03 janeiro 2008

BULBOUS TOWN

A propósito desta polémica do encerramento de serviços de saúde em regiões do interior e do fenómeno que lhe está por detrás, o do seu despovoamento, lembrei-me que, quando passou a escrever os argumentos de Lucky Luke, um dos fenómenos de que René Goscinny se aproveitou para fazer humor foi o do urbanismo caótico do faroeste, com as suas cidades cogumelo, as suas cidades fantasma ou as pequenas povoações perdidas no meio de nenhures. Num dos casos típicos, que aparece em A Escolta (abaixo), ficamos a conhecer Bulbous Town, que (e passo a citar o texto original traduzido)…
…se gaba de ser a mais pequena das grandes cidades com grande futuro. Antigo posto de muda de caravanas, compõe-se essencialmente de um saloon-hotel, onde as pessoas que saem da prisão vão festejar a sua libertação, de uma prisão que serve para receber aqueles que festejaram demais a sua libertação…
e de um cangalheiro que se ocupa dos que foram vítimas de acidentes ao atravessar do saloon para a prisão, ou vice-versa. Acrescentemos que o presidente da câmara é o dono do saloon-hotel, que o xerife é seu primo e que o cangalheiro é o sogro do primo do presidente da câmara(*) Fim de citação.
Ainda não chegámos aos exageros urbanos imaginados por Goscinny onde, nos tempos modernos, havia ainda que adicionar a escola, o posto clínico e o cartório notarial, mas há que não esquecer que é a própria lógica da ordenação do território nos tempos modernos que conduz a que a maioria da população se concentre cada vez mais em aglomerados urbanos(**) e que, se ainda há actividade económica que impede que essa desertificação se processe a um ritmo ainda mais acelerado, ela está a ser fortemente subsidiada através de programas como os da Política Agrícola Comum (PAC)…

(*) Há ainda uma nota de rodapé: Hoje Bulbous Town é uma cidade com 318.765 habitantes, 3.857 saloons, 4230 agências funerárias e a prisão é a mais moderna dos E.U.A.
(**) Representa 55% da população total em Portugal, mas 77% em Espanha e França e 90% no Reino Unido.

1 comentário:

  1. Excelente post.
    Trata-se de uma analogia perfeita e que demonstra bem a situação absurda e patética para que nos deixamos conduzir.
    Quem sabe se a próxima concentração será a dos cemitérios.

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