20 julho 2008

AS VÁRIAS MANEIRAS DE FRACTURAR O BENELUX

O nome Benelux é recente (data de 1944), mas a região geográfica e cultural a que ele se refere é uma das regiões históricas mais antigas da Europa, conhecida colectivamente pelo nome de Países Baixos. Os habitantes podem ir buscar a primeira manifestação histórica da sua identidade à revolta de Civilis contra o Império Romano nos anos 69/70 da nossa era, e embora o episódio depois se tenha estendido a toda a Gália, ele é muito mais acarinhado pelos flamengos do que pelos francófonos, basta compararem-se, pelas respectivas ligações, a diferença do detalhe do tratamento dado ao assunto em cada um dos idiomas.
No entanto, foi apenas por um período curto entre 1815 e 1830, na sequência do traçado das novas fronteiras provocado pelo fim das Guerras Napoleónicas que os três países actuais que designamos por Benelux (Bélgica, Países Baixos – Nederland no original – e Luxemburgo) pertenceram à mesma entidade política: era o Reino Unido dos Países Baixos. Tratava-se de um país complexo, pois havia que acautelar problemas criados por factores linguísticos com outros criados por factores religiosos. Ao contrário do que hoje acontece, naquela época os Países Baixos do Sul eram mais povoados do que os do Norte, numa proporção de 3:2.
Os Países do Norte eram homogéneos em termos linguísticos (o mapa acima assinala os dialectos, não os idiomas), mas nos do Sul, a maioria que falava flamengo superava os francófonos numa proporção de 3:2. Em contrapartida, não havia ali minorias religiosas significativas (a população era esmagadoramente católica), enquanto que a Norte os Protestantes superavam os Católicos na proporção aproximada (também) de 3:2. Aparentemente, apesar disso, o Reino Unido teria um idioma e cultura dominantes, o flamengo (falado por 75% da população) e também uma religião dominante, o catolicismo (professado por cerca de 75% da população*).
Geográfica e sociologicamente, aquela que devia ser a região e a população nuclear do novo Reino até coincidiam: era a maioria (51%) de flamengos católicos que predominava no Sul dos Países Baixos do Norte e no Norte dos Países Baixos do Sul. A escolha da capital desse reino oscilaria entre as cidades portuárias de Roterdão ou de Antuérpia (actualmente são o maior e o terceiro maior porto da Europa). Podia ou devia ter sido, não foi assim que as acontecimentos evoluíram, nomeadamente porque o poder político do novo Reino Unido esteve sempre demasiado personalizado na pessoa do Rei Guilherme I de Orange, que era um flamengo protestante.
Por tudo o que foi descrito, haveria duas maneiras previsíveis como o Reino Unido dos Países Baixos se pudesse fracturar: ou perder o extremo norte flamengo, mas protestante; ou então perder o extremo sul católico, mas francófono. As fronteiras que se encontraram em 1839, patrocinadas especialmente pelos britânicos, foram diferentes, uma fractura científica, porque mantinham algum poder ao Reino dos Orange, bloqueavam a anexação da região meridional pela França e dividiam o antigo Reino Unido quase ao meio, deixando províncias a compartilhar a mesma designação dos dois lados da fronteira (Brabante, Limburgo).
Há que reconhecer os méritos da solução então encontrada: sempre se manteve por 170 anos! O problema é que tudo aponta, porque os elementos de fractura lá permaneceram, para que o seu prazo de validade tenha expirado e a Bélgica se venha a dividir no futuro. O que não cessa de me surpreender, a pontos de se tornar incómodo, é como todo este grave problema, que se desenrola literalmente à porta do Berlaymont**, tem sido cuidadosamente evitado pela poderosíssima máquina mediática da União Europeia. Quando e como será abordado? Com uma discreta nota de imprensa comunicando que a União passou a ter 28 membros?...

* Não deixa de ser curioso (e incorrecto) que, na página flamenga da Wikipedia referente ao Reino, a religião protestante venha mencionada antes da católica...
** Edifício de Bruxelas que alberga a Comissão Europeia.

4 comentários:

  1. Caro amigo ,
    obrigado para estar em cuidados sobre a unidade de Bélgica.
    Uma vez que a questão eleitoral está resolvido nos municípios em volta de Bruxelas, os problemas vão desaparecer de si mesmo. Infelizmente, até hoje em dia os francófonos não querem estar razoável, medos que têm de perder influência, poder e dinheiro.
    **Os habitantes de flandres chamam se flamengos. O termo flamengo não se usam na Holanda(Nederland), aliás Holanda é o nome de uma província e os habitantes chamam se holandeses as outras prefiram chamar neerlandeses. Na Bélgica e Neerlândia junto falam 23 milhões a língua Neerlandês mas, na flandres se gostam de dizer a língua flamenga. Aliás também em Nederland a maioria dos neerlandeses pratica o catolicismo.
    Cumprimentos de Antuérpia

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  2. Tenho um problema para designar em português o conjunto dos habitantes dos Países Baixos do Norte e do Norte dos Países Baixos do Sul e o vosso idioma.

    A expressão neerlandês é raramente usada no Português de Portugal, usando-se de preferência Holanda e holandês, apesar do erro. Como o holandês designa tanto o idioma como a nacionalidade, normalmente não o associamos à Flandres a aos flamengos. Portanto não há verdadeiramente uma regra estabelecida.

    Outra coisa é a questão religiosa; a análise que fiz baseia-se nos dados populacionais dos princípios do Século XIX, quando a Bélgica e Luxemburgo, com 3.250.000 habitantes, eram mais habitados que os Países Baixos do Norte com apenas 2.100.0000. Nessa altura, havia uma maioria calvinista neste país e naquela época isso era importante politicamente.

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  3. Os portugueses nunca ligam o termo flamengo com a Bélgica, porque os portugueses estão convencidos que na Bélgica se falam somente o francês. Não sei quantos vezes já explicava aos portugueses que a maioria fala uma outra língua. O queijo flamengo vindo dos açores merece o seu nome pelos flamengos que se instalarem nas ilhas e não eram os habitantes de Holanda mas de Flandres. Na altura a Holanda significou nada. A universidade de Lovaina já existiu cem anos antes a universidade de Leiden e o primeiro dicionário da língua neerlandês foi feito em Antuérpia. O século de ouro da Holanda começou quando os habitantes de Flandres sofriam a fúria cega dos espanhóis e fugiriam em massa para um território que já tinha sacudido o jugo cruel da ocupação espanhola. Uma verdadeira migração de capital, ciência e arte. Contudo, o comércio ficou entre os flamengos e Portugal somente ocorria dum outro território, por isso ficava a confusão de identidade talvez. Durante séculos estávamos súbditos de Espanha e depois de Áustria, embora nunca perdêssemos totalmente a nossa independência. Havia um staten general (espécie de parlamento) para governar os vários condados. O domínio da Holanda apenas durou quinze anos para que o Guilherme da Holanda quisesse instalar um estado uniforme. A revolta contra esta forma de estado não tinha nada a ver com a religião diferente nem com a língua holandesa que se tornou a língua governamental, claro não facilitava as coisas. Mas bem, fica a causa da separação a inflexibilidade do rei holandês para restaurar o sistema de Staten Generaal . Talvez agora percebe melhor a vontade dos flamengos para governar a Bélgica num sistema de federalismo ou dizer de outro modo a restauração do Staten Generaal.
    Obrigado para sua atenção e desculpa-me para os erros contra a lingua portuguesa .
    Cumprimentos de Antuérpia.

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  4. De volta a este blog após uma ausência da blogosfera demasiado longa (e com um blog remodelado e nova morada, oirredutivelgaules.wordpress.com - desculpa a publiciade, mas o teu blog não permite que coloque o link no meu nome), verifico que a qualidade e interesse dos posts se mantém! Obrigado pela relevância do enquadramento histórico para problemas prementes da actualidade!

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