13 setembro 2021

O QUE É QUE ACONTECEU A LIN PIAO(*)?

(Recuperação de um texto publicado neste blogue originalmente em 23 de Fevereiro de 2009, agora reposto a pretexto do 50º aniversário da morte de Lin Piao nas circunstâncias que abaixo se descrevem)
Esta era a grande pergunta que se colocava a respeito da China no último trimestre de 1971. Não que a pergunta fosse para se interpretar literalmente, visto que se sabia que Lin Biao morrera quando o avião onde viajava se despenhara sobre a Mongólia a 13 de Setembro de 1971, mas o que intrigava os sinólogos eram as circunstâncias que haviam conduzido a que a segunda personalidade da hierarquia chinesa, o herdeiro designado de Mao, tivesse tido aquele fim. De concreto havia apenas a propaganda oficial que, com a desfaçatez do costume, fizera uma inflexão de 180º quantos aos atributos do defunto.
Ao longo da sua longa carreira política Mao Zedong teve vários homens de confiança entre os militares como Zhu De (acima, com Mao) ou Peng Dehuai. Foram usados e descartados quando Mao considerou que o seu prestígio os podia tornar ameaçadores para si, mas as bases em que assentava a estrutura do poder supremo da República Popular da China não dispensava que houvesse sempre alguém da sua confiança a tutelar o Exército de Libertação Popular. Na década de 60 esse alguém era Lin Biao que, apesar da sua juventude (1907-71), também era um veterano respeitado da Longa Marcha. Costuma atribuir-se a Lin Biao e ao Exército de Libertação Popular (acima) a ideia da criação do Livro Vermelho com as citações do presidente Mao Zedong que, quando brandidos pelos Guardas Vermelhos (abaixo), se tornaram no ex-libris da Revolução Cultural que abalou a China durante a segunda metade da década de 60. É uma fase da história da China repleta tanto de tragédias como de episódios cómicos pelos excessos: os revolucionários até propuseram que as cores dos semáforos fossem alteradas; o vermelho, como cor revolucionária, devia passar a ser a cor com que se avançava… Num plano mais concreto da disputa pelo poder, no IX Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC) que se realizou em Abril de 1969 assistiu-se à consagração de Lin Biao, que saiu do evento como Vice-Presidente do Partido, num destacado segundo lugar imediatamente a seguir a Mao Zedong e como seu herdeiro designado. Para mais, a importância do Exército de Libertação Popular reafirmara-se havia bem pouco (em Março de 1969), a pretexto de um incidente fronteiriço em que unidades suas se haviam envolvido em combates sérios com as unidades soviéticas do Exército Vermelho. Mas o afastamento em Agosto de 1970 de Chen Boda, que havia sido até então um dos cinco membros do exclusivíssimo Comité Permanente do Politburo do PCC que havia sido eleito no Congresso do ano anterior (**), também mostrou quem detinha realmente o poder na China (Mao Zedong) e como a segurança de ocupar cargos do topo da hierarquia podia ser muito fluida… Mesmo assim, porque a luta política no seio do topo da hierarquia chinesa é sempre travada em surdina, foi com surpresa que se veio a saber em Setembro de 1971 que Lin Biao morrera num desastre de avião.
O local do desastre, Öndörkhaan na Mongólia, não deixa dúvidas quanto às intenções de Lin Biao: a de fugir da China (veja-se abaixo, a trajectória provável do voo). Provavelmente escolheu fazê-lo para a União Soviética. Agora quais as circunstâncias que o levaram a tomar tal decisão ainda hoje, passados 37 anos, se encontram enredadas na falta de sustentação da versão que foi posta a correr a esse respeito. A priori, Lin Biao parecia temer pela vida, o que pressupõe que o poderiam acusar de faltas graves: muitos outros altos responsáveis chineses haviam sido afastados sem serem executados…
Faz assim algum sentido a acusação que a propaganda chinesa pôs de imediato a correr: que Lin Biao ensaiara realizar um golpe de estado contra Mao – e fracassara… Mas, se acreditarmos nessa versão, isso também nos diria muito sobre a temeridade de Lin Biao: a ousadia de afastar Mao através de um pronunciamento militar depois dos anos consecutivos de uma propaganda descomunal a endeusá-lo junto das massas chinesas dá que pensar… Sobre a questão das causas para o avião da fuga ter caído (um Hawker Siddeley Trident, igual ao da fotografia abaixo), também existe uma versão conveniente…
Nessa versão, na precipitação da fuga o avião fora deficientemente abastecido de combustível e acabara por se despenhar em pleno deserto da Mongólia por falta de carburante. É possível, é pouco provável, mas é sobretudo uma versão muito conveniente, que afastaria de uma penada as suspeitas que o avião tivesse sido abatido quer pela Força Aérea chinesa (em pleno espaço aéreo da Mongólia…) quer por interceptores da Mongólia ou da União Soviética, que estivessem a reagir a um intruso que penetrara ou se preparava para penetrar no seu espaço aéreo, algo que depois veio mesmo a acontecer...
Mas, mais provavelmente, mongóis e soviéticos (que foram quem encontraram os destroços e recolheram os cadáveres) devem estar inocentes: este foi um daqueles casos em que o fim da Guerra-Fria mostrou que eles nada havia a esconder. Em contrapartida, o segredo permanece do lado chinês e a versão de Zhou Enlai, que Mao, quando perguntado durante a fuga de Lin sobre o que queria que se fizesse, terá respondido com um provérbio recomendando que nada (O Céu quer chover, a viúva quer tornar-se a casar, não os incomodemos), combina muito mal com a personalidade de Mao que as suas biografias têm revelado…
O episódio já foi incorporado entre os mitos da China moderna. Uma visita guiada à interessante cidade de Hangzhou pode incluir a visita à antiga residência de Lin Biao, descrita como o centro da enorme conspiração desmantelada em Setembro de 1971. Mas ainda restam três perguntas por responder: Como é que um político experiente como Lin Biao pôde imaginar que um simples golpe militar conseguiria derrubar Mao? Porque terá escolhido a União Soviética para se exilar quando haveria outras opções melhores como a Formosa? Em que circunstâncias precisas é que se despenhou o avião onde viajava?

(*) Excepcionalmente, para respeitar a prática da época (1971) utilizou-se o sistema de transliteração de nomes chineses que era então mais utilizado, o Wade-Giles. Daí o emprego do nome Lin Piao que, com o sistema pinyin actualmente mais corrente, agora se escreve Lin Biao. Também Mao Tsé-Tung se transformou em Mao Zedong, Teng Hsiao-Ping em Deng Xiaoping ou Kung Fu em Gong Fu.

(**) Além de Mao, Lin e Chen, os outros dois membros eram o primeiro-ministro Zhou Enlai e Kang Sheng.

4 comentários:

  1. Sempre bom.
    Apenas para informar, talvez sem necessidade, que existe tradução portuguesa do livro cuja capa é apresentada: «Mao A História Desconhecida», Bertrand Editora, 2005.

    ResponderEliminar
  2. É sempre bom que apareçam comentários como o seu, Zé Dias da Silva, que sejam instrutivos para quem saia deste poste com vontade de conhecer a biografia de Mao Zedong.

    De facto, a causa para a inserção da capa da versão inglesa do livro de Jung Chang deve-se:

    a) à preguiça... - quis inserir uma imagem de uma biografia recente de Mao e a que apareceu primeiro foi esta (em inglês) e

    b) porque tinha apenas o propósito de ilustrar biografias recentes de Mao, todas muito menos benignas que as peças de propaganda tradicionais - estava-me a lembrar, por exemplo, da de Philip Short (de 1999), também interessante mas bastante menos "carregada" que a de Jung Chang.

    ResponderEliminar
  3. Fora o Mao Tse Tung... Viva o Bom Tse Tung...

    ResponderEliminar
  4. O Bom Tse-Tung é como a concorrente do concurso do Herman José que, ao pedir uma letra, pediu um C de Çapato. O Herman teve que lhe dizer muito compostamente que C de Çapato não tinha...

    Na História, Artur, também não temos Bom Tse-Tung...

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.