08 julho 2008

A OUTRA PRESENÇA PORTUGUESA NO ORIENTE

Reza uma história, que não afianço ser verdadeira, que, durante o Século XIX, quando antropólogos e filólogos britânicos percorriam a Índia à procura de novas culturas e dialectos desconhecidos, um deles julgou ter encontrado uma e um numa aldeia perto da foz de um rio, não muito distante de Bombaim. Tratava-se da aldeia de Korlai e afinal os filólogos vieram a descobrir que a nova língua era apenas mais um dialecto do português, hoje designado por Kristi (de cristão).
As razões para a existência inesperada daquela aldeia portuguesa apenas se podem deduzir, e terão tido a ver com os sobreviventes de alguma tripulação portuguesa cujo navio perto daquela foz terá naufragado no Século XVI ou XVII e por ali se terá estabelecido, sem terem voltado a submeterem-se à autoridade régia. Afinal, aqueles ambiciosos que, ao cheiro da pimenta e da canela despovoavam o Reino, como dizia Sá de Miranda, às vezes acabavam por contentar-se com bem pouco…
A História da presença portuguesa no Oriente que costumamos contar a nós mesmos costuma ser formal, pomposa, oficial e superficial. É preciso um autor indiano como Sanjay Subrahmanyan escrever um livro como Improvising Empire – Portuguese Trade and Settlement in the Bay of Bengal 1500-1700*, para compreender toda uma outra faceta da presença dos portugueses no Oriente, fossem eles os comerciantes das várias cidades da costa do Coromandel** ou os oficiais mercenários ao serviço dos reis da Birmânia…
Aquelas duas classes operavam de forma quase sempre autónoma à tutela das autoridades da Coroa que, naturalmente, não as incluíram nos relatórios que enviavam para Lisboa, e dai não terem passado para a narrativa dos historiadores. É por isso que ainda hoje nos podemos surpreender com episódios como a frequência das pessoas que possuem traços fisionómicos caucasianos marcados (acima) entre a comunidade maioritariamente católica dos Bayingyi que habitam o vale do Rio Mu na Birmânia. Ou com outros resultados.
Mesmo assim, não tivessem sido as variadas passagens mentirosas da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto e o nosso conhecimento sobre os acontecimentos e os protagonistas daquele período naquela época teria ficado reduzido às sagas pomposas, como as de um Afonso de Albuquerque magoado por saber da decisão do Rei Manuel de o destituir… Se Fernão Mente? Minto! o que se poderá dizer de tantos outros que por lá passaram e que omitiram ou apenas contaram o que lhes convinha?

* Traduzido e publicado em português pelas Edições 70 com o título Comércio e Conflito – A Presença Portuguesa no Golfo de Bengala 1500-1700 (1990). Note-se como o título da tradução é subtilmente diferente do original, deixando cair o conceito do improviso, tão nosso, tão lusitano...
** Costa oriental da Índia.

5 comentários:

  1. Uns como outros, também os Editores resolveram omitir...

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  2. Caro A. Neves,
    Sobre os descobrimentos portugueses e tudo o resto, recomento o livro de Theresa M. Scheidel de Castello Branco, "Na Rota da Pimenta", Editorial Presença, Jan. 2006.
    Quanto aprendi com este livro, belíssima síntese de tudo que se conhece sobre aquela aventura comercial dos portugueses.

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  3. Obrigado pela sugestão Rui Esteves, mas permita-me que me apresente como o faz o 007:

    - Teixeira, o nome é Teixeira. A. Teixeira.

    Se aprecia este período da História nesta região permita-me retribuir-lhe, sugerindo-lhe além da obra de Subrahmanyam que referi, A Decadência do Império da Pimenta de A.R. Disney (Edições 70 - 1981), De Ceuta a Timor de Luís Filipe F.R. Thomaz (Difel - 1994) ou A Rota das Especiarias de John Keay (Casa das Letras - 2007).

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  4. Alguém dizia que a História é a história dos vencedores. Vale a pena, portanto, desconfiar, isto é, olhá-la com sentido crítico - desde Mendes Pinto (Mentes? Minto!) até aos jornalistas e comentadores do nosso tempo, desde os fracassos encobertos, quiçá, de D. Sebastião, até aos êxitos falaciosos, porventura, de Álvaro Uribe...

    Quanto a essa ideia de um grupo de náufragos que escolhe ficar longe do país rico donde partiu, ceptico da epopeia imperial, é uma ideia fascinante - verdadeira ou não.

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  5. Havia um anúncio antigo, daqueles que nos ficou no ouvido, que rematava:

    - Foi você que pediu um Porto Ferreira?

    Depois da libertação de Ingrid Betancourt ter sido um assunto corrente, mas aqui não abordado, permita-me perguntar-lhe caro António:

    - Foi você que quer que se fale de Álvaro Uribe?

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