Xiaoping (abaixo, nascido em 1904) que aparecia muito mais como uma continuação geracional da geração de Mao Zedong (nascido em 1893) e de Zhou Enlai (em 1898) do que os revolucionários do Bando dos Quatro (nascidos entre 1914 e 1933) ou mesmo do que a solução de continuidade e de compromisso então representada por Hua Guofeng (nascido em 1921). Em termos ideológicos, contudo, Deng viria a representar uma ruptura substancial com as concepções de organização económica que haviam prevalecido até então na China. Mas isso ainda era o futuro na altura em que David Frost entrevistou Nixon.
Mas, porque o auto-convencimento em excesso o pede, não consegui resistir a dar o devido destaque neste poste àquele episódio do misterioso presidente Wa... Para mais quando, conforme estamos habituados a ouvir àquele que tem sido recentemente elevado a um estatuto parecido com o de David Frost, mas à portuguesa (Mário Crespo, abaixo), isso acontece numa estação de televisão que se ufana da excelência dos seus conteúdos…
* De notar especialmente o genérico final, onde a autoria é atribuída inteiramente a Timmy Williams com material adicional de dezenas de outras pessoas. David Frost era conhecido (criticado e desprezado) por plagiar descaradamente ideias alheias.
** E agora, para uma coisa completamente diferente.
O noticiário das 7H30 da TSF de hoje começou com as declarações de ontem de Manuela Ferreira Leite criticando José Sócrates por preferir comparecer à sessão de encerramento do Congresso do seu Partido no Domingo do que à Cimeira Europeia informal que se irá realizar no mesmo dia. O noticiário das 8H00 repetiu as declarações de Manuela Ferreira Leite, mas já incluiu as de Augusto Santos Silva em reacção às críticas de Manuela Ferreira Leite. O das 8H30 já principiou pelas declarações de Santos Silva, que depois precisaram de ser enquadradas com as que haviam sido proferidas anteriormente por Manuela Ferreira Leite. E no das 9H00, num espaço de abertura ainda mais alargado para as declarações de Santos Silva, já se incluíam as suas apreciações à boutade de Ferreira Leite sobre os seis meses sem democracia, como se isso tivesse alguma coisa a ver com o assunto original… Ao mesmo tempo, desmentindo na prática tudo o que Santos Silva estava a dizer sobre a importância do Congresso do PS para justificar a comparência de José Sócrates, a própria TSF, em notícia posterior de cada noticiário, elegia como assuntos potencialmente mais interessantes para o Congresso o eventual - ainda não confirmado - anúncio de quem será o cabeça de lista do PS para as eleições europeias e… a presença ou ausência de Manuel Alegre no dito Congresso. O que vale é que a tal Cimeira informal também é capaz de ser uma grande chachada… José Sócrates até pode ter razão e podia mandar que os seus assessores transmitissem isso de uma maneira elegante. Mas assim não... Na sua mais recente cruzada política, nem sempre José Pacheco Pereira tem tido razão quanto à parcialidade dos órgãos de informação. Neste caso concreto, nesta rádio em concreto, dou-lhe a razão. Toda.
* EN era abreviatura da Emissora Nacional, a emissora oficial do Estado Novo, cuja sigla sempre aparecia em lugar de destaque nas ocasiões em que os governantes se dirigiam ao país, conforme se confirma nas fotografias de Américo Thomaz e de Marcello Caetano acima inseridas.
A forma como frequentemente se apresentam teses e se argumenta aqui pela blogosfera faz-me lembrar uma daquelas tradicionais anedotas de elefantes. P: Como é que quatro elefantes cabem dentro de um Mini? R: Vão dois à frente e dois atrás… Mas, mais do que uma simples anedota, suponho que esta até contém um daqueles importantes ensinamentos filosóficos: quanto as discussões são de cariz eminentemente teórico, pode dizer-se o que se quiser, porque é mais importante que os argumentos sejam formalmente escorreitos do que realisticamente práticos.
Os quatro elefantes são um caso obviamente absurdo mas já li imensas outras questões que foram lançadas em bases igualmente absurdas, embora não tão óbvias, e que tiveram auditório disposto a levá-las a sério. Desengane-se quem acreditar que consegue chamar à razão quem profere tais afirmações. A própria anedota filosófica dos 4 elefantes tinha uma continuação, que nos mostra como os disparates de argumentação teórica podem ser infindáveis. P: E se houver dificuldades para que os quatro elefantes caibam no Mini? R: Ajeitam-se, enrolando as trombas para dentro…
O tumulto é um verdadeiro desporto nacional da Coreia do Sul. Nos outros países as pessoas manifestam-se de preferência de forma ordeira, embora, por vezes, as coisas degenerem em incidentes. Agora, quando os sul-coreanos se reúnem por uma causa (e eles estão sempre a arranjar causas…), as expectativas são para que haja naturalmente molho. Na Coreia do Sul nem valerá a pena mandar a polícia tradicional acompanhar uma manifestação para a eventualidade de haver desacatos: vai logo a polícia de choque para poupar tempo… Mas, mesmo assim, há sempre quem compareça às manifestações para enrijecer…
Na Nova Zelândia, o desporto nacional é o rugby. E diz-se que qualquer neozelandês pratica, já praticou ou praticará a modalidade. Também na Coreia do Sul qualquer sul-coreano anda, já andou ou virá a andar à trolha com a polícia de choque. Nos outros países o exercício da violência pela polícia acaba sempre por prevalecer mas uma manifestação sul-coreana é de interesse desportivo por causa da incerteza do resultado… Observe-se o vídeo abaixo, por exemplo, onde a polícia de choque avança a distribuir mas acaba por ser cercada, começa a enfardar para depois ter que retirar ignominiosamente…
Do outro lado da fronteira, no país irmão da Coreia do Norte, o carácter científico do marxismo-leninismo criou uma versão muito mais avançada daquele mesmo jogo, em que os descontentes que se quiserem manifestar também têm direito a participar num outro tipo de confrontação com a polícia, podendo ser seleccionados como alvos para a prática de tiro ao mesmo (veja-se abaixo*). Noutros casos, garante-se ao jogador uma longa estadia num complexo desportivo. Perante este inequívoco avanço do socialismo, nem se percebe como Bernardino Soares pôde alguma vez ter dúvidas quanto à natureza democrática do regime…
*Mais a sério, refira-se que, em rigor, os dois sistemas penais das Coreias incluem a pena de morte, embora, como refere a Amnistia Internacional, a Coreia do Sul tenha adoptado uma moratória oficiosa à sua prática que já dura há mais de uma década (desde 1997). Além disso, são substancialmente diferentes num país e noutro o tipo de delitos que são passíveis de ser sancionados com a execução.
No seguimento do poste anterior, nunca é demais recordar como era esmagador na China o culto de personalidade à volta de Mao Zedong nos seus anos de poder (acima, o hino O Oriente é Vermelho). Vale a pena recordar aqui um dos episódios propagandísticos mais caricatos dos anos da Revolução Cultural, quando se noticiou que a 16 de Julho de 1966 Mao Zedong havia atravessado o Rio Yangtze a nado. O recado político associado àquele feito, usando aquela subtileza bem oriental, era que o presidente Mao, então com 73 anos, estava bem de saúde e recomendava-se... O efeito pode ser visto no vídeo abaixo:
Claro que alguns dos pormenores que acompanhavam a notícia não sobreviviam a um escrutínio independente. Segundo a notícia, Mao nadara rio abaixo por cerca de 15 km, tendo demorado 65 minutos a fazê-lo. Mesmo contando com a corrente do rio, houve quem tivesse feito contas e o feito teria transformado Mao Zedong (aos 73 anos…) num recordista mundial de natação de longa distância! Mas isso não interessava nada na aparente histeria colectiva que se terá formado à volta da proeza do presidente Mao. Aparentemente, toda uma nação de centenas de milhões se virou para os benefícios da prática da natação…
Apesar do frenesim pela natação por toda a China, não se seguiu qualquer chuva de recordes por parte dos nadadores chineses… Que isto nos fique de alerta quanto aos efeitos reais das acções de propaganda, no que diz respeito à alfabetização informática que será desencadeada em Portugal por causa do Magalhães… Do evento, ficou-nos uma bela fotografia de Mao (acima) em que ele usa, à laia de fato de banho, uma gigantesca fralda de bebé e onde ele bóia feito uma morsa, fazendo-nos lembrar fotografias parecidas do nosso estimado presidente Mário Soares por ocasião da sua Visita de Estado às Seychelles… Despojados do seu pedestal político, olhar algumas fotografias dos ícones de outrora pode até tornar-se um passatempo divertido, como a fotografia acima de Mao com Lin Biao, onde impressiona ver a cor dos dentes de Mao cuja higiene pessoal, sabe-se agora, deixava bastante a desejar… Melhor que essa, será a fotografia abaixo, do encontro histórico de Mao com Nixon em Pequim em 1972, onde se podem observar uma espécie de penicos brancos junto às bases dos sofás (Nixon parece já ter mudado o seu para junto do sofá de Kissinger…) que não passam afinal de… escarradores. Para o que desse e viesse…
Nem sei como apareceu a celebrada figura de mandatário numa campanha. Suponho que nem vale a pena investigar. Porque também percebi a sua importância irrelevante para o sucesso da campanha que mandatam. Apesar disso, tem-se caminhado para uma multiplicação dos mandatos nas campanhas. Ou seja, são mais os que mandatam, mas mandatam apenas em áreas específicas, sejam elas regionais, funcionais ou etárias.
Hoje costuma haver um mandatário nacional que teoricamente devia ter, mas raramente terá, ascendente sobre mandatários, distritais, concelhios, financeiros, da juventude ou da terceira idade. Noticia-se que existem, mas ninguém sabe o que eles fazem. Sendo inócuos, podem ser cómicos. Nas últimas eleições presidenciais havia vários, alguns mandatados para uma juventude que nunca me pareceu entusiasmada com a campanha. Da parte de Cavaco Silva havia a mandatária Kátia Guerreiro que apenas aparecia e não devia, porque depois parecia estar interdita de abrir a boca. Da parte de Manuel Alegre, havia o PacMan, que abria a boca e não devia, porque não conseguia articular três frases encadeadas coerentes. Da parte de Mário Soares, havia a Joana Amaral Dias que articulava as três frases, mas não devia, porque nunca dizia algo de importante nelas. Que agora se evidenciea superficialidade desta última é coisa que não deve surpreender. Afinal, Joana Amaral Dias terá sido sempre uma criatura do Bloco de Esquerda promovida no meio daquela benevolência que a organização parece gozar no meio da comunicação social – e que agora lhe foi retirada… O meu apoio à campanha para a salvar não se deve ao preconceito que as bonitas são tontas, mas à preferência por tontas que sejam bonitas…
Já é possível fazer um balanço distanciado da Era da Descolonizações (1945-1984) (*) e pode-se fazer uma avaliação do que restou dos antigos impérios coloniais. Do dos britânicos ficou aquilo que era impossível política ou economicamente que eles se desfizessem (como Gibraltar) enquanto, em contraste, os franceses ficaram com tudo aquilo que era possível com que ficassem (abaixo). No caso dos portugueses, esses ficaram sem nada, embora haja algumas opiniões maliciosas que acham que se devia ter aproveitado a dinâmica de 1975 para se ter acabado com os encargos com a Madeira e os Açores…
Por falar em reivindicações, as características das populares que trouxeram recentemente os territórios franceses de Guadalupe e da Martinica nas Antilhas para as primeiras páginas dos noticiários são significativas de como a geopolítica deste Século XXI mudou em relação à da segunda metade dos da segunda metade do Século XX. É que os protestos de quem vive nesses Departamentos do Ultramar(**) refere-se sobretudo à forma discriminatória como são tratados em relação à metrópole, sendo acompanhados nas suas queixas, pelos vistos, pelos intelectuais locais que se mostram solidários com os grevistas… Ora, se os intelectuais de antanho eram extremamente lestos a brandir a bandeira da autodeterminação por sinónimo de independência (ainda recentemente me referi a uma música de Sérgio Godinho de 1974 a esse propósito: A África é dos africanos, já chega 500 anos…), os da actualidade tornaram-se porta vozes das novas reivindicações das populações locais, que já descobriram que os orçamentos da metrópole são muito mais robustos do que os de uma eventual nação independente: podem obter-se 200 euros de aumento para o salário mínimo entre um pacote de ajudas que totalizam 580 milhões… Se há inúmeros pontos do globo onde ainda se fazem sentir a acção de movimentos separatistas nacionalistas, passou a haver muitos outros onde eles têm condições para se exprimirem com toda a liberdade democrática, como serão estes dois casos de Guadalupe e da Martinica, mas onde eles simplesmente não se impõem, apesar do descontentamento popular e de taxas de desemprego de 25%… O nacionalismo já não é o que era e os tempos continuaram a mudar muito desde o tempo em que intelectuais como Bob Dylan cantavam que The Times They Are A-Changin´ (Os Tempos estão a Mudar)…
Para que eles continuem a mudar ainda mais, pode ser que passemos para uma nova fase na geopolítica: a das desindependências… E estou a pensar em meia dúzia de casos em que isso poderia acontecer, alguns envolvendo Portugal...
(*) Vejam-se alguns postes que aqui publiquei, no quadro de uma série mais alargada, intitulada As Independências ao Longo do Século XX: períodos de 1944-1956, 1957-1975 e 1976-1984. (**)Départements d´Outre-Mer, abreviado DOM, no original. Recorde-se que a palavra Ultramar (tradução directa do francês Outre-Mer) era uma expressão incontornável da política colonial do Estado Novo.
Não sei se a moda se deverá a Jon Stewart, mas foi no seu Daily Show que comecei a reparar como era hábito do entrevistador usar uma caneta na sua mão esquerda e dispor de um bloco de folhas de papel também do seu lado esquerdo durante o programa (acima), a que recorria em qualquer momento que fosse visualmente mais morto. Também se percebia, pelo percurso da sua mão, que aquilo que Jon Stewart escrevia nas tais folhas de papel não eram mais do que de simples garatujas. É um hábito que parece ter-se pegado, como se pode observar pelo exemplo de Talk Sex with Sue Johanson, um programa transmitido actualmente por um dos canais por cabo (acima). O sistema é o mesmo, e as garatujas também, o que me levou a suspeitar que aquela disposição fosse uma espécie de franchise e não tivesse nada a ver com o facto do anfitrião do programa ser canhoto. Aliás, seria talvez por ele ser direito e ter que escrever com a esquerda que só conseguia fazer garatujas…
Enfim, será sinal dos tempos que a demonstração subliminar de intelectualidade parece ter deixado de ser usar óculos para passar a ser escrevinhar coisas numa folha de papel… Eis senão quando, para desforra de todos esses apresentadores de Shows de televisão, os Estados Unidos resolvem eleger um Presidente genuinamente canhoto, que se caracteriza por pegar na caneta da mesma forma desajeitada com que eles o fazem (acima), mas neste caso, indiscutivelmente, para rubricar documentos oficiais…
Os britânicos tiveram a sua Malásia e os norte-americanos o seu Vietname, ambas em regiões tropicais, os franceses a sua Argélia e os soviéticos o seu Afeganistão, ambas em regiões áridas, houve ainda outras, mas a guerra subversiva que mais se terá assemelhado em todos os aspectos a qualquer das três que foram travadas pelos portugueses em África terá sido a Guerra da Savana Rodesiana (Rhodesian Bush War).
Há muitas mais coisas a torná-las semelhantes do que apenas uma questão de todas elas se terem travado no mesmo continente, em regiões de proximidade (no caso de Angola) ou mesmo de contiguidade geográfica (no caso de Moçambique). Também é mais do que a circunstância de haver uma quase sobreposição temporal entre os três casos envolvendo os portugueses (Angola, Guiné e Moçambique, 1961-74) e o rodesiano (1965-80). É o caso das fotografias de propaganda do regime se assemelharem, como a de cima, com mulheres e crianças de fazendeiros brancos assassinados pelos guerrilheiros da ZAPU em 1975, a lembrar as que haviam sido tiradas em 1961 no Norte de Angola, na sequência das acções da UPA. Como os portugueses haviam conseguido em Angola, também na Rodésia conseguiram dividir a oposição armada em mais do que um movimento: ZAPU e ZANU. Assim como o Zaire protegia as acções da FNLA no conflito angolano, no rodesiano era a Zâmbia que protegia a ZAPU (pró-soviética, assinalada acima em escuro com a foice e martelo) enquanto era Moçambique (depois de 1975) a proteger a ZANU (pró-chinesa, assinalada a claro com uma estrela). Como se pode observar, cada um dos movimentos tinha os seus santuários e os seus corredores de infiltração distintos. As patrulhas que levavam a cabo as acções de contra-subversão podem ser confundidas à primeira vista com as suas homólogas do exército português, com o mesmo tipo de camuflado, o mesmo tipo de arma individual (a FN FAL), até o próprio barrete (com abas protegendo a nuca) era semelhante ao volkswagen usado pelos portugueses!… Os problemas com que se defrontavam eram idênticos e as soluções frequentemente semelhantes… É o caso das operações helitransportadas, recorrendo precisamente ao mesmo tipo de aeronaves, os Allouette III de concepção francesa, por causa do boicote anglo-saxónico à aquisição de novo material de guerra. Mas note-se como este Alouette III já é posterior a 1974 e já está equipado com um dispersor nos exaustores da traseira do motor para dificultar a fixação por parte de mísseis SA-7Strela que viessem a ser disparados do solo… O equivalente aos Fiat G.91 (a superioridade aérea) era o Hawker Hunter (acima). Mas como eram considerados como um estado pária pela comunidade internacional, os rodesianos possuíam uma outra liberdade de acção (que esteve interdita a Portugal, com lugar na ONU e membro da NATO) para atacarem abertamente os santuários da guerrilha localizados nos países limítrofes. É isso que explica o Raid Green Leader, realizado a 18 de Outubro de 1978.
Por um período de cerca de meia hora, uma esquadrilha de 6 Hunters, acompanhada de outra de 4 bombardeiros Canberra, tomou conta do espaço aéreo zambiano, enquanto bombardeavam a principla base da ZAPU, que se situava perto da capital da Zâmbia, Lusaka. O vídeo acima reproduz parte das instruções então dadas pelo líder da esquadrilha atacante à torre de controlo do aeroporto de Lusaka… Que contraste com a (tentativa de) discricionariedade da Operação Mar Verde em Conacri em 22 de Novembro de 1970! Nestes momentos, que o tempo transcorrido acabava por tornar propenso ao revisionismo histórico, vale a pena perguntar qual terá sido a contribuição destas operações especiais, tão ousadas quanto ilegais, para o desfecho das guerras… Muito pouca! Afinal, tanto os rodesianos como os portugueses perderam as suas Guerras…
Tão entretido andava eu em dar relevo à notícia discreta da colisão de dois submarinos nucleares em pleno Atlântico que ia perdendo outra notícia discreta da colisão de dois satélites, um russo e um norte-americano(*), em plena exosfera, por cima da Sibéria. Excedendo em bizarria o incidente dos submarinos, mais do que um caso raro, tratou-se da primeira vez que dois satélites, vindos de direcções divergentes (ver o esquema acima) se cruzaram no espaço à mesma altitude (789 km), acabando por se destruírem mutuamente em consequência da colisão. O destino dos destroços no longo prazo será a incineração quando da reentrada nas camadas mais densas da atmosfera (abaixo). Mas, para já, torna-se necessário seguir as novas órbitas dos destroços para estimar quanto tempo demorará para que isso aconteça e verificar se entretanto os destroços não podem danificar outros satélites em órbita… (*) Contudo, ambos foram colocados em órbita (um em 1993, o outro em 1996) por lançadores russos e a partir de bases de lançamento russas.
O vídeo abaixo, captado durante uma emissão televisiva na África do Sul, poderia figurar como um pequeno anexo num qualquer manual de Ciência Política, demonstrando as vantagens de, em política, se possuir uma boa capacidade de antecipação dos eventos. Quando da sua entrevista, o enorme estalo que se escuta no início da sua intervenção, faz com que Nhlanhla Nene(*) ainda chegue a hesitar, para depois acabar por adoptar aquela atitude mais comum num político naquelas circunstâncias: se não aconteceu nada, então é porque não vai acontecer nada…
O desmentido que isso nem sempre é a atitude mais saudável na prática política aparece de uma forma fragorosa doze segundos depois do estalo inicial: o deputado sul-africano desaparece subitamente de cena, quiçá por causa do peso da sua argumentação… O vídeo poderia constituir também um pretexto de reflexão para a actual direcção parlamentar do PS que pretende adiar as votações marcadas para a próxima Sexta-feira por receio de as perder. A sublevação dos deputados não poderá ser o equivalente daquele crepitoso estalo da cadeira prestes a desabar?
(*) Nhlanhla Nene preside à Comissão de Finanças do Parlamento Sul-Africano. Em inglês literal diz-se que ele ocupa a cadeira dessa Comissão. Depois deste incidente, isso permitiu a criação de inúmeros trocadilhos cuja tradução é difícil para português.
O britânico Albert Ketèlbey (1875-1959) é um compositor mais popular do que importante no panorama da música clássica, o que não impede que se deva respeitar o que compôs. No vídeo acima pode-se ouvir No Jardim de um Mosteiro e pode-se escutar um outro grande sucesso seu no vídeo abaixo - Sinos Através dos Prados. Em ambos pode perceber-se como as composições de Ketèlbey, numa definição que certa vez ouvi a um alentejano, levam todas o seu tempo… a serem interpretadas.
É por isso que considero que aquela sua composição que será, provavelmente, a mais conhecida de todas, intitulada Num Mercado Persa, raramente a ouço a ser interpretada no ritmo e na forma que seria conveniente. Nas interpretações clássicas (por acaso, não encontrei nenhuma disponível no You Tube) a primeira melodia começava em surdina e era tocada a um ritmo que procurava reproduzir o trote dos camelos de uma caravana que se aproximava da cidade do mercado, o que justificava o aumento progressivo do som dos instrumentos.
Nas melodias, segue-se a do coro dos mendigos, depois o tema doce da princesa, os saltimbancos, os militares, enfim, trata-se de uma música pictórica, que acaba com a caravana a afastar-se com a respectiva melodia a ser tocada de forma cada vez mais discreta até ser quase um sussurro, acabando numa nota final forte. O argumento não é complexo mas convém conhecê-lo para que não haja interpretações como a do vídeo acima (ou nesta versão), que mostram que os maestros resolveram substituir os camelos da caravana por camiões…
Tratar-se-á de uma notícia importante mas não interessante, de primeira página, segundo os critérios que hoje se pensa que interessam ao grande público: dois submarinos nucleares, um francês e outro britânico, colidiram em pleno Oceano Atlântico quando se encontravam ambos submersos na sua missão tradicional, a postos para uma eventualidade… É que os dois submarinos (trata-se de dois colossos para o tipo de navio, com um deslocamento de cerca de 15.000 toneladas quando se encontram submersos), carregavam com eles, cada um, 16 mísseis balísticos, com cada míssil equipado com múltiplas ogivas nucleares… A sua missão, herdada dos tempos da Guerra-Fria, é a de circularem desapercebidos pelo Oceano, conferindo aos respectivos países uma capacidade última de retaliação em caso de um ataque nuclear de surpresa por parte de um inimigo – no caso daqueles dois países, previsivelmente a Rússia ou a China nos tempos que correm. Aparentemente, o que este incidente veio revelar (do pouco que as autoridades dos dois países deixaram…) é que, considerando a enorme extensão do Oceano, tanto franceses quanto britânicos utilizam áreas de circulação semelhantes para os seus submarinos quando nessas missões secretas… O embate, que já se registou há duas semanas, não pode ter sido muito violento: os dois navios regressaram às respectivas bases pelos próprios meios ou com uma assistência mínima, mas não há fotografias de qualquer deles depois do acidente para que se possa fazer uma análise independente dos danos. A notícia, discreta, comprova que, apesar do fim da Guerra-Fria, os dispositivos de dissuasão nuclear continuam a funcionar. E deduz-se que, se algum dos submarinos se tivesse afundado, a história se arriscava a tornar muito mais interessante, com o proprietário a querer recuperar a todo o custo o material secreto do fundo do mar…
Chariots of Fire é o título de um filme de 1981, com uma inesquecível música de Vangelis, que conta de forma romanceada a história de dois antigos campeões olímpicos britânicos de 1924, o escocês Eric Lidell e o inglêsHarold Abrahams (abaixo, o original). Porque se trata de um filme bem intencionado, a questão dos preconceitos quanto à origem judaica de Abrahams – o pai imigrara da Lituânia – é apenas aflorada numa pequena cena de um diálogo entre os professores do colégio de Cambridge que ele frequentava, enquanto a discriminação que ele pudesse sentir por causa das suas origens é explicada em parte por uma questão de susceptibilidade excessiva de Abrahams.
Harold Abrahams (1898-1978), ainda que pertencente ao círculo restrito dos que podiam aceder a estudar em Oxbridge(*), era ainda um exemplar muito cru das famílias de imigrantes bem sucedidas, antes do início dos processos de assimilação. A forma preferencial pela qual a assimilação funcionava naquela época era o casamento. Isso pode observar-se no caso de Edwina Ashley (abaixo), muito mais conhecida pelo seu nome de casada de Edwina Mountbatten (1901-1960). Apesar da ascendência de inúmeros baronetes ingleses do lado paterno, que a tornavam socialmente aceitável, o que fazia dela uma herdeira diferente era a sua ascendência do lado materno… Edwina era uma das duas netas herdeiras de Ernest Cassel, um banqueiro judeu de origem alemã de sucesso que, quando faleceu em 1921, lhe legou uma fortuna de 2,9 milhões de libras e uma renda anual de 60.000 libras. Edwina veio a casar com Louis Mountbatten (1900-1979) no ano seguinte. Para comparação, o ordenado anual deste último, como oficial subalterno da Royal Navy, era então de 610 libras… Mas talvez a melhor explicação para a receptividade com que a aristocracia britânica acolhia os forasteiros, mesmo ricos, esteja contida numa história contada por Nubar Gulbenkian (1896-1972), o excêntrico filho do multimilionário arménio Calouste Gulbenkian.
Nubar Gulbenkian (acima) fizera a maior parte dos seus estudos em Inglaterra (Harrow e Cambridge) e considerava-se em tudo, menos na nacionalidade, um britânico. Contudo, certo dia, escreveu ele nas suas Memórias, um político inglês (Edward Keeling) sugeriu-lhe que seguisse uma carreira política e se naturalizasse: – Gulbenkian, você devia entrar para a política. – Mas eu não sou inglês. – Não faz mal. Nós tratamos da naturalização. Mas terá de mudar de nome. O melhor é primeiro chamar-se Gullybanks e depois Gumbley. – Mas por que é que seria preciso mudar o nome duas vezes? Por que não mudar logo directamente para Gumbley? – Porque, como há-de descobrir, as pessoas irão querer saber qual era o seu nome antes de adoptar o Gumbley. Se disser que era Gullybanks, aí as pessoas compreenderão. Mas se disser que era Gulbenkian, então perceber-se-á que é estrangeiro…
Nubar Gulbenkian possuía a nacionalidade iraniana e mais tarde, solicitou e readquiriu também a nacionalidade turca (que era a sua de origem). Mas nunca tomou qualquer iniciativa para obter a nacionalidade britânica…
(*) – Expressão frequentemente empregue para referir em conjunto as selectas universidades rivais de Oxford e de Cambridge.
Daqueles meus tempos em que era um adepto interessado da Fórmula 1 e em que o George Harrison cantava o seu hitFaster, dedicado a Ronnie Peterson, fui recordar o impacto que causou a apresentação pela escuderia Tyrrell em 1976 de um novo carro com seis rodas… Baptizado com a designação P-34, em vez da disposição tradicional, o novo Tyrrell possuía 4 rodas dianteiras mais pequenas do que era habitual (abaixo), o que lhe dava uma configuração única, facilmente distinguível da dos restantes carros das outras escuderias (um deles é facilmente identificável nas imagens iniciais do vídeo acima).
Porém, tão ou mais importante do que atrair a atenção da informação, em termos de competição na Fórmula 1, aquela nova concepção mostrava possuir um bom potencial de desenvolvimento para concorrer com os carros de concepção tradicional. Apresentados em Maio de 1976, logo em Junho desse ano, os dois Tyrrell alcançaram o primeiro e o segundo lugares no Grande Prémio da Suécia. Mas foi a primeira e única vitória obtida pelos P-34. Era uma ideia a explorar mas os custos do seu desenvolvimento tornavam-se muito superiores aos da concorrência – era o caso dos ensaios para os pneus frontais, únicos, por exemplo… O P-34 foi redesenhado para a época seguinte (1977), como se pode ver na fotografia acima. Contudo, o efeito que mais cobiça terá despertado entre as escuderias rivais foi o efeito mediático. Ainda em 1976, uma delas, a March, anunciou pomposamente o seu protótipo de 6 rodas. Denominado March 2-4-0 (abaixo), ao contrário do Tyrrell, o da March possuía 4 rodas motrizes traseiras. Como se veio mais tarde a descobrir, os problemas técnicos que se colocavam à adopção daquela solução eram tão grandes que o carro nunca chegou a competir e tudo não passava de uma gigantesca operação de promoção… Sem chegar a ser visto a participar num Grande Prémio ao longo do campeonato de 1977, o March 2-4-0 veio a revelar-se assim ser um enorme embuste (de 6 rodas!!) unicamente destinado a atrair a atenção mediática e, através dela, eventuais patrocinadores para a escuderia. Quanto à Tyrrell, na temporada seguinte, de 1978, com o Modelo 008, acabou por regressar às configurações convencionais de monolugares de Fórmula 1 com as tradicionais 4 rodas. Actualmente, e de acordo com os regulamentos, não é autorizada a participação na Fórmula 1 de viaturas que possuam mais do que essas 4 rodas...
O You Tube já registou os seus sucessos próprios, com audiências de milhões, como foi o caso do Fala Sónia, sendo Sônia uma empregada doméstica brasileira a quem alguém deve ter convencido a promover a oferta dos seus serviços através da Internet… projectando-a para se tornar numa efémera celebridade mundial.
Intriga-me as razões porque outras cenas que serão tão hilariantes como a de cima acabam por passar desapercebidas, como é o caso do repórter da equipa de televisão do Reporter on Drugs que, acompanhando uma equipa de detecção de drogas, resolveu ir fazer a síntese da operação com as imagens da queima do produto capturado… O resultado da reportagem, acompanhado da inalação do fumo das capturas, tem tanto de previsível quanto de hilariante... Há uma tradução aproximada do vídeo mais abaixo.
(Primeiro take) É assim que depois de semanas de penosas buscas nesta rude região do tamanho de Gales (*), finalmente descobriu-se qualquer coisa: atrás de mim, os soldados reuniram e estão a queimar enormes pilhas de folhas de coca e de marijuana. Quanto aos barões da droga… podem ter escapado à rede desta vez… mas os seus propósitos maléficos… não… Ahhhh… (Para o câmara) Acho melhor deitar esta parte fora. (Segundo take) Atrás de mim, fumo…, soldados queimando drogas…, os… soldados… atrás de mim… atrás de mim… soldados… soldados rudes… do tamanho de Gales… queimando drogas. Penosamente… (Terceiro Take) (Muito rápido) Atrás-de-mim-penosamente-barões-queimando-soldados-da-droga-em-pilhas-enormes-de-redes-de-Gales… Aohhhh…Uhhhhhhh... (Para o câmara) Essa é que é a boa, Jerry! Ei, e se fôssemos… (cortado)
Ao traduzir Family Ties para Quem Sai aos Seus, o tradutor do título desta série para português (*) assumiu-se apenas como o continuador de uma gloriosa saga de antecessores que optaram por títulos traduzidos para séries de televisão que se afirmaram como um portentoso disparate. Os laços de família que a unem no título original não têm nada a ver com semelhanças entre os seus membros, como insinua a tradução. Aliás, um dos factores mais explorados para a criação de situações cómicas é precisamente o contraste entre os valores da geração dos pais e a dos filhos, especialmente a atitude de hippie do pai (Steven Keaton – o actor Michael Gross, à direita) e a de yuppie do filho mais velho (Alex P. Keaton, interpretado por Michael J. Fox, ao centro).
Série emblemática da América dos anos oitenta, Ronald Reagan acabou por prestar um enorme contributo à sua popularidade, quando afirmou publicamente que Family Ties era a sua série favorita. Mas a minha personagem favorita na série favorita do Reagan era o pai Steven que sempre se manteve coerente com os seus princípios de não beligerância e de exercício controlado da autoridade, mesmo quando o ganancioso Alex organizou um negócio de hotelaria na casa de família na sua ausência. Caçando Alex em flagrante enquanto os hóspedes organizavam uma festa de arromba em sua casa (acima), Steven limitava-se a constatar depois, de forma lastimosa, com a fleuma pacífica que os seus princípios exigiam: – There was a Canguru on my living room…(**)
Parenthood é uma daquelas comédias ligeiras da autoria do realizador Ron Howard que, volta e meia, passam na televisão. É um filme já com 20 anos. Lembrei-me dele e dos enormes cuidados atribuídos à educação das novas gerações (é o essencial do argumento) ontem, no seguimento de um anúncio televisivo (em horário nobre!) contra a diarreia. Não pelo produto em si (até já me esqueci do nome), que deve ser excelente, mas pela promoção que o acompanhava: Quando uma diarreia a impede de sair de casa…
Deixando de parte o pormenor daquele pronome indicar que o produto está destinado predominantemente a consumidoras, descobri espantado que uma diarreia pode impedir as pessoas de sair de casa. Quer dizer, eu sei que há doenças que, além de provocarem diarreias, debilitam as pessoas a ponto de as fazer ficar em casa; ou que, por outro lado, quando se está com diarreia convém ter uma casa de banho sempre por perto e que há actividades que não se recomendam: a ida à praia, por exemplo…
Agora o resto parece-me excessivo. A promoção ao tal produto prometia fazer um tal recondicionamento às tripas que a protagonista do anúncio aparecia no fim do mesmo com um ar feliz numa sala de cinema... E é significativo que as pessoas se alimentem melhor e que os anúncios deixem de ser sobre laxantes para serem sobre produtos contra a diarreia. Mas foi assim que eu me lembrei da tal obsessão com a educação e o bem-estar das gerações vindouras que se podia observar no tal filme, Parenthood.
É que, tendo sido filmado em 1989, entretanto os membros daquela geração já se tornaram a adultos, que, como neste caso da diarreia, se parecem caracterizar por uma indisponibilidade total para suportarem qualquer tipo de desconforto. Só isso parece ter explicado a atitude de uma filha dessa geração que também é minha vizinha e que, quando foi nomeada administradora na última reunião de condóminos do mês passado, anunciou perante a transferência e com toda gravidade: - Acabei de saber que estou grávida!...
Fez-se um silêncio prolongado em toda a assembleia… e depois demos-lhe todos os parabéns!... É mais do que óbvio que ela se queria baldar ao frete da administração, mas é ainda mais significativo ter-lhe ocorrido que uma desculpa destas pegaria. Ainda cheguei a pensar que ela estivesse a apelar ao cavalheirismo alheio mas não era nada isso. A lógica dela era que a gravidez é desconfortável e por isso é assim como uma espécie de doença que, aliás, a vai levar a mudar-se proximamente para casa dos pais…
Uma das grandes injustiças do mundo do cinema é a designação de Western Spaghetti. Os italianos apropriaram-se da designação, parecem ser os verdadeiros e únicos autores do género, mas a verdade é que a esmagadora maioria daqueles filmes que se vieram a popularizar ao longo dos anos sessenta foram rodados em Espanha e com uma contribuição maioritária de espanhóis. Foi precisamente para ironizar com essa tremenda injustiça que resolvi classificar de Rock Spaghetti a música de um conjunto espanhol chamado Los Bravos.
Assim como os filmes de Western Spaghetti vieram a receber reconhecimento no país que fora o criador original do género Western, os Estados Unidos, também os Los Bravos cometeram a proeza de editar um êxito musical no Verão de 1966 que chegou ao segundo lugar nas tabelas de vendas do Reino Unido e ao quarto lugar na dos Estados Unidos, os dois países pioneiros do Rock´n´Roll. Chamava-se Black is Black e terá sido muito importante para o sucesso o facto do vocalista ser o único membro da banda que não era espanhol…
Uma produção típica da Guerra-Fria, o F – 117 foi o resultado de um daqueles programas ultra-secretos dos Estados Unidos, cujo objectivo foi o de criar um avião de caça furtivo que, atacando de noite, fosse praticamente impossível de ser detectado pelos radares inimigos. Para o construir, recorreu-se a uma tecnologia que estava então (anos 70) em fase embrionária e que permitia absorver as ondas de radar. O resultado foi o avião que se pode aqui ver, de uma cor preta discreta e um aspecto bizarro. A contrapartida a pagar pelo resultado eram, não só custos proibitivos de produção (*), como uma enorme lista de limitações para que o F – 117 mantivesse a capacidade de não ser visto pelos radares inimigos: por um lado, não podia atingir grandes velocidades (no máximo 1.000 km/h) mas era extremamente instável quando em baixas; não podia possuir um radar próprio para localizar os alvos senão seria imediatamente identificado, etc. Terá sido por isso que permaneceu um projecto secreto?…
Entre 1983 e 1988 a USAF entregou-se a um interessante jogo, negando a existência de um avião com tais características, excitando a curiosidade pública. Quando foi utilizado pela primeira vez em operações durante a Guerra do Golfo (1991) e, como costuma acontecer quando há um filho deficiente na família, foi dado um destaque desmesurado às proezas realizadas pelos F – 117 (normalmente bombardeamento de alvos) quando em comparação com o desempenho dos outros tipos de aeronaves norte-americanas.
As suas insuficiências só vieram ao de cima quando pela primeira vez teve que enfrentar um inimigo que, para além de equipado, era também qualificado: o exército jugoslavo (1999). É que experimentalmente os jugoslavos vieram a descobrir que usando os seus sistemas de radares soviéticos mesmo obsoletos em comprimentos de onda extra-longos conseguiam detectar a localização do tal avião que fora concebido para não ser detectado… E o F – 117 nem sequer fora concebido para detectar que fora detectado…
Houve apenas um F – 117 a ser abatido sobre a Jugoslávia em Março de 1999. Foi-o até por um míssil terra-ar SA-3 de concepção soviética (acima), um venerável sistema de armamento originalmente concebido em 1963… Mas esse abate bastou para ser o fim de um enorme bluff concebido pela USAF, embora a retirada dos F – 117 do serviço activo se tenha processado com a mesma panache que acompanhara a sua introdução: apenas em Abril de 2008 é que isso finalmente aconteceu (**)...
(*) Cada F - 117 teve um custo de produção unitário três vezes superior ao de um F-16, um outro avião de caça norte-americano seu contemporâneo, que ainda é hoje utilizado pela Força Aérea Portuguesa e pela maioria das Forças Aéreas da NATO. (**) Enquanto o F - 117 (1983) saía de serviço, outros aparelhos de caça mais antigos continuam ao serviço da USAF, como são os casos do F-15 (1976) ou do F-16 (1978).
Ele há coisas que são irónicas… Tendo-o feito de forma ribombante, já me esqueci quem terá sido o Historiador (*) de entre os nomes consagrados que emprestou o seu nome ao lançamento há uns anos de uma nova História de Portugal que prometia ser verdadeiramente inovadora: até defendia uma tese que adicionava mais uma dinastia às tradicionais quatro da historiografia tradicional portuguesa!...
Desvendado o segredo, afinal tudo se resumia à decomposição da Primeira Dinastia em duas, uma com os quatro primeiros reis e outra que começava com Afonso III (1248), no seguimento da Guerra Civil que afastara o irmão (Sancho II) do trono. A reacção maioritária a esta descoberta pode ser sintetizada numa expressão que a minha avó muito gostava de empregar especificamente para estas ocasiões: Olha, vai-te catar! Esta promoção canhestra parece assemelhar-se, em erudito, à promoção popular promovida pela SIC à sua série A Vida Privada de Salazar. O Diário de Notícias de Domingo dava-lhe um destaque de primeira página central (acima) assim como à descoberta que Salazar caiu na banheira e não da cadeira, o que prometia um belo pretexto para uma cena com um velho em pelota a dar um estoiro numa daquelas banheiras esmaltadas…
Quanto ao conteúdo da série, o mesmo jornal na sua edição de hoje, serve-se da opinião de Irene Pimentel para a arrasar. Subscrevo quase tudo o que lá está escrito, mas o que mais aborrece é a atitude hipócrita de quem está associado à produção de séries deste estilo, que mais não procuram que realçar a faceta escabrosa daquilo que se trata. O produto final não teria tido muito mais eficácia se o tivessem baptizado logo de Salazar, o Putanheiro?
(*) Creio, mas não posso jurar, que o autor em questão terá sido José Mattoso.