21 janeiro 2008

A TRADIÇÃO IRLANDESA DE ESCANGALHAR O PARLAMENTARISMO BRITÂNICO


Historicamente, Inglaterra, Escócia e Irlanda são três reinos distintos e é por isso que o nome oficial do país que designamos das mais diversas formas (Inglaterra, Grã-Bretanha, …) é Reino Unido. A sua bandeira (designada por Union Jack) resulta da sobreposição das bandeiras de cada um daqueles reinos: composta inicialmente da junção da Cruz de São Jorge inglesa (canto superior esquerdo) e da de Santo André escocesa (em azul), quando os dois parlamentos se unificaram em 1707, adicionou-se depois a Cruz de São Patrício irlandesa, com a unificação do parlamento irlandês aos outros dois, em 1801.

A União de 1801 importou também para o Parlamento de Westminster o problema da enorme falta de representatividade dos seus membros irlandeses. A Irlanda tinha, como acontecia em imensos países da Europa contemporânea, uma estrutura social de tipo colonial, só que em que em vez da etnia ou da cor da pele, era a religião que fazia de elemento de segregação. A esmagadora maioria das classes dirigentes eram protestantes, com excepção do caso do Ulster, a totalidade do resto da população era católica. Feitas as contas 80 a 90% da população era composta por católicos, mas estes não estavam autorizados a ter assento no Parlamento…
Daniel O´Connell foi um dos primeiros campeões do nacionalismo irlandês. Em 1828, concorreu e venceu a disputa eleitoral para um dos lugares do Parlamento. Mas, sendo católico e não pertencendo à Igreja da Irlanda (anglicana), não podia ocupar o seu lugar em Westminster… O gesto forçou o governo a rever a legislação vigente que obrigava os membros do Parlamento a pertencerem às Igrejas oficiais que, para além dos católicos, discriminava de forma absurda outras denominações religiosas. Assim, alguém que professasse a confissão presbiteriana podia ser eleito, se se apresentasse na Escócia (a Igreja da Escócia era presbiteriana), mas não na Inglaterra ou na Irlanda…

Mesmo assim, Daniel O´Connell manteve-se até ao fim (1847) um defensor da rejeição da União de 1801. No ano anterior, nascera Charles Stewart Parnell e começara a praga da batata que viria a causar a morte de cerca de 750.000 irlandeses e a provocar a emigração de mais de dois milhões deles para os Estados Unidos. À primeira vista Charles Parnell é um muito improvável líder nacionalista irlandês que desse expressão política ao mal estar que ali se vivia: as suas origens sociais anglo-irlandesas protestantes e a sua educação clássica (Cambridge) faziam-no pertencer à classe que os mais radicais de entre o movimento queriam erradicar.
Mas a Charles Parnell atribuiu-se a responsabilidade por se ter criado na Irlanda um verdadeiro aparelho partidário e no Parlamento um grupo parlamentar disciplinado de nacionalistas irlandeses, duas verdadeiras novidades para a sua época (1875-1891). Na Irlanda a organização assim montada encarregou-se de isolar todos os proprietários anglo-irlandeses que tivessem revogado o contrato de arrendamento de um rendeiro em dificuldades: ninguém se dispunha a trabalhar nas suas terras, nem a negociar com ele, o seu correio extraviava-se… A primeira vítima deste tratamento, o representante de um desses proprietários, o Capitão Boycott acabou por dar o nome a uma prática…

Em Westminster, os deputados nacionalistas irlandeses dedicaram-se à obstrução sistemática dos trabalhos parlamentares recorrendo ao seu prolongamento indefinido – uma técnica conhecida em inglês por filibuster – chegando ao limite de ler metodicamente as actas de debates anteriores… Apenas as questões que envolvessem os interesses irlandeses é que podiam ser discutidas normalmente. Parnell, sem ser um grande orador, era um temível adversário político que acabou por ser abatido através de um caso de costumes, ao apaixonar-se por uma mulher casada, Katharine O´Shea, um problema grave para quem dependia de apoiantes católicos, para mais no período vitoriano...
Cerca de 100 anos depois dos debates intermináveis de Westminster, outro grupo de irlandeses tornou a criar uma data de problemas ao parlamentarismo britânico quando, por morte inesperada de um deputado nacionalista norte-irlandês, um dos prisioneiros do IRA* provisório em greve da fome para melhorar as condições de reclusão, chamado Robert (Bobby) Sands foi proposto e venceu as eleições intercalares para ocupar o cargo. Para o governo britânico da altura (1981) foi um penoso momento e uma óptima operação de relações públicas para os seus adversários quando aquele se viu obrigado a recusar a libertação e o novo deputado prolongou a sua greve da fome até a morte…

* Irish Republican Army - Exército Republicano Irlandês

2 comentários:

  1. Que excelente blogue. O que eu andei a perder!

    Posso saber se o teu interesse pelo espaço é também profissional?

    Espreita:

    http://nadirdostempos.blogspot.com/2007/10/nova-lua.html

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  2. Muito obrigado pelo comentário.

    Se pretende perguntar se a minha actividade profissional tem alguma ligação com o espaço, a resposta é não.

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