Por alturas do início das guerras de subversão nas colónias, lembro-me de ter ouvido a um oficial de marinha – já retirado na altura… – que proclamava que, devido às suas condições geográficas, o problema na Guiné quase se poderia resolver com o envio de um destroyer… Era um anacronismo doutras eras mas, de uma maneira menos estapafúrdia, este tipo de raciocínio tem permanecido sempre presente quando se abordam soluções para vencer as guerras subversivas que caracterizaram a história da segunda metade do Século XX: invocar o poder destrutivo da tecnologia!
E não será coincidência que costumem ser os militares dos ramos mais tecnológicos das Forças Armadas (Marinha e Força Aérea), que apareçam como os mais acérrimos defensores dessas teses. Por exemplo, no livro On Yankee Station, o autor, que conta a sua experiência como piloto da marinha norte-americana durante a Guerra do Vietname, nem pareceu ter compreendido a essência da guerra que se travou milhares de pés abaixo de si… Para ele, os aviadores embarcados venceram a guerra que lhes competia, quem a perdeu não terá sido a aviação da US Navy...
Este extenso preâmbulo destina-se a acautelar o interesse das narrativas sobre guerras subversivas quando vistas de longe, da perspectiva de um marinheiro ou de um aviador. A narrativa do General Silva Cardoso, autor do livro Angola, Anatomia de uma Tragédia, oficial piloto aviador (e, curiosamente, oriundo da Marinha…), na sua primeira parte, onde fala da sua experiência durante a Guerra Colonial, não foge a essa tradição: aquilo também era a guerra, mas o que ali está contado não são as partes interessantes nem importantes da Guerra Colonial…
Em contrapartida, o livro redime-se completamente com a sua segunda parte: o que aconteceu depois do 25 de Abril e os atribulados acontecimentos que conduziram à independência angolana a 11 de Novembro de 1975. Já havia lido Descolonização de Angola do General Pezarat Correia e A Vertigem da Descolonização do General Gonçalves Ribeiro e foi com relutância que comecei a ler este terceiro livro, receoso que se tornasse redundante com o que já lera. Estava enganado. É um outro vértice, que dá forma de triângulo a um polígono muito mais complexo…
Se da comparação entre os livros de Pezarat Correia e Gonçalves Ribeiro se consegue distinguir claramente a posição de quem alinhava com o MFA da de quem não alinhava com o MFA, da de quem valorizava a imparcialidade dos Acordos de Alvor, da de quem deles tinha uma interpretação mais livre, o de Silva Cardoso trata, dado o cargo de Alto-Comissário por si ocupado, da posição das pessoas do vértice superior da hierarquia (formal e informal...) do estado português durante o PREC. Que, como se descobre pela narrativa, e começando pelo próprio General Costa Gomes, Presidente da República e CEMGFA, às vezes mandava, noutras só se fazia obedecer e noutras ainda…, nem por isso.
Pelo próprio conteúdo do texto, e talvez paradoxalmente, dadas as posições hierárquicas desempenhadas à época dos acontecimentos, Silva Cardoso parece ser uma pessoa muito mais primária e emotiva do que aparentam ser os outros dois autores, cujos textos resultam muito mais amadurecidos, quer na redacção, quer nas conclusões. O antigo Alto-Comissário tanto engraçou (Gonçalves Ribeiro) como não engraçou (Pezarat Correia) com as pessoas que o acompanharam no cargo, mas as razões para as suas amizades e inimizades nem sempre parecem ser consequentes…
Parece que nem mesmo a frieza da distância de mais de 25 anos passados o conseguiu fazer distinguir as abordagens diferentes dos grupos representados na fotografia acima respectivamente por Melo Antunes, por Rosa Coutinho e pelos dois civis portugueses (Mário Soares e Almeida Santos). Todos eram por uma independência acelerada, todos nutriam mais simpatias pelo MPLA, mas estavam muito longe de constituir a frente unificada (e o 25 de Novembro demonstrou-o...) que, na coordenadora do MFA em Luanda e em Lisboa, Silva Cardoso culpa dos bloqueios e da evolução posterior dos acontecimentos.
É interessante e honesta a sua confissão de que, dada a situação, houve a intenção de armar a UNITA, para que esta agisse como elemento de coacção indirecta da parte portuguesa sobre os outros movimentos, intenção que foi bloqueada pelas facções do MFA... Como o é também o seu reconhecimento que a FNLA e a UNITA eram organizações paupérrimas em quadros qualificados, o que iria transformar a hipotética Angola independente e pró-Ocidental dirigida por esses movimentos num caos igual, senão provavelmente pior, daquele que se veio a viver sob a República Popular de Angola, proclamada pelo MPLA em 11 de Novembro de 1975...
Mas, se quem se opunha ao favorecimento do MPLA e defendesse o respeito estrito do Acordo (como Silva Cardoso e Gonçalves Ribeiro), parecem reconhecer essa consequência frágil da sua posição, quem teve a opinião precisamente oposta, não consegue responder a um outro problema: como se conseguiria compatibilizar aquilo que se consideravam os interesses estratégicos nacionais (um regime angolano que nos fosse culturalmente próximo, ainda que marxista-leninista), com os interesses estratégicos do bloco europeu onde nos inseríamos (NATO), que se mostravam totalmente antagónicos a essa solução…
Para os intervenientes da parte portuguesa que se mostravam ideologicamente engajados com o bloco soviético, como parecia ser o caso do grupo protagonizado por Rosa Coutinho, não houve qualquer contradição e assumem-no. Mas para os intervenientes que certamente analisaram o problema com uma outra profundidade (seriam os casos de Melo Antunes ou de Pezarat Correia), esse foi um dilema a que também nunca puderam dar resposta... Este livro reforçou-me a opinião que, mais do que não se ter conseguido fazer grande coisa que evitasse a tragédia, o caos político-militar era tal que nem se conseguiu assentar no que se deveria fazer…
E não será coincidência que costumem ser os militares dos ramos mais tecnológicos das Forças Armadas (Marinha e Força Aérea), que apareçam como os mais acérrimos defensores dessas teses. Por exemplo, no livro On Yankee Station, o autor, que conta a sua experiência como piloto da marinha norte-americana durante a Guerra do Vietname, nem pareceu ter compreendido a essência da guerra que se travou milhares de pés abaixo de si… Para ele, os aviadores embarcados venceram a guerra que lhes competia, quem a perdeu não terá sido a aviação da US Navy...
Este extenso preâmbulo destina-se a acautelar o interesse das narrativas sobre guerras subversivas quando vistas de longe, da perspectiva de um marinheiro ou de um aviador. A narrativa do General Silva Cardoso, autor do livro Angola, Anatomia de uma Tragédia, oficial piloto aviador (e, curiosamente, oriundo da Marinha…), na sua primeira parte, onde fala da sua experiência durante a Guerra Colonial, não foge a essa tradição: aquilo também era a guerra, mas o que ali está contado não são as partes interessantes nem importantes da Guerra Colonial…
Em contrapartida, o livro redime-se completamente com a sua segunda parte: o que aconteceu depois do 25 de Abril e os atribulados acontecimentos que conduziram à independência angolana a 11 de Novembro de 1975. Já havia lido Descolonização de Angola do General Pezarat Correia e A Vertigem da Descolonização do General Gonçalves Ribeiro e foi com relutância que comecei a ler este terceiro livro, receoso que se tornasse redundante com o que já lera. Estava enganado. É um outro vértice, que dá forma de triângulo a um polígono muito mais complexo…
Se da comparação entre os livros de Pezarat Correia e Gonçalves Ribeiro se consegue distinguir claramente a posição de quem alinhava com o MFA da de quem não alinhava com o MFA, da de quem valorizava a imparcialidade dos Acordos de Alvor, da de quem deles tinha uma interpretação mais livre, o de Silva Cardoso trata, dado o cargo de Alto-Comissário por si ocupado, da posição das pessoas do vértice superior da hierarquia (formal e informal...) do estado português durante o PREC. Que, como se descobre pela narrativa, e começando pelo próprio General Costa Gomes, Presidente da República e CEMGFA, às vezes mandava, noutras só se fazia obedecer e noutras ainda…, nem por isso.
Pelo próprio conteúdo do texto, e talvez paradoxalmente, dadas as posições hierárquicas desempenhadas à época dos acontecimentos, Silva Cardoso parece ser uma pessoa muito mais primária e emotiva do que aparentam ser os outros dois autores, cujos textos resultam muito mais amadurecidos, quer na redacção, quer nas conclusões. O antigo Alto-Comissário tanto engraçou (Gonçalves Ribeiro) como não engraçou (Pezarat Correia) com as pessoas que o acompanharam no cargo, mas as razões para as suas amizades e inimizades nem sempre parecem ser consequentes…
Parece que nem mesmo a frieza da distância de mais de 25 anos passados o conseguiu fazer distinguir as abordagens diferentes dos grupos representados na fotografia acima respectivamente por Melo Antunes, por Rosa Coutinho e pelos dois civis portugueses (Mário Soares e Almeida Santos). Todos eram por uma independência acelerada, todos nutriam mais simpatias pelo MPLA, mas estavam muito longe de constituir a frente unificada (e o 25 de Novembro demonstrou-o...) que, na coordenadora do MFA em Luanda e em Lisboa, Silva Cardoso culpa dos bloqueios e da evolução posterior dos acontecimentos.
É interessante e honesta a sua confissão de que, dada a situação, houve a intenção de armar a UNITA, para que esta agisse como elemento de coacção indirecta da parte portuguesa sobre os outros movimentos, intenção que foi bloqueada pelas facções do MFA... Como o é também o seu reconhecimento que a FNLA e a UNITA eram organizações paupérrimas em quadros qualificados, o que iria transformar a hipotética Angola independente e pró-Ocidental dirigida por esses movimentos num caos igual, senão provavelmente pior, daquele que se veio a viver sob a República Popular de Angola, proclamada pelo MPLA em 11 de Novembro de 1975...
Mas, se quem se opunha ao favorecimento do MPLA e defendesse o respeito estrito do Acordo (como Silva Cardoso e Gonçalves Ribeiro), parecem reconhecer essa consequência frágil da sua posição, quem teve a opinião precisamente oposta, não consegue responder a um outro problema: como se conseguiria compatibilizar aquilo que se consideravam os interesses estratégicos nacionais (um regime angolano que nos fosse culturalmente próximo, ainda que marxista-leninista), com os interesses estratégicos do bloco europeu onde nos inseríamos (NATO), que se mostravam totalmente antagónicos a essa solução…
Para os intervenientes da parte portuguesa que se mostravam ideologicamente engajados com o bloco soviético, como parecia ser o caso do grupo protagonizado por Rosa Coutinho, não houve qualquer contradição e assumem-no. Mas para os intervenientes que certamente analisaram o problema com uma outra profundidade (seriam os casos de Melo Antunes ou de Pezarat Correia), esse foi um dilema a que também nunca puderam dar resposta... Este livro reforçou-me a opinião que, mais do que não se ter conseguido fazer grande coisa que evitasse a tragédia, o caos político-militar era tal que nem se conseguiu assentar no que se deveria fazer…
Li como muito interesse, como aliás sempre acontece.
ResponderEliminarNão comento, porque não domino a matéria.
Apenas uma nota: a Unita estava sempre "disponível"...
Teoricamente, numa leitura superficial, a UNITA poderia ter sido uma 3ª via, sem os "handicaps" da FNLA (estar conotada com a UPA, ser uma mera extensão do poder zairense) e do MPLA (apresentar-se totalmente dependente de Moscovo).
ResponderEliminarClaro que teria de haver outras condições na parte portuguesa que apenas as intenções de um Alto-Comissário muito voluntarioso...
Que a ideia "tinha pernas para andar" e que o potencial de utilização lá estava vê-se no aproveitamento que os sul-africanos fizeram da UNITA, posteriormente...