04 julho 2008

A ASCENSÃO E QUEDA DO GENERAL BOULANGER

O episódio exótico da passagem do General Georges Boulanger (1837-91) pela ribalta da História da Terceira República francesa (1884-89) serve, senão para mais outros objectivos, para demonstrar como os franceses são intrinsecamente latinos no fervor e volubilidade das causas que abraçam. Para esta história, a notoriedade do General Boulanger começa em 1884 na Tunísia, para onde o General fora mandado comandar as forças militares francesas de ocupação. Continua numa violenta questão com o Residente Paul Cambon, que era a suprema autoridade civil francesa em Tunes, diferendo que rapidamente se estendeu a Paris. Formal e legalmente, o Residente Cambon tinha toda a razão, mas o General Boulanger representava o exército...

E o exército da Terceira República francesa era encarado pela sociedade de uma forma muito especial. Era do Exército que se esperava que, quando chegasse a ocasião, fosse o instrumento da desforra que recuperaria as duas províncias da Alsácia e da Lorena, que haviam sido perdidas em 1871 para a Alemanha. Sem ser inteligente nem consequente, o General Boulanger fora suficientemente esperto para ter tido até aí um percurso que o tornara popular, não só junto dos seus homens, como também junto da sociedade. Melhor que isso, Boulanger apresentava-se muito bem relacionado, desde a esquerda radical de Georges Clemenceau à direita monárquica dos Orleães e dos Bonapartes.

Foi com o patrocínio de Clemenceau que Boulanger se tornou Ministro da Defesa em 1886. Algumas semanas depois, ordenava às tropas enviadas contra os mineiros em greve que partilhassem o seu pão com os grevistas. Trabalhando para a popularidade, a classe política francesa depressa percebeu que tinha ali um Ministro da Defesa pouco canónico. Transformou as cerimónias do 14 de Julho* de 1886 numa grande encenação, passando revista às tropas em uniforme de gala e montado no seu (famoso) cavalo negro. Boulanger aproveitou a ocasião para discursar, anunciando novos equipamentos, uniformes e privilégios para os militares para melhor cumprir a sua grande missão. Percebia-se qual seria...
E terá sido paradoxalmente o chanceler alemão, Otto von Bismarck, o outro dos responsáveis pela ascensão de Boulanger ao nomeá-lo num discurso ao Reichstag em Janeiro de 1887. A França era um país imprevisível, dizia. Ali, uma minoria barulhenta podia conquistar a opinião pública de uma forma imprevista. A Alemanha devia estar preparada para repelir um ataque dos franceses. Não saberia dizer quando viria, mas quase podia assegurar que viria. E perguntava: Não se havia Napoleão III lançado numa guerra contra a Alemanha para, acima de tudo, reforçar o seu poder dentro da própria França? Por que motivo não tentaria o General Boulanger fazer o mesmo, se chegasse ao poder?

Otto von Bismarck era a pessoa mais odiada da França desses dias (acima) e uma crítica sua a respeito de alguém feita em Berlim era percebida em Paris como o mais rasgado dos elogios. O boulangismo como movimento sociológico terá nascido do exemplo do discurso do chanceler: se Bismarck se incomoda com Boulanger então é porque ele é bom para a França. Descrever o boulangismo em termos ideológicos é muito mais complicado; como acontece com o peronismo da Argentina, nem o próprio pai-fundador teria sido capaz de o definir. Mas a verdade é que a sociedade francesa se encantou com o homem compondo-lhe canções, dedicando-lhe artigos de jornal, publicando biografias suas.

O próprio Boulanger, incensado pela apreciação de Bismarck, ter-se-á levado tão a sério que, passados poucos meses (Abril de 1887), a propósito dum incidente menor**, estava disposto a que se entregasse um ultimato à Alemanha e se decretasse a mobilização geral. Não tendo a França quaisquer aliados firmes, a proposta era política e estrategicamente um verdadeiro delírio irresponsável e a carreira canónica do general terminou ali, assim como o apoio de Clemenceau. A partir daí, apesar de não ter perdido a sua popularidade, ela fez-se nas bordas do regime: foi-lhe dado um comando militar remoto, regressou como deputado eleito por uma ampla maioria (1888), mas tendo sido demitido do exército.
Muito minoritário na Câmara de Deputados, o boulangismo era um agregado de conservadores de todas as espécies que sabiam só poder aspirar a chegar ao poder através de um golpe de estado. Era para isso que eles precisavam de um general popular; porém, chegado o momento decisivo, compelido a passar à acção em Janeiro de 1889, esse general amedrontou-se, apesar do coro de vozes que o incitava a tomar a chefia do exército, abolir aquele corrupto regime parlamentar e levar a França para novos voos. Ameaçado de prisão pela polícia do regime que queria derrubar, o General Boulanger acabou por fugir para Londres e depois para Bruxelas em Abril de 1889. Tudo acabara numa farsa… o homem forte era um fraco.

Para dar a esta história o remate de sensibilidade que ela necessita só falta contar que Boulanger pôs fim aos seus dias suicidando-se sobre a campa da sua amante num cemitério de Bruxelas em 1891. O general gostava de dar espectáculo mas encarnara politicamente algo que era muito maior que ele próprio e que era demasiadas coisas ao mesmo tempo - algumas delas contraditórias entre si. Como Santana Lopes, ele tivera a infelicidade de ter tido oportunidade de mostrar até que ponto podia ser irresponsável, propondo-se declarar guerra isoladamente à Alemanha. E como Durão Barroso, ele também teve a sua Hora H para decidir, tendo também decidido fugir para Bruxelas...

Salvaguardadas as circunstâncias e as distâncias temporais, o PSD actual faz-me lembrar em heterogeneidade a confederação de bonapartistas, legitimistas, orleanistas, clericais, anti-semitas, reaccionários e conservadores que se reagrupou por detrás de Georges Boulanger. Depois, tudo aquilo acabou por se desmoronar porque Boulanger não era o homem que pretendiam que fosse. Como Marques Mendes não foi, Luís Filipe Menezes também não e, como tudo parece indicar, Manuela Ferreira Leite também não virá a ser essa mulher. Nenhum líder que se preze, se presta a que o pensador do partido venha esclarecer na Quinta-Feira aquilo que havia sido dito na Terça no canal do lado…
* Dia Nacional de França, assinalando a Tomada da Bastilha em 1789.
** O Incidente Schnäbele: um funcionário francês de origem alsaciana com esse nome, que chefiava uma rede de agentes dentro da Alsácia-Lorena, que agora eram territórios alemães, foi atraído a esse lado da fronteira e aí capturado. Procurando excitar a indignação, Boulanger e os seus puseram a correr a versão que Schnäbele fora capturado em território francês. Os próprios alemães, para extinguir as causas do incidente, libertaram Schnäbele uns dias depois.

2 comentários:

  1. Caro amigo,
    Ao ver o título principal do seu assunto, sem querer devo sorrir. Pois, eu estava ainda muito novo quando o meu pai contava esta história sobre um general francês Boulanger e seus caprichos. Não dava muita atenção à narrativa mas a mãe do meu pai tem o mesmo nome e o meu pai confirmou sem orgulha que o general era família da minha avó. Não sei se a minha avó era um familiar próximo do general, mas, se calhar num dia vou examinar a árvore genealógica da família e descubro a verdade exacta.
    Cumprimentos de Antuérpia

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  2. Caro Alfacinha,

    Seja bem regressado e se se confirmar que o General Boulanger é seu antepassado acho que pode considerar que, não tendo um antepassado brilhante, é, de qualquer maneira, um antepassado muito interessante, digno de uma boa história.

    Cumprimentos
    C

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