04 fevereiro 2009

JOGADAS DO GRANDE JOGO

No livro de espionagem O Cardeal do Kremlin (1988), o autor Tom Clancy faz com que parte da acção do livro decorra numa das repúblicas soviéticas da Ásia Central, o Tajiquistão, país que faz fronteira com o Afeganistão, e onde, de resto, naquela época os soviéticos estavam atascados numa guerra contra-subversiva que estavam prestes a perder. De forma imaginativa, Clancy faz com que um grupo de guerrilheiros afegãos entrasse em território soviético para tomarem a iniciativa de irem atacar umas instalações militares onde se realizavam pesquisas sobre um hipotético equivalente soviético da Iniciativa de Defesa Estratégica dos Estados Unidos da época de Reagan, que ficou mais conhecida pela alcunha de Guerra das Estrelas (abaixo).
Como qualquer bom livro de espionagem, a situação por ele criado era exótica, não só por decorrer em regiões que nos eram desconhecidas por pertencerem ao outro Bloco, como por envolverem uma invasão da União Soviética, país que, por causa do Muro de Berlim e da Cortina de Ferro, pesava no imaginário ocidental por estar associado a fronteiras muradas, guardadas e vigiadas... 20 anos depois da publicação de O Cardeal do Kremlin, a União Soviética desapareceu, as cinco repúblicas da Ásia Central (Cazaquistão, Quirguízia, Tajiquistão, Turquemenistão e Uzbequistão) tornaram-se países independentes e quem está atascado numa guerra contra-subversiva no Afeganistão e em riscos de a perder são os Estados Unidos…
Os cinco países, que outrora haviam estado sob tutela soviética e que também já passaram por um período intermédio em que a maioria deles se colocou sob protecção norte-americana, atingiram agora uma fase, especialmente depois dos norte-americanos invadirem o Afeganistão, em que estão no meio de uma disputa aberta entre norte-americanos e russos quanto às respectivas áreas de influência. Os segundos têm conseguido ultimamente algumas vitórias, a última das quais ontem, quando o Presidente da Quirguízia, Kurmanbek Bakiyev, anunciou durante uma visita oficial que estava a realizar a Moscovo (…) que pretendia vir a retirar as facilidades que haviam sido concedidas aos Estados Unidos na utilização da base aérea de Manas.
Depois do governo do Uzbequistão ter solicitado aos Estados Unidos que eles cessassem de utilizar a sua base aérea de Karshi-Khanabad (ver mapa acima) em Novembro de 2005, a base aérea de Manas tornou-se essencial em termos logísticos (*), especialmente para o trânsito de pessoal entre os Estados Unidos e o Afeganistão. Há quem acredite que este anúncio não passe de uma jogada negocial do Presidente Bakiyev, insatisfeito com as contrapartidas que o seu país recebe dos Estados Unidos pela utilização da base. Mas mesmo admitindo que o seja, a verdade é que se trata de uma demonstração de que, ao contrário dos órgãos de informação, os actores políticos não estão nada impressionados com a chegada de Barack Obama ao poder…

(*) Como se pode observar pelo mapa, e existindo o espaço aéreo do Tajiquistão de permeio, a base aérea de Manas tem uma importância táctica muito limitada em relação às operações no próprio território afegão.

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