Se me deitasse a adivinhar como seria a composição de uma hipotética Associação de Amizade Portugal – Rússia actual, que fosse devidamente financiada pelo regime de Putin, como o eram as suas longínquas antepassadas de há 30 anos, era provável que lá se pudesse encontrar entre os seus membros, uma variedade ideológica que fizesse lembrar um albergue espanhol.
Haveria desde aqueles que haviam transitado directamente das amizades com a URSS, passando por aqueles originários de esquerdas menos ortodoxas que, apesar de tudo, vêem na Rússia um dos raros pólos de oposição à hegemonia mundial norte-americana, até aos que ali chegaram do outro lado do espectro político, pela admiração por quem ficou com a reputação de pôr ordem à casa de uma forma musculada.
Contudo, saiu um artigo na revista Foreign Affairs de Janeiro/Fevereiro 2008, que põe em causa, de uma forma, para mim, sustentada, o mito de Vladimir Putin, o recuperador da grandeza internacional da Rússia. Citando-o: os dados simplesmente não corroboram a noção que a abordagem autocrática do regime de Putin está a responder e a superar os enormes problemas de desenvolvimento da Rússia.
Embora a Foreign Affairs aceite colaborações das mais variadas escolas ideológicas norte-americanas, raras se contarão entre elas as que nutrem alguma simpatia pelo actual regime russo. Os dois autores do artigo (Michael McFaul e Kathryn Stoner-Weiss, ambos da Universidade de Stanford) não deverão ser excepção. Mas parece-me que há um núcleo de objectividade dentro da sua hostilidade ideológica.
Vladimir Putin assumiu o poder a 31 de Dezembro de 1999, o que descarta aquela tese que ainda terá havido falta de tempo para pôr a casa em ordem quanto a alguns aspectos. Oito anos já são um período alargado pelos padrões ocidentais, quando já se podem fazer balanços consequentes da actividade de um governante, pelas consequências das medidas que adoptou e implementou.
A Rússia sob Boris Yeltsin afundou-se até muito baixo, e há imensos aspectos em que o estado russo melhorou em relação aos anos 90: as pensões e os salários dos funcionários públicos são pagos a tempo, nas obras públicas, no sector educativo ou no da defesa houve uma evidente melhoria. Tomando em consideração o aumento dos recursos do estado devidos ao aumento dos preços do petróleo, surpreende é o que não melhorou…
O número de funcionários públicos duplicou desde a época de Yeltsin, mas em termos de padrões de segurança, saúde, ou de corrupção, e apesar das sondagens darem índices de popularidade espectaculares a Putin, a situação apresenta-se sem melhorias, senão pior do que há oito anos atrás. O número de assassinatos anuais na Rússia passou de 30.200 em média, durante o quinquénio 1995-99, para 32.200 no quinquénio seguinte.
Na saúde, cujas despesas em média desceram proporcionalmente de 6,4 para 6,0% do PIB da década de 90 para a actual, ainda não se atingiu um ponto de inflexão no decréscimo progressivo da população total, que é causado por taxas decrescentes de natalidade e crescentes de mortalidade, sintetizados numa esperança média de vida de 59 anos para os homens e de 72 para as mulheres.
Existe uma componente demasiado forte de subjectividade nos índices de corrupção para os querer utilizar, mas há um contraste gritante entre os indicadores terceiro mundistas mostrados acima e os financeiros, onde a Rússia é a economia com o 4º maior excedente comercial do mundo* e apresentando até um orçamento superavitário: não é por falta de recursos financeiros que a situação assim se apresenta.
Tradicionalmente, desde a época czarista, a Rússia sempre tem sido um império rico e poderoso, mas formado por gente pobre. Os objectivos de médio prazo anunciados pelo regime de Putin eram o de equiparar o padrão de vida médio dos russos ao dos portugueses (!). Embora Portugal não tivesse grande coisa de que se orgulhar quanto ao seu padrão de vida, nomeadamente quanto às assimetrias da sua distribuição, sempre nos era lisonjeiro…
Quanto ao crescimento económico registado pela Rússia nos últimos anos, sabe-se quanto ele permanece assente em matérias-primas, sobretudo recursos energéticos, ultimamente muito bem cotados. Mesmo assim, calculando e comparando o crescimento económico dos países que faziam parte da URSS entre 1999 e 2006, a Rússia fica em 9º lugar entre aquelas 15 economias.
Quanto à distribuição da riqueza, a evolução também parece não ter sido no sentido de que tenha havido uma diminuição das diferenças dentro da sociedade russa. Ironicamente, há quem já tenha abandonado a referência ao objectivo de igualar o padrão de vida de Portugal, mas tenha ido buscar um outro exemplo – este de distribuição da riqueza - a um outro país de expressão portuguesa: Angola. Vá-se lá imaginar porquê…
* Depois da Alemanha, China e Arábia Saudita.
Haveria desde aqueles que haviam transitado directamente das amizades com a URSS, passando por aqueles originários de esquerdas menos ortodoxas que, apesar de tudo, vêem na Rússia um dos raros pólos de oposição à hegemonia mundial norte-americana, até aos que ali chegaram do outro lado do espectro político, pela admiração por quem ficou com a reputação de pôr ordem à casa de uma forma musculada.
Contudo, saiu um artigo na revista Foreign Affairs de Janeiro/Fevereiro 2008, que põe em causa, de uma forma, para mim, sustentada, o mito de Vladimir Putin, o recuperador da grandeza internacional da Rússia. Citando-o: os dados simplesmente não corroboram a noção que a abordagem autocrática do regime de Putin está a responder e a superar os enormes problemas de desenvolvimento da Rússia.
Embora a Foreign Affairs aceite colaborações das mais variadas escolas ideológicas norte-americanas, raras se contarão entre elas as que nutrem alguma simpatia pelo actual regime russo. Os dois autores do artigo (Michael McFaul e Kathryn Stoner-Weiss, ambos da Universidade de Stanford) não deverão ser excepção. Mas parece-me que há um núcleo de objectividade dentro da sua hostilidade ideológica.
Vladimir Putin assumiu o poder a 31 de Dezembro de 1999, o que descarta aquela tese que ainda terá havido falta de tempo para pôr a casa em ordem quanto a alguns aspectos. Oito anos já são um período alargado pelos padrões ocidentais, quando já se podem fazer balanços consequentes da actividade de um governante, pelas consequências das medidas que adoptou e implementou.
A Rússia sob Boris Yeltsin afundou-se até muito baixo, e há imensos aspectos em que o estado russo melhorou em relação aos anos 90: as pensões e os salários dos funcionários públicos são pagos a tempo, nas obras públicas, no sector educativo ou no da defesa houve uma evidente melhoria. Tomando em consideração o aumento dos recursos do estado devidos ao aumento dos preços do petróleo, surpreende é o que não melhorou…
O número de funcionários públicos duplicou desde a época de Yeltsin, mas em termos de padrões de segurança, saúde, ou de corrupção, e apesar das sondagens darem índices de popularidade espectaculares a Putin, a situação apresenta-se sem melhorias, senão pior do que há oito anos atrás. O número de assassinatos anuais na Rússia passou de 30.200 em média, durante o quinquénio 1995-99, para 32.200 no quinquénio seguinte.
Na saúde, cujas despesas em média desceram proporcionalmente de 6,4 para 6,0% do PIB da década de 90 para a actual, ainda não se atingiu um ponto de inflexão no decréscimo progressivo da população total, que é causado por taxas decrescentes de natalidade e crescentes de mortalidade, sintetizados numa esperança média de vida de 59 anos para os homens e de 72 para as mulheres.
Existe uma componente demasiado forte de subjectividade nos índices de corrupção para os querer utilizar, mas há um contraste gritante entre os indicadores terceiro mundistas mostrados acima e os financeiros, onde a Rússia é a economia com o 4º maior excedente comercial do mundo* e apresentando até um orçamento superavitário: não é por falta de recursos financeiros que a situação assim se apresenta.
Tradicionalmente, desde a época czarista, a Rússia sempre tem sido um império rico e poderoso, mas formado por gente pobre. Os objectivos de médio prazo anunciados pelo regime de Putin eram o de equiparar o padrão de vida médio dos russos ao dos portugueses (!). Embora Portugal não tivesse grande coisa de que se orgulhar quanto ao seu padrão de vida, nomeadamente quanto às assimetrias da sua distribuição, sempre nos era lisonjeiro…
Quanto ao crescimento económico registado pela Rússia nos últimos anos, sabe-se quanto ele permanece assente em matérias-primas, sobretudo recursos energéticos, ultimamente muito bem cotados. Mesmo assim, calculando e comparando o crescimento económico dos países que faziam parte da URSS entre 1999 e 2006, a Rússia fica em 9º lugar entre aquelas 15 economias.
Quanto à distribuição da riqueza, a evolução também parece não ter sido no sentido de que tenha havido uma diminuição das diferenças dentro da sociedade russa. Ironicamente, há quem já tenha abandonado a referência ao objectivo de igualar o padrão de vida de Portugal, mas tenha ido buscar um outro exemplo – este de distribuição da riqueza - a um outro país de expressão portuguesa: Angola. Vá-se lá imaginar porquê…
* Depois da Alemanha, China e Arábia Saudita.
Parece-me que, como sucede em alguns lugares conhecidos, ali também só mudam as moscas...
ResponderEliminarOutro bicho, Impaciente. Será outro bicho, que as moscas dão-se mal com o frio...
ResponderEliminarHoje, ao sonharmos com o petróleo, os diamantes e outras riquezas, só nos resta cantar baixinho o famoso estribilho "Angola era nossa, Angola já foi nossa, Angola era melhor que fosse nossa"...
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