15 janeiro 2008

ASTERIX E A FLEXISEGURANÇA

A pequena aldeia dos irredutíveis sempre pareceu viver num regime económico de uma estranha autarcia. Conhecemos as profissões de Ordralfabétix, o peixeiro cuja mercadoria não resistiria a uma inspecção sanitária mesmo das tradicionais, de Cetautomátix, o ferreiro que deve ter muito tempo livre pois passa o resto do seu tempo a servir de inspector da ASAE junto do seu colega da guilda dos comerciantes, sabemos que deve haver um regime de Segurança Social fiável, pois esta sustenta Agecanonix, mas passadas tantas aventuras não se descortina a clientela que justifica a actividade de Obélix, comprando-lhe menhires, nem a que se dispõe a ouvir as canções de Assurancetourix, embora se desconfie que também naquela aldeia há um lóbi da construção civil que insiste em continuar a construir a casa deste último em cima de uma árvore…
Os representantes da administração pública na aldeia são, indiscutivelmente, o druida Panoramix, cuja conduta benemérita ao longo de toda a série mostra como ele terá sido um dos precursores na Antiguidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o chefe Abraracourcix que, como um monarca constitucional da Europa Ocidental moderna, precisa de existir para que conste que existe, e a figura mais difícil de arrumar nesta classificação de todo o elenco, é precisamente o herói que dá o nome à série: Astérix. Apresentado como um guerreiro gaulês numa terra que, para todos os efeitos acabara de ser pacificada por Júlio César, o papel moderno mais aproximado que se poderia atribuir-lhe era o de gendarme local, não fosse a má conta em que estes são tidos na sociedade francesa…
Ao longo da saga, a aldeia foi várias vezes ameaçada, e as ameaças mais sérias foram as da globalização, quando em aventuras como O Domínio dos Deuses ou então Obélix & Companhia, mesmo arriando tareias monumentais aos romanos, os irredutíveis gauleses correram sérios riscos de virem a ficar englobados no espaço civilizacional dos segundos, diluindo-se, simplesmente por lhes adoptarem os costumes… Mas é de um outro álbum que quero falar, Astérix e os Helvécios, a propósito do emprego, do desemprego, e de uma coisa que em Portugal parece ser parecida com o segundo, mas a que se chama flexisegurança… Pois a aventura de Astérix entre os Helvécios começa precisamente com o chefe Abraracourcix a despedir os seus dois carregadores (como se pode ver na prancha acima).
No seguimento dessa irritação matinal (- Ele até nos disse que fazia um lindo dia… - Nessa altura inclinámo-nos para trás, para contemplar o céu e quando nos voltámos a endireitar, o chefe já não estava em cima do escudo…), Abraracourcix decidiu honrar Astérix e Obélix nomeando-os carregadores do chefe, distinção que ambos aceitaram com um entusiasmo muito moderado, a que se juntou depois a troça da aldeia em geral… De embaraço em embaraço, na cena final da segunda prancha (acima), o arrependido Abraracourcix deixa-se transportar com o ar mais digno que lhe é possível apenas por um carregador, Obélix, que parece desempenhar a tarefa que o incumbiram com o ar mais parecido com o de um empregado de café despachado… E isto tudo, antes do aparecimento dos cursos de formação profissional da CEE

3 comentários:

  1. No fundo, estamos perante uma aldeia global onde (como sucede por cá) não falta a zizânia caseira nem uma Falbala parecida (na pose bárbica) com a ministra da Cultura. Nem um trovador igual a Sócrates mas sem a autoridade deste a quem ninguém coloca um trapo na boca.
    A grande diferença é que na nossa aldeia ostracizada e chocada tecnologicamente, não é o Obélix Berardo mas o chefe Sócrates que tem uma ideia fixa, ou seja, a ideia de que vivemos na aldeia das maravilhas...

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  2. Têm sido feitos diversos comentários à pose de Obelix como "empregado de mesa", com uma pamno à volta do braço e ar amuado.
    quanto ao mistério da clientela do menires, a coisa mantém-se, excepto no citado Obelix & Cia, em que a aldeia desata a fabricá-los para o mundo inteiro, por instigação de um burocrata romano fisicamente parecido com um jovem e promissor político francês nos anos sessenta.

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  3. Por incrível que pareça, o primeiro satélite francês teve o nome de "Astérix".
    Seguindo a lógica do "Carteiro" teríamos o bardo a ser enviado para longe, onde há espaço com fartura...

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