
Trata-se uma localização improvável para um futuro império e, como se pode observar pelo mapa acima, e totalmente ao contrário do que acontece com os
domínios insulares do
Bokassa da Madeira (conforme
a expressão usada por Jaime Gama em 1992), que estavam cercados pelo mar a toda a sua volta, as possessões do Bokassa
legítimo não têm qualquer saída directa para o mar. A região nem sequer possuía uma verdadeira designação, tendo os franceses recorrido ao expediente de a designar por Ubangui e Chari os nomes gentílicos dos dois rios principais que a atravessavam
*.

Quando a França decidiu conceder a independência às suas colónias africanas (1958), a do Ubangui-Chari contava-se entre as que se encontravam mais atrasadas em todos os aspectos do desenvolvimento. Apesar disso, como pais independente (Agosto de 1960), ganhou um novo nome:
República Centro Africana. Mas a direcção política do novo país pertencia toda a uma elite africana muito reduzida: o seu primeiro dirigente
Barthelémy Boganda (1904-59) havia morrido num acidente de aviação e fora substituído por um sobrinho seu,
David Dacko (1930-2003), que se tornara presidente.

Por sua vez, um dos primos do presidente –
Jean-Bedel Bokassa (1921-1996), o original – tinha feito carreira no exército francês e veio a tornar-se, com a patente de major, o Chefe do Estado-Maior das novas Forças Armadas Centro Africanas. O título era bastante mais pomposo do que a realidade: as Forças Armadas contavam com um efectivo irrisório, estimado em 500 homens e o presidente Dacko, que não se deixava iludir com essas questões das
amizades de família, não tardou a criar um conjunto de forças paramilitares chefiados por oficiais da sua confiança com o triplo daqueles efectivos.

Para se perceber melhor como era a realidade centro africana logo depois da independência, vale a pena contar alguns pormenores do regime que virá a ser derrubado pelo vilipendiado Bokassa. Logo em 1961, David Dacko tornou todos
os outros partidos políticos ilegais; em 1963, estendeu a duração do seu mandato presidencial de 5 para 7 anos; em 1964, apresentou-se sozinho às eleições e foi reeleito com 99% dos votos; em 1965, no lançamento de um empréstimo nacional obrigatório, dos 500 milhões de Francos CFA inicialmente previstos, apenas 182 acabaram por entrar nos cofres do estado…

Como uma coincidência do que acontecera com Fidel Castro em Cuba, o
pronunciamento militar de Bokassa para depor o regime também ocorreu numa passagem de ano (de 1965 para 1966). E o regime que dali saiu, onde Bokassa acumulava a presidência com as pastas da Defesa e do Interior, não se distinguia particularmente de outros países africanos também corruptos e governados por déspotas que se iam progressivamente embriagando com o poder. Bokassa, passou de
coronel a
general, depois tornou-se
presidente vitalício mas foi quando se proclamou imperador que as atenções mundiais lhe
caíram em cima.

Em Dezembro de 1977 ficou a saber-se que a antiga República Centro Africana se tornara oficialmente no Império Centro Africano e que o anterior presidente passara a assumir o título de Imperador com o nome de Bokassa I, decalcando o que acontecera 173 anos antes com o primeiro cônsul francês, Napoleão Bonaparte (1804). Objectivamente, contando com os tais 617 000 km², com 1 750 000 habitantes, e com uma das mais pobre economias africanas, o
poder do novo Império era risível, mas que não fiquem dúvidas (acima e abaixo) que nele se podiam tirar fotografias originalíssimas para ilustrar a
Time ou a
Paris-Match…

O Império não chegou a durar 3 anos. Foi derrubado por uma
acção militar francesa em Setembro de 1979. A tarefa mais difícil da operação parece ter consistido na montagem do cenário que a fizesse passar por um golpe de estado promovido pelas forças locais. Nesse particular aspecto foi um
fiasco, mas também, se ninguém acreditou, também nenhuma potência se terá importado (Estados Unidos, União Soviética, China, etc.) com essa intromissão descarada de um país na vida interna de outro, coisa que, salvo poucas excepções, parece ser considerado inaceitável à luz do Direito Internacional…

Vem a propósito terminar assim pelo mundo das hipocrisias, e não quero deixar de dar a minha opinião que o uso da analogia das figuras de Bokassa com a de Alberto João Jardim que
foi feita por Jaime Gama em plena Assembleia da República 1992 é, em si, de um certo
imperialismo bokassiano, no sentido em que tem mais impacto por causa
das aparências dos vermelhos e dos dourados do que - como se percebe pelo que escrevi - pela
substância da semelhança dos perfis dos mencionados… O que não impede que houvesse uns belos
figurões históricos com quem Jaime Gama poderia comparar Alberto João Jardim...
* Os portugueses fizeram precisamente o mesmo no interior de Angola, na Província de Cuando-Cubango, por exemplo.
Jaime Gama pretendia provavelmente estabelecer uma comparção com um qualquer ditador africano e saíu-lhe Bocassa. Diga-se que entre outras diferenças, não consta também que Alberto João aprecie carne humana.
ResponderEliminarNem Bokassa, João Pedro.
ResponderEliminarEssa acusação apareceu na fase em que os franceses estavam encarniçados na demonização de Bokassa, mas foi dela considerado inocente no julgamento que lhe fizeram quando regressou ao país.
É o caso típico em que é mais fácil lançar o boato do que desmenti-lo.