
E o exército da Terceira República francesa era encarado pela sociedade de uma forma muito especial. Era do Exército que se esperava que, quando chegasse a ocasião, fosse o instrumento da desforra que recuperaria as duas províncias da Alsácia e da Lorena, que haviam sido perdidas em 1871 para a Alemanha. Sem ser inteligente nem consequente, o General Boulanger fora suficientemente esperto para ter tido até aí um percurso que o tornara popular, não só junto dos seus homens, como também junto da sociedade. Melhor que isso, Boulanger apresentava-se muito bem relacionado, desde a esquerda radical de Georges Clemenceau à direita monárquica dos Orleães e dos Bonapartes.
Foi com o patrocínio de Clemenceau que Boulanger se tornou Ministro da Defesa em 1886. Algumas semanas depois, ordenava às tropas enviadas contra os mineiros em greve que partilhassem o seu pão com os grevistas. Trabalhando para a popularidade, a classe política francesa depressa percebeu que tinha ali um Ministro da Defesa pouco canónico. Transformou as cerimónias do 14 de Julho* de 1886 numa grande encenação, passando revista às tropas em uniforme de gala e montado no seu (famoso) cavalo negro. Boulanger aproveitou a ocasião para discursar, anunciando novos equipamentos, uniformes e privilégios para os militares para melhor cumprir a sua grande missão. Percebia-se qual seria...

Otto von Bismarck era a pessoa mais odiada da França desses dias (acima) e uma crítica sua a respeito de alguém feita em Berlim era percebida em Paris como o mais rasgado dos elogios. O boulangismo como movimento sociológico terá nascido do exemplo do discurso do chanceler: se Bismarck se incomoda com Boulanger então é porque ele é bom para a França. Descrever o boulangismo em termos ideológicos é muito mais complicado; como acontece com o peronismo da Argentina, nem o próprio pai-fundador teria sido capaz de o definir. Mas a verdade é que a sociedade francesa se encantou com o homem compondo-lhe canções, dedicando-lhe artigos de jornal, publicando biografias suas.
O próprio Boulanger, incensado pela apreciação de Bismarck, ter-se-á levado tão a sério que, passados poucos meses (Abril de 1887), a propósito dum incidente menor**, estava disposto a que se entregasse um ultimato à Alemanha e se decretasse a mobilização geral. Não tendo a França quaisquer aliados firmes, a proposta era política e estrategicamente um verdadeiro delírio irresponsável e a carreira canónica do general terminou ali, assim como o apoio de Clemenceau. A partir daí, apesar de não ter perdido a sua popularidade, ela fez-se nas bordas do regime: foi-lhe dado um comando militar remoto, regressou como deputado eleito por uma ampla maioria (1888), mas tendo sido demitido do exército.

Para dar a esta história o remate de sensibilidade que ela necessita só falta contar que Boulanger pôs fim aos seus dias suicidando-se sobre a campa da sua amante num cemitério de Bruxelas em 1891. O general gostava de dar espectáculo mas encarnara politicamente algo que era muito maior que ele próprio e que era demasiadas coisas ao mesmo tempo - algumas delas contraditórias entre si. Como Santana Lopes, ele tivera a infelicidade de ter tido oportunidade de mostrar até que ponto podia ser irresponsável, propondo-se declarar guerra isoladamente à Alemanha. E como Durão Barroso, ele também teve a sua Hora H para decidir, tendo também decidido fugir para Bruxelas...
Salvaguardadas as circunstâncias e as distâncias temporais, o PSD actual faz-me lembrar em heterogeneidade a confederação de bonapartistas, legitimistas, orleanistas, clericais, anti-semitas, reaccionários e conservadores que se reagrupou por detrás de Georges Boulanger. Depois, tudo aquilo acabou por se desmoronar porque Boulanger não era o homem que pretendiam que fosse. Como Marques Mendes não foi, Luís Filipe Menezes também não e, como tudo parece indicar, Manuela Ferreira Leite também não virá a ser essa mulher. Nenhum líder que se preze, se presta a que o pensador do partido venha esclarecer na Quinta-Feira aquilo que havia sido dito na Terça no canal do lado…

** O Incidente Schnäbele: um funcionário francês de origem alsaciana com esse nome, que chefiava uma rede de agentes dentro da Alsácia-Lorena, que agora eram territórios alemães, foi atraído a esse lado da fronteira e aí capturado. Procurando excitar a indignação, Boulanger e os seus puseram a correr a versão que Schnäbele fora capturado em território francês. Os próprios alemães, para extinguir as causas do incidente, libertaram Schnäbele uns dias depois.
Caro amigo,
ResponderEliminarAo ver o título principal do seu assunto, sem querer devo sorrir. Pois, eu estava ainda muito novo quando o meu pai contava esta história sobre um general francês Boulanger e seus caprichos. Não dava muita atenção à narrativa mas a mãe do meu pai tem o mesmo nome e o meu pai confirmou sem orgulha que o general era família da minha avó. Não sei se a minha avó era um familiar próximo do general, mas, se calhar num dia vou examinar a árvore genealógica da família e descubro a verdade exacta.
Cumprimentos de Antuérpia
Caro Alfacinha,
ResponderEliminarSeja bem regressado e se se confirmar que o General Boulanger é seu antepassado acho que pode considerar que, não tendo um antepassado brilhante, é, de qualquer maneira, um antepassado muito interessante, digno de uma boa história.
Cumprimentos
C