O mapa actual do subcontinente indiano está radicalmente transformado, quer em fronteiras internacionais, em fronteiras internas, no número e configuração das próprias unidades administrativas dos países entretanto surgidos e até quanto à designação dessas unidades, às que haviam existido há 60 anos atrás (veja-se mapa acima), por altura do fim da administração britânica do seu Império das Índias. Uma das poucas excepções a tudo o que foi atrás dito, é uma das quatros principais províncias constitutivas do Paquistão que retém a designação britânica de Província da Fronteira de Noroeste, correntemente designada pelo seu acrónimo em inglês, NWFP*.
Basta olhar para um mapa moderno para perceber que, no quadro do actual Paquistão, país a que a província hoje pertence, a designação que a NWFP manteve – e que fazia todo o sentido no quadro da Índia Britânica, onde era uma das duas províncias mais ameaçadas de uma invasão terrestre – perdeu totalmente o significado original: com a reconfiguração das fronteiras de 1947, todas as outras províncias paquistanesas também ficaram com fronteiras internacionais… É por isso que há quem pretenda mudar o nome da província para Pashtunistão, ou Pakhtunkhwa ou ainda, entre as correntes religiosas mais radicais, para Dar-ul-Islam (qualquer coisa parecida com domínio do islão).
Enquadrado numa descrição nacional do Paquistão, a NWFP costuma ser descrita como a província de predominância pashtun, o grupo nacional e linguístico que se reparte pelo Paquistão e pelo Afeganistão, e que é também o grupo nacional predominante para o recrutamento dos combatentes talibã. Isso é verdade, mas também há que reconhecer que se trata de uma simplificação dessa verdade, porque dentro da província (hoje com cerca de 21 milhões de habitantes), disputam-se várias correntes políticas, agrupadas (simplificadamente) em duas grandes formações: a Muttahida Majlis-e-Amal (MMA), uma coligação de cinco partidos islâmicos e o Awami National Party (ANP), laico.
O governo provincial está nas mãos do MMA, que corresponde ideologicamente àquilo que concebemos das imagens do que seja um talibã: barbado, de turbante e de AK-47... Mas vale a pena dar uma vista de olhos à história daquele que é o maior partido da oposição provincial (ANP), que se pensa poder vir a obter bons resultados nas próximas eleições nacionais. O fundador da organização que esteve na base do actual ANP, que data ainda do período colonial britânico**, chamava-se Khan Abdul Ghaffar Khan (1890-1988) e era um senhor feudal local e, como não será decerto surpresa, o actual dirigente do partido, Asfandyar Wali Khan (abaixo), é o seu neto… O que distingue o percurso de Ghaffar Khan do dos outros nacionalistas indianos de confissão muçulmana de antes de 1947 é que ele sempre se deu muito bem, quer com os dirigentes do Congresso Nacional Indiano (de maioria hindu), quer pessoalmente com Mohandas Gandhi (abaixo), de quem copiou, aliás, muitos dos métodos de luta política não violenta, ao ponto de ser conhecido como o Gandhi da Fronteira. Foram só as evidências das realidades geográficas e políticas de 1947 que levaram Ghaffar Khan e a sua organização (que permaneceu essencialmente laica) a aceitar a integração da NWFP no Paquistão de que se tornou um cidadão relutante*** e sempre sobre suspeita.
A ideologia do ANP terá evoluído pragmaticamente nos últimos 60 anos mas, já não sendo um partido separatista e porque continua a atribuir mais valor às identidades nacionais e culturais do que às religiosas, continua a ser dos partidos que se mostram menos empenhados na manutenção da unidade do Paquistão. Mas também se enganará quem – simplificadamente, como costuma acontecer com os norte-americanos... – quiser interpretar que o seu laicismo (versus a religiosidade do MMA) poderá ser um indicador de uma atitude mais pró-ocidental do ANP…Actualmente, na NWFP vive-se uma crise de confiança, quanto à pretensa capacidade do MMA controlar os extremistas religiosos talibãs que lhes estariam mais próximos…
Essa sensação pode ser corroborada, com a demissão, logo no princípio deste ano, do próprio governador da NWFP, o general Urugzai. Os episódios recentes da expansão da subversão dos radicais islâmicos para o vale de Swat parecem comprovar que a abordagem político-militar negociadora assumida por Urugzai e a decisão política do eleitorado pashtun de porem os ex-pilha-galinhas do MMA a tomarem conta da capoeira falharam… É esse o momento político que o ANP quer aproveitar com estas próximas eleições… e com o perigo de que uma facção mais arrojada entre os aliados norte-americanos também o queira aproveitar para um verdadeiro momento coronel Kilgore…
* North-West Frontier Province.
** Data dos anos 30, a fundação dessa organização pioneira, que se chamava Khudai Khidmatgar, e que, curiosamente, incorporava alguns dos fetiches das organizações fascistas dessa mesma época, como os uniformes: os seus membros usavam e eram conhecidos por camisas vermelhas.
*** Em 1987, a Índia concedeu-lhe a sua mais alta condecoração civil, a Bharat Ratna, uma distinção que só foi concedida somente a mais um estrangeiro: Nelson Mandela.
Basta olhar para um mapa moderno para perceber que, no quadro do actual Paquistão, país a que a província hoje pertence, a designação que a NWFP manteve – e que fazia todo o sentido no quadro da Índia Britânica, onde era uma das duas províncias mais ameaçadas de uma invasão terrestre – perdeu totalmente o significado original: com a reconfiguração das fronteiras de 1947, todas as outras províncias paquistanesas também ficaram com fronteiras internacionais… É por isso que há quem pretenda mudar o nome da província para Pashtunistão, ou Pakhtunkhwa ou ainda, entre as correntes religiosas mais radicais, para Dar-ul-Islam (qualquer coisa parecida com domínio do islão).
Enquadrado numa descrição nacional do Paquistão, a NWFP costuma ser descrita como a província de predominância pashtun, o grupo nacional e linguístico que se reparte pelo Paquistão e pelo Afeganistão, e que é também o grupo nacional predominante para o recrutamento dos combatentes talibã. Isso é verdade, mas também há que reconhecer que se trata de uma simplificação dessa verdade, porque dentro da província (hoje com cerca de 21 milhões de habitantes), disputam-se várias correntes políticas, agrupadas (simplificadamente) em duas grandes formações: a Muttahida Majlis-e-Amal (MMA), uma coligação de cinco partidos islâmicos e o Awami National Party (ANP), laico.
O governo provincial está nas mãos do MMA, que corresponde ideologicamente àquilo que concebemos das imagens do que seja um talibã: barbado, de turbante e de AK-47... Mas vale a pena dar uma vista de olhos à história daquele que é o maior partido da oposição provincial (ANP), que se pensa poder vir a obter bons resultados nas próximas eleições nacionais. O fundador da organização que esteve na base do actual ANP, que data ainda do período colonial britânico**, chamava-se Khan Abdul Ghaffar Khan (1890-1988) e era um senhor feudal local e, como não será decerto surpresa, o actual dirigente do partido, Asfandyar Wali Khan (abaixo), é o seu neto… O que distingue o percurso de Ghaffar Khan do dos outros nacionalistas indianos de confissão muçulmana de antes de 1947 é que ele sempre se deu muito bem, quer com os dirigentes do Congresso Nacional Indiano (de maioria hindu), quer pessoalmente com Mohandas Gandhi (abaixo), de quem copiou, aliás, muitos dos métodos de luta política não violenta, ao ponto de ser conhecido como o Gandhi da Fronteira. Foram só as evidências das realidades geográficas e políticas de 1947 que levaram Ghaffar Khan e a sua organização (que permaneceu essencialmente laica) a aceitar a integração da NWFP no Paquistão de que se tornou um cidadão relutante*** e sempre sobre suspeita.
A ideologia do ANP terá evoluído pragmaticamente nos últimos 60 anos mas, já não sendo um partido separatista e porque continua a atribuir mais valor às identidades nacionais e culturais do que às religiosas, continua a ser dos partidos que se mostram menos empenhados na manutenção da unidade do Paquistão. Mas também se enganará quem – simplificadamente, como costuma acontecer com os norte-americanos... – quiser interpretar que o seu laicismo (versus a religiosidade do MMA) poderá ser um indicador de uma atitude mais pró-ocidental do ANP…Actualmente, na NWFP vive-se uma crise de confiança, quanto à pretensa capacidade do MMA controlar os extremistas religiosos talibãs que lhes estariam mais próximos…
Essa sensação pode ser corroborada, com a demissão, logo no princípio deste ano, do próprio governador da NWFP, o general Urugzai. Os episódios recentes da expansão da subversão dos radicais islâmicos para o vale de Swat parecem comprovar que a abordagem político-militar negociadora assumida por Urugzai e a decisão política do eleitorado pashtun de porem os ex-pilha-galinhas do MMA a tomarem conta da capoeira falharam… É esse o momento político que o ANP quer aproveitar com estas próximas eleições… e com o perigo de que uma facção mais arrojada entre os aliados norte-americanos também o queira aproveitar para um verdadeiro momento coronel Kilgore…
* North-West Frontier Province.
** Data dos anos 30, a fundação dessa organização pioneira, que se chamava Khudai Khidmatgar, e que, curiosamente, incorporava alguns dos fetiches das organizações fascistas dessa mesma época, como os uniformes: os seus membros usavam e eram conhecidos por camisas vermelhas.
*** Em 1987, a Índia concedeu-lhe a sua mais alta condecoração civil, a Bharat Ratna, uma distinção que só foi concedida somente a mais um estrangeiro: Nelson Mandela.
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